Editorial – Ed. 8

A julgar por discursos não tão distantes do presente, a juventude foi frequentemente celebrada como a metáfora da mudança social, e neste sentido, nela se depositavam as esperanças de um futuro melhor. Karl Mannheim, em um artigo escrito em 1954 que procurou responder à pergunta sobre qual seria a contribuição da juventude à sociedade, afirma que “a juventude é um dos mais importantes recursos espirituais latentes para a revitalização de nossa sociedade”. Mannheim estava se referindo à situação de caos moral e psicológico no pós-guerra europeu, quando seria necessária a revitalização espiritual da sociedade a partir da “reserva psicológica” existente nos jovens. Como não se assombrar frente a tal expectativa hoje, quando nos deparamos com o lugar destinado aos jovens nas dinâmicas sociais contemporâneas. Não mais como atores sociais que protagonizariam a renovação social, aos jovens parece ter sido destinado o lugar de “reserva do ódio social”, quando, ao se tornarem depositários das contradições sociais, tornam-se objeto seja de extermínio físico, seja de impedimentos para a ação criadora do mundo em que vivem.

Nas seções Espaço Aberto e Temas em Destaque da presente edição, a temática da juventude no mundo contemporâneo é apresentada sob alguns aspectos sombrios que nos interrogam sobre a ambivalência e a negatividade das atuais relações intergeracionais. Portanto, cabe fazer novamente a pergunta de Mannheim: o que esperam os mais velhos dos jovens? Que angústias assolam esta relação hoje, frente às incertezas de um mundo no qual não parece caber a recusa de uma geração dos baluartes que fundam o modo de vida das sociedades contemporâneas?

Na seção Espaço Aberto, o professor e pesquisador Paulo César Fraga, da Universidade Federal de Juiz de Fora entrevista o pesquisador e professor Germán Muñoz González, da Universidade de Manizales, sobre o conflito armado na Colombia e suas consequências para as crianças e os jovens. Se este conflito dura há mais de 60 anos, têm sido as crianças e os jovens suas principais vítimas: por desalojamento, perda de familiares, violência sexual, adoção forçada, assassinatos, recrutamento forçado na guerrilha. Cerca de 70% dos que são obrigados a deixar suas casas e lugar de origem tem menos que 18 anos. Muñoz González nos relata também o caso dos “falsos positivos” que são jovens exterminados pelas forças do Exército para comporem as estatísticas de “segurança nacional”, quando se trata de eliminar, sem qualquer constrangimento ou punição, a vida de jovens pobres e camponeses. A entrevista do pesquisador colombiano retrata um cenário onde as vidas destes jovens tem valor desprezível, nada mais…

Na seção Temas em Destaque, dois artigos trazem pesquisas empíricas sobre os jovens, argentinos, em um artigo, e brasileiros, em outro. A pesquisadora e docente Mariela Mosqueira, da Universidade de Buenos Aires analisa a participação de jovens evangélicos argentinos no movimento “Valores para meu país”, uma aglutinação religiosa liderada por uma deputada evangélica. Quando se trata de capitalizar em cima da “reserva psicológica” dos jovens, estes são incluídos nas ações programáticas desta agremiação. No entanto, quando os jovens reivindicam mudanças e se contrapõem à falta de transparência e imposição das decisões, rechaçam-se suas iniciativas e se promove um silêncio sobre suas demandas.

No outro artigo, em contexto brasileiro, é trazida uma pesquisa sobre o que os jovens pensam sobre futuro, trabalho e política. As pesquisadoras Carolina Corrêa e Solange Jobim e Souza, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, mostram como o isolamento e a falta de horizontes caracterizam as soluções que os jovens encontram para lidar com a demanda de projetar seu futuro, desenhar sua participação na sociedade. A linha de fuga parece se refugiar no descrédito da construção de sentidos coletivos para as dificuldades comuns hiperbolizando o efeito do esforço individual para enfrentá-las.

Três resenhas compõem esta edição. Uma de Maria Celeste Hernández sobre o livro de Maria Inés Pacecca “El trabajo adolescente y la migración de Bolivia a Argentina: entre la adultez y la explotación”, em que a resenhista ressalta o cenário de disputas entre a judicialização e a exploração a que são submetidos os jovens bolivianos que migram para a Argentina. Outra, de Rosana Evangelista da Cruz, do livro de Vitor Paro, “Diretor escolar: educador ou gerente?” em que a resenhista destaca os determinantes pedagógicos e políticos da escola sobre a função administrativa do diretor escolar. A terceira resenha, de Irandi Pereira, sobre a obra de Siro Darlan e Luis Fernando de França Romão, “A história da criança por seu Conselho de Direitos”, põe em relevo a complexidade da plena garantia de proteção integral a crianças e jovens brasileiros trazida pela nova institucionalidade– os Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente.

Finalmente, brindamos os leitores e leitoras com promessas de outras boas leituras sobre infância e juventude ao trazer o levantamento bibliográfico de obras publicadas neste trimestre, no campo das ciências humanas e sociais. São 27 obras de que obtivemos noticias consultando sites de editoras de quase todos os países da América Latina – o que nos apresenta um cenário interessante e rico dos debates atuais e direções de pesquisas sobre as questões da infância e juventude nesta parte do mundo.

Lucia Rabello de Castro
Editora Chefe

Referencia:
MANNHEIM, Karl. O problema da juventude na sociedade moderna. In: BRITTO, S. de (Org.), Sociologia da Juventude I. RJ: Zahar, 1968, p. 69-94.