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Feminismo teen e youtubers: feminismo na adolescência em tempos de redes sociais

Feminismo teen e redes sociais

De que modo as redes sociais contribuem para a formação e prática feminista das meninas? Esta é a pergunta que guia este artigo. Para todas as entrevistadas, as redes sociais, Facebook, Instagram e, especialmente, YouTube6, foram apontadas como as principais fontes de formação feminista e é esse ponto que o conceito feminismo teen pretende dar conta da novidade assinalada pela experiência das entrevistadas. Nos estudos dedicados aos feminismos, o termo “jovem feminista” irrompe como objeto de análise em meados dos anos 2000 e descreve jovens mulheres que, de modo geral, têm acima de 18 anos, estão em universidades, no mundo do trabalho e participam de formas institucionalizadas de fazer política (GONÇALVES; FREITAS; OLIVEIRA, 2013; ZANETTI, 2011).

As entrevistadas representam uma ruptura com essa descrição e, por essa razão, atribuí um novo nome ao fenômeno, feminismo teen, pois o processo de formação da identidade feminista teen não se dá via institucionalidades tradicionais da luta política, mas tem as redes sociais como a plataforma privilegiada. As meninas se descobrem e se tornam feministas na escola, na Igreja, na família, no grupo de amigas e, como destaco neste trabalho, nas redes sociais, e não em movimentos sociais, partidos políticos e ONGs, em uma dinâmica diversa aquela descrita, por exemplo, por Rago (2013) no processo de formação das feministas no século XX.

No processo de formação feminista das meninas, Facebook, Instagram e, especialmente, o YouTube são fontes privilegiadas. No Facebook, foi constatado que, nas páginas que recebiam maior atenção das adolescentes7, o que as interessava eram memes e tweets, mensagens curtas e rápidas que viralizavam posicionamentos claros sobre o tema. A preferência pelos tweets não reflete predileção por essa rede social, mas sim o valor dado à velocidade e facilidade de comunicação, pois economicidade e rapidez são privilegiadas pelas meninas na ampliação do debate feminista. Além da rapidez e simplicidade, os memes despertam interesse porque são engraçados.

Graça, economicidade e rapidez foram também notadas nos perfis das entrevistadas no Instagram, que são compostos, em sua totalidade, por fotos e breves legendas; o “textão”, textos longos que têm como objetivo expressar opiniões com reflexões demoradas, não interessavam às meninas, que estavam antenadas com a possibilidade de conexão rápida de ideias com pessoas para além de seus restritos círculos sociais (controlados pelos pais e familiares). Por essa razão, os veículos de conexão preferidos das meninas eram fotos, frases curtas e os memes, artefatos que não produzem reflexões densas e dialógicas como os “textões”, mas produzem adesões, identificações claras e passíveis de viralização a partir das quais é possível perceber quem é parte de um NÓS.

No Instagram, o que interessava às meninas eram as fotos, a exposição imagética de si e a conexão produzida com outros a partir de uma determinada imagem que é produzida e reafirmada como expressão de si; nesse sentido, o número de seguidores e de interações indicam uma aprovação da estética e moral de si. Nessa rede social, os perfis seguidos e citados pelas entrevistadas, no que toca ao tema feminismo, foram as páginas citadas do Facebook, mas especialmente os perfis de youtubers.

YouTube é a rede social predileta quando se trata de se informar sobre qualquer assunto, uma vez que disponibiliza conteúdos rápidos (vídeos de 10 a 20 minutos) e acessíveis do ponto de vista intelectual (são fáceis de entender); do ponto de vista geográfico, podem ser acessados em qualquer lugar e de qualquer instrumento – smartphone, tablet, computador; e do ponto de vista temporal, a qualquer momento podem ser acessados e repetidos até a perfeita compreensão das ideias. As meninas veem o YouTube como a perfeita conjunção entre custos e benefícios tanto para produtores de conteúdo quanto para consumidores: do ponto de vista da produção de conteúdo, com recursos mínimos de infraestrutura é possível elaborar reflexões e posicionamentos sobre os mais diferentes temas; do ponto de vista do público, com recursos mínimos (um smartphone e uma boa conexão) é possível ter acesso a conteúdo de qualidade, 24 horas por dia, que esclarece dúvidas de forma rápida.

A constatação de que as redes sociais, especialmente o YouTube, são fontes privilegiadas para a formação feminista das adolescentes foi recorrente nas entrevistas. Como relatou Antonia, 16 anos e branca, o contato dela com o tema feminismo se deu a partir da história de vida de Malala Yousafzai8, pela qual se interessou quando fez um trabalho na 5ª série o qual tinha como objetivo apresentar uma figura feminina importante na sociedade contemporânea. Ela contou que se interessou pela personagem porque ela desconhecia que, em algum lugar do mundo, meninas não poderiam estudar. Antonia relatou que a história de superação de Malala a remetia à sensação de liberdade, à possibilidade de ampliação do conhecimento e de ascensão social, frutos do acesso à educação tomado como um direito que deve ser garantido a todos e a todas.

Educação constitui-se como um valor importante para a entrevistada porque assinala a possibilidade de ascensão social, pois, além da escola, explicou a entrevistada, há apenas dois outros meios de “subir na vida”: “ganhar na Mega Sena ou ser youtuber”. Ser youtuber é uma possibilidade factível para adolescentes que querem ascender socialmente, explicou a adolescente: a plataforma está cheia de youtubers que vieram do nada e, por isso, “todo mundo pode ser youtuber”; mas é preciso reconhecer um impeditivo, a ampla concorrência. Assim, o segredo do sucesso é a novidade associada à autenticidade, ou seja, para ser um youtuber de sucesso é preciso propor não apenas algo novo, mas uma novidade associada a mais profunda expressão de si. A entrevistada explicou que o YouTube guarda uma grande diferença em relação à TV: no YouTube há liberdade e, na TV, só é possível fazer o que os poderosos mandam.

Por meio do discurso das meninas foi possível constatar que a liberdade, concretizada nas redes sociais, permite que adolescentes como elas veiculem valores e ideias que conectam identidades e experiências afins, que, em outros contextos históricos, não se reconheceriam e conectariam. Para adolescentes como as entrevistadas, as redes sociais, especialmente o YouTube (o Instagram aparece como uma segunda alternativa), representam uma possibilidade real de ascender socialmente. O conteúdo imagético que valoriza a oralidade como meio de comunicação fácil e rápido é o grande potencial das redes sociais; o YouTube, em especial, é fácil porque é acessível intelectualmente a qualquer pessoa e tal facilidade advém da forma simples como a comunicação é produzida: são pessoas comuns, alguém como elas, que trata de sentimentos e questões que afligem todas de forma indistinta.

Da perspectiva das meninas, o esquema clássico da indústria cultural – uma elite produtora e uma massa consumidora passiva de conteúdo – foi diluído nas redes sociais, que são tomadas como uma multiplicidade de produtores que conectam outra multiplicidade de consumidores a partir de identidades e experiências compartilhadas. A liberdade, e não a produção de valor que está presente na indústria bilionária das redes sociais, mas que chama pouca atenção das meninas, é o que desperta interesse: “qualquer um pode ser um youtuber”, qualquer um pode produzir conteúdo e, com sorte, alcançar uma grande visibilidade e arrematar curtidas, seguidores e, quem sabe, dinheiro.

Para as entrevistadas, o YouTube produz empoderamento. Para uma adolescente, as youtubers constituem exemplos da forma mais rápida de “se chegar lá”. Tornar-se youtuber rivaliza com as referências tradicionais de ascensão social: o estudo e trabalho diligente e cotidiano que respeita etapas e “sabe esperar”. Além da possibilidade de empoderamento financeiro, as redes sociais também produzem o empoderamento a partir do conteúdo veiculado. No que toca ao tema feminismo, o empoderamento se dá por meio de conteúdos que têm como tom o questionamento de padrões sociais e culturais patriarcais, especificamente aqueles associados ao corpo e à sexualidade femininos. Assim, aceitar o próprio corpo, celebrá-lo e conhecer e/ou experimentar a sexualidade em sua diversidade tem como resultado tornar-se dona de si, elemento importante do feminismo teen. Retomaremos os sentidos de empoderamento e ser dona de si mais à frente na análise dos vídeos da youtuber Julia Tolezano, mas antes apresento Jout Jout.

Nas entrevistas foram relatadas algumas referências nas redes sociais para a conformação da identidade feminista, contudo, as entrevistadas apontaram a youtuber Julia Tolezano, do canal JoutJout Prazer9, como destaque. Em 2014, Julia, munida de uma câmera e um microfone, começou a gravar e postar vídeos no YouTube. Em seus vídeos, que contam com não mais que 10 minutos de duração, cabe qualquer assunto: comentários sobre músicas, confissões sobre medos e inseguranças, pensamentos soltos, análises críticas sobre a conjuntura política ou conselhos sobre relacionamentos amorosos. Julia tem um estilo autêntico, como notou uma das entrevistadas: os vídeos produzidos não tem um cenário fixo, ela não produz cabelo e maquiagem e, o mais importante, Julia fala de forma espontânea sem recorrer a um roteiro engessado. Essa espontaneidade ao tratar de assuntos que afligem e deliciam meninas e mulheres é o que confere um toque de humor aos vídeos, tão apreciados pelas meninas. A linguagem simples e amorosa é outro diferencial de Julia: ao assistir a um vídeo dela, parece que estamos conversando com uma amiga que ouve e dá conselhos de uma maneira leve e didática, como as entrevistadas notaram. O didatismo é explicado pela linguagem tatibitate comum nos vídeos nos quais a youtuber explora temas cotidianos e tabus, como o vídeo “Cocô a dois”, no qual ela conta os arranjos criados entre ela e o namorado, durante uma viagem, para lidar com esse possível constrangimento.

No próximo tópico, apresentarei a análise dos vídeos do canal JoutJout Prazer com base nos enquadramentos delineados, sendo a hipótese condutora da análise a perspectiva proposta por Margareth Rago (2019) no conceito de “feminização da cultura”. A aplicação desse conceito supõe que tanto Jout Jout quanto as adolescentes compartilham os mesmos valores de igualdade entre os gêneros, respeito às diferenças e liberdade que conformam uma prática feminista específica. Longe de estabelecer uma relação determinista entre influenciadoras digitais e seguidoras, o que supõe uma hierarquia entre produtor e consumidor de conteúdo, minha leitura supõe o compartilhamento de uma mesma visão de mundo na qual feminismo é uma referência.

6 – Embora as hashtags tenham se tornado um grande motor dos feminismos na internet, as entrevistadas não relataram seu uso, embora reconheçam a importância delas; também não relataram o uso do Twitter; a predileção pelo YouTube, Facebook e Instagram ficou clara nas entrevistas.
7 – Destaque para as páginas “Diário de uma Feminista” e “Feminismo sem Demagogia”.
8 – Malala Yousafzai é uma jovem paquistanesa, hoje residente na Grã-Bretanha, que sofre perseguição política por seu ativismo na defesa dos direitos humanos das mulheres; sua história ganhou notoriedade em 2012 quando ela sofreu um atentado em seu caminho diário para a escola.
9 – Em fevereiro de 2020, Julia contava com mais de 2 milhões inscritos em seu canal, constituindo-se em uma das mais importantes youtubers do Brasil.
Ana Carolina Vila Ramos dos Santos carolina.vila@ifsp.edu.br

Doutora em Sociologia e Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus São Paulo-Pirituba, São Paulo, Brasil.