Foto: Beatriz Aurora

A proposta educativa nas comunidades zapatistas: autonomia e rebeldia

 

Juntas de Bom Governo e autonomia aplicada

 

As Juntas de Bom Governo (JBG) foram formadas com representantes dos conselhos dos Municípios Autônomos Zapatistas e ainda são controladas e supervisionadas pela Comissão Clandestina Revolucionária Indígena – Comando Geral (CCRI-CG) do EZLN, mas não estão subordinadas ao comando militar. As JBG foram consideradas a materialização do projeto de democratização, como afirmado pela Sexta Declaração da Selva Lacandona, “…a saber, acima o político-democrático mandando e embaixo o militar obedecendo” (EZLN, 2005, p.3). Os conselhos locais dos MAREZ cuidavam dos assuntos domésticos, concernentes a todo governo meramente local, ou seja, atenderam os conflitos, resolveram as disputas, facilitaram os arranjos, executaram os projetos.

 

O caso das JBG é diferente, porque o âmbito da sua autoridade é de nível estatutário, ou seja, cuidam, de modo centralizado, do cumprimento dos princípios do movimento. Por outro lado, as JBG estão encarregadas das relações com a sociedade civil, nacional e estrangeira, como intermediária para a realização de projetos produtivos, doações e projetos culturais, por exemplo, as escolas rebeldes zapatistas.

 

As JBG, responsáveis ​​por observar e controlar o cumprimento dos preceitos da comunidade zapatista, fundamentam-se nos princípios declarados desde o surgimento do movimento e não apenas desde sua emergência na cena pública internacional. Sustentam seu trabalho nos princípios subjacentes à (Primeira) Declaração da Selva Lacandona (1º de janeiro de 1994) – trabalho, terra, teto, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, justiça e paz –, sintetizados a partir da Terceira Declaração como democracia, liberdade, justiça, e que foram ampliados em declarações subsequentes.

 

Fez-se referência, então, à democracia, à liberdade, à justiça, em primeiro lugar, e, em seguida, à dignidade, à resistência, à autonomia. Portanto, para identificar os princípios implícitos na perspectiva neozapatista, foi mais importante o documento “Síntese do Projeto de Acordo sobre Direitos e Cultura Indígena”, reconhecido pela COCOPA. O documento começou pelo destaque do multiculturalismo (sic) da nação, observando que “a consciência da identidade indígena deve ser considerada um critério fundamental para o reconhecimento dos povos” (COCOPA, 1996).

 

O documento baseou-se na autodeterminação, entendida como

 

A capacidade desses povos (indígenas) para decidir a forma de governança interna e organização política, social, econômica e cultural que melhor lhes convier, assim como executar, em um contexto de respeito pela sua identidade, o conjunto de direitos políticos, sociais, econômicos e culturais, bem como as garantias de justiça que lhes correspondem (COCOPA, 1996).

 

O documento acrescenta que “é através da autonomia que os povos indígenas exercem esse atributo fundamental no âmbito das instituições legais e políticas da nação”. Em seguida, o texto afirma que as comunidades indígenas devem ser reconhecidas como “entidades de direito público com poderes e funções específicos determinados pelas legislaturas de cada entidade no contexto constitucional definindo pelo Congresso da União” (COCOPA, 1996).

 

O “Projeto de Acordo sobre Direitos e Cultura Indígena”, assinado pela COCOPA e o EZLN em fevereiro de 1996, não foi elevado ao status constitucional por decisão unilateral do governo federal de Ernesto Zedillo Ponce de Leon. Com esta decisão o governo traiu tanto o seu interlocutor, o EZLN, como o povo mexicano, e argumentou trabalhar para a paz, enquanto desenvolvia múltiplas ações militares. Com este antecedente, as JBG apareceram em resposta às demandas de democratização e autonomia, uma vez que elas são a melhor expressão de autodeterminação dos povos indígenas.

 

Autonomia zapatista

 

Nos 20 anos de sua história o Exército Zapatista de Libertação Nacional agiu militarmente apenas uma vez, e reafirmou a sua vontade de fazer parte da nação, em novas condições democráticas e igualitárias. Seus membros consideram a autonomia como um processo que “permite as pessoas decidirem como querem viver e como querem se organizar politica e economicamente”. “A autonomia é que governemos como um povo indígena, decidamos como queremos que trabalhem nossas autoridades, sem depender de políticas que vêm de acima” (Ornelas, 2004, s/p).

 

A autonomia zapatista se constrói gradualmente na experiência coletiva de resistência e construção de alternativas e não é baseada em um raciocínio teórico ou apenas em um balanço de experiências históricas. Como afirmado no livro Democracia, nación y autonomia étnica (Democracia, Nação e Autonomia Étnica).

 

A autonomia coletiva não é uma obrigação imposta sobre aqueles que não a desejam; é uma reivindicação para quem procura desenvolver uma capacidade de auto-organização que, sob a tutela de uma entidade hegemônica, não pode se desenvolver (Hernández, 2009, p.189).

 

Refletir sobre a autonomia levou os zapatistas a reconsiderarem o fato de concentrar sua luta em busca dela. Eles pensaram que esta poderia ser a ponta de lança para conseguir o resto das demandas. Mudaram sua estratégia de busca. Entenderam que promovendo a autonomia dos povos encontrariam o caminho para realizar os outros pontos consagrados na Primeira Declaração da Selva Lacandona. O movimento rebelde zapatista definiu

 

Um caminho de transformação fora das instituições estaduais e do sistema partidário, para designar livremente seus representantes na comunidade, bem como os funcionários do governo local ou os líderes de povos indígenas, de acordo com as instituições e tradições de seu povo, e para promover e desenvolver as suas línguas, culturas, assim como costumes e tradições políticas, sociais, econômicas, religiosas e culturais (Baronnet, 2011, p. 21).

 

No setor educacional regional, a partir de 1994, novos atores sociais emergiram. Apareceram pela primeira vez as autoridades indígenas do EZLN e de seus municípios rebeldes, assistidos em seguida por ativistas de redes nacionais e internacionais de solidariedade. Mas os principais agentes, que operam localmente, coordenados no nível municipal, são os que promovem, através das comissões, particularmente de educação autônoma, sob o controle de um número crescente de comunidades de base de apoio, e colaboram nos projetos municipais de “escolas rebeldes”, graças a seus representantes que participaram nas assembleias regionais e em posições de autoridade civil.

 

A demanda por autonomia educacional é construída em franca oposição social, cultural e política à gestão das escolas públicas (dependentes dos governos provincial e federal).

 

A escola oficial tenta construir uma consciência, a saber… individual. Tem por objetivo que os professores orientem as crianças para que sejam individuais. E também emprega uma metodologia individual e muito privada. Porque tudo o que se faz é sempre dando instruções. Porque nas escolas oficiais eles dizem que você tem que fazer isso e não aquilo, você tem que responder de um modo e não de outro, e é assim que deve ser e ninguém pode mudar. O que estamos vendo é que essa é uma metodologia que faz com que fiquemos fechados, sem liberdade de abrir-nos a pensar. Esse é o ponto principal que nós estamos tentando mudar. (Alejandro, 2008, s/p)

 

Estas e outras definições compartilhou Alejandro, promotor da educação, em uma conversa na Escola Secundária Rebelde Autónoma Zapatista “1º de janeiro”, no Caracol Oventik (Boletim especial do EZLN publicado na Imprensa da Frente em Chiapas em junho de 2008 s / p.).

 

É desta maneira que o movimento zapatista propõe outra forma de ensino, rompendo os paradigmas de ensino e aprendizagem tradicionais e o jugo controlador e opressor do Ministério da Educação Pública do Estado/poder.

Fernando Rey Arévalo Zavaleta arevalof@unach.mx

Professor-pesquisador na Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México, na Licenciatura em Comunicação e no Mestrado em Estudos Culturais (MEC). Mestrado em Educação pela Unach. Licenciatura em Ciências da Comunicação pela Universidad Autónoma de Guadalajara (UAG). Doutorando em Comunicação pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Membro da Rede de Historiadores da Imprensa e Jornalismo em Ibero-América. Colaborador no projeto de pesquisa Comunicação, Mídia e Jornalismo da Facultad de Periodismo y Comunicación Social (UNLP).

Gloria Patricia Ledesma Ríos gledesmarios2002@yahoo.com.mx

Licenciatura em Ciências da Comunicação pela Universidad Autónoma de Guadalajara (UAG). Mestrado em Psicologia Social pela Universidad de Ciencias y Artes de Chiapas (Unicach). Professora da Facultad de Humanidades da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Licenciatura em Comunicação. Autora dos livros “Sentido de los comunicados del EZLN” (EAE, 2012); “Autonomía, interacción, juventud y zapatismo” (Unach, 2014); e dos artigos de livro "Desazón" em “Yaakun” (Unach, 2011); "Mensajes de las adolescentes en el Facebook", em “Siglo XXI: ¿tiempo de las mujeres?” (Unach; 2014).

María Esther Pérez Pechá nrgkay321@gmail.com

Doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha. Docente de tempo completo da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha. Artigo “Participación de la mujer en la literatura”, em “Siglo XXI: ¿Tiempo de las mujeres?” (Unach, 2014). Coautora do livro “Autonomía, interacción, juventud y zapatismo” (Unach, 2014).

Saraín José García sarinjos@hotmail.com

Licenciatura em Biblioteconomia pela Universidad Autónoma de San Luis Potosí. Mestrado em Educação Superior. Professor na Licenciatura em Biblioteconomia e Gestão da Informação, da Facultad de Humanidades, da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Autor do artigo “Participación de la mujer”, em “Siglo XXI: ¿Tiempo de las mujeres?” (Unach; 2014) e do “Catálogo de teses de licenciatura em Biblioteconomia da Universidad Autónoma de Chiapas 1999-2004” (Unach, 2013).