Foto: Beatriz Aurora

A proposta educativa nas comunidades zapatistas: autonomia e rebeldia

Sistema de Educação Rebelde Autônomo Zapatista de Libertação Nacional: plano regional de educação autônoma

 

O sistema de ensino autônomo zapatista, que opera nas regiões autônomas dos Altos e na Selva Lacandona, trabalha nos níveis básicos (escola primária e secundária).

 

Na escola primária, as crianças vão para as instalações escolares que pertenciam ao sistema de educação nacional. Uma vez que ficaram sem professores vinculados ao Ministério de Educação Pública (SEP), estadual ou federal, a assistência esteve sob a responsabilidade, em primeiro lugar, de estudantes universitários da Universidad Nacional Autónoma do México (UNAM), bem como de organizações da sociedade civil nacional e internacional que frequentam regularmente os Caracoles, para interagir com os zapatistas. Foi apenas depois, quando a demanda cresceu e se expandiu, que ficou evidente a necessidade de formar jovens para a alfabetização de crianças, sempre levando em conta a ideologia zapatista. Isto é, um tipo particular de educação focada nas necessidades dos alunos e levando em consideração o contexto.

 

Em 2000, inicia-se a Escola Secundária Rebelde Autônoma Zapatista “1º de janeiro”, com um ciclo de três anos. Em agosto de 2003, a primeira geração de graduados da escola coincide com o nascimento dos Caracoles e a criação das Juntas de Bom Governo. Depois de algumas reuniões de avaliação entre a Junta e as escolas, é acordado integrar em um plano e projeto únicos a educação para toda a região. Assim, cria-se o Sistema Educacional Rebelde Autônomo Zapatista para a Libertação Nacional (SERAZ – LN) nos Altos de Chiapas. Os fundamentos da educação foram baseados na crítica – sustentada por experiências anteriores dos povos – à educação oficial. A estrutura organizacional da educação autônoma compõe-se da seguinte maneira: a Junta de Bom Governo, a Comissão de Área de Educação, a Comissão Municipal de Educação, delegados-promotores-educadores, estudantes, povos. O sistema educacional é coordenado por um grupo de Coordenação Geral, constituído por quatro promotoras e seis promotores, que coordena as atividades educacionais e trabalha na formação de promotores. O ano letivo vai de setembro a julho, com um período de férias entre dezembro e janeiro.

 

No nível de educação primária, as áreas de conhecimento são línguas, matemática, ciências naturais, ciências sociais, humanismo e produção, que inclui o cuidado com o meio ambiente. O currículo

 

Parte de priorizar sua própria cultura e todos os elementos que fazem parte da cosmovisão indígena – afirmam os zapatistas. Estes temas foram desenhados a partir das demandas das comunidades e respondem ao tipo de educação que nossas comunidades precisam (Lara, 2011).

 

Foram escolhidas dez matérias para serem ensinadas, que incluem: leitura e escrita – considerada a pedra angular da educação autônoma.

 

É de grande necessidade para a comunidade, pois os representantes do povo necessitam de ferramentas: em primeiro lugar, porque chegam os depoimentos do EZLN e eles devem transmitir o seu conteúdo para as pessoas, então, eles precisam conhecer os documentos, conhecer livros, porque pensamos que a nossa luta é de libertação nacional. Então, aqui não podemos comunicar em tzeltal, tzotzil, tojolabal etc. […] (Lara, 2011).

 

Matemáticas – foram articuladas com atividades práticas e cotidianas como o trabalho, seja comercial ou de campo, e mesmo na própria casa, para a administração dos recursos obtidos e para melhorar a qualidade de vida das comunidades. Outra matéria foi a educação desportiva, que os zapatistas acreditam que deve estar relacionada com a saúde e não com a competição, e é uma parte integrante da formação; a educação política é relevante e sua essência é baseada no conhecimento da história do movimento zapatista. A este respeito, é importante também ler as declarações feitas pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, documentos pertencentes ao património cultural dos zapatistas. É importante compreendê-los no seu contexto social e político, já que visam à construção de sujeitos históricos dispostos a continuar a luta ideológica, social, política e cultural das regiões autônomas.

 

A construção da educação autônoma na região dos Altos baseia-se principalmente em que, para conhecer as tecnologias e doenças, precisamos conhecer o mundo das letras, e esse é o primeiro passo para ser autônomo. “Com a educação a nossa luta vai ter sucesso, porque mais cedo ou mais tarde nós vamos ficar velhos, e precisamos começar a partir daí, da educação das nossas gerações, percebemos que a educação começa a partir do povo, da casa” (Lara, 2011).

 

No nível do ensino secundário as matérias que se cursam são: filosofia, saneamento, agroecologia, geografia, história, ciência da computação, produção, práticas de cultivo, comércio, estudos sobre a saúde pessoal e coletiva, entre outras. A articulação entre teoria e prática das matérias é importante como parte da formação. O período escolar é determinado, incluindo fins de semana, durante 30 dias consecutivos, com 15 dias de descanso em seguida. No período de descanso que a comunidade estudantil tem, crianças e jovens compartilham o que aprenderam com a sua comunidade, ou seja, socializam o conhecimento adquirido no seu contexto social. O trabalho colaborativo para a construção das matérias nos diferentes níveis de educação autônoma tem sido crucial, fornecendo uma educação em igualdade de direito que garante a capacidade de acumular capital social e cultural.

 

Referências Bibliográficas

 

BARONNET, B. De eso que los zapatistas no llaman educación intercultural. In: Medina, P. (Org.) Decisio.  Saberes  para  la  Acción  en  Educación  de  Adultos. Pátzcuaro: CREFAL, 2009. p. 31-37.

 

BARONNET B.; BAYO, M. M.; STAHLER-SHOLK, R. (Orgs.). Luchas “muy otras”. Zapatismo y autonomía en las comunidades indígenas de Chiapas. México: UNACH, CIESAS, UAM, 2011.

 

HERNÁNDEZ, D. C. Democracia, Nación y Autonomía Étnica. México: Porrúa,  2009.

 

FREIRE, P. Pedagogía de la Autonomía. México: Siglo XXI, 1997.

 

LARA, H. G. Indígenas, mexicanos y rebeldes. Procesos educativos y re significación de identidades en los Altos de Chiapas. México: Cesmeca-Unicach, Juan Pablos Editor, 2011

 

RÍOS, G. P. L et. al. (Orgs.) Autonomía, interacción, juventud y zapatismo. México: Unach, 2013.

 

ORNELAS, R. La construcción de las autonomías de las comunidades zapatistas de Chiapas.   Disponível em: https://www.rebelion.org/hemeroteca/sociales/04012ornelas.htm. Acesso em: 20 nov. 2011.

 

Resumo

 

O sistema de educação autônoma zapatista que opera nas regiões autônomas dos Altos e na Selva Lacandona, em Chiapas, México, atende a crianças e jovens no nível básico (primário e secundário), a partir do olhar do mundo próprio dos zapatistas. Organizados através das Juntas de Bom Governo, decidem coletivamente o tipo de sujeito que desejam formar. Baseiam-se em uma relação harmoniosa com o ambiente natural e social, sempre a partir das necessidades da comunidade e tendo em vista a autonomia e a liberdade. Há pouco mais de vinte anos do levante armado do EZLN, a formação dos alunos é uma realidade.

 

Palavras-chave: autonomia, educação, juventude, ideologia, zapatismo.

 

Data de recepção: 21/07/2016

Data de aprovação: 30/08/2016

 

Fernando Rey Arévalo Zavaleta arevalof@unach.mx

Professor-pesquisador na Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México, na Licenciatura em Comunicação e no Mestrado em Estudos Culturais (MEC). Mestrado em Educação pela Unach. Licenciatura em Ciências da Comunicação pela Universidad Autónoma de Guadalajara (UAG). Doutorando em Comunicação pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Membro da Rede de Historiadores da Imprensa e Jornalismo em Ibero-América. Colaborador no projeto de pesquisa Comunicação, Mídia e Jornalismo da Facultad de Periodismo y Comunicación Social (UNLP).

Gloria Patricia Ledesma Ríos gledesmarios2002@yahoo.com.mx

Licenciatura em Ciências da Comunicação pela Universidad Autónoma de Guadalajara (UAG). Mestrado em Psicologia Social pela Universidad de Ciencias y Artes de Chiapas (Unicach). Professora da Facultad de Humanidades da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Licenciatura em Comunicação. Autora dos livros “Sentido de los comunicados del EZLN” (EAE, 2012); “Autonomía, interacción, juventud y zapatismo” (Unach, 2014); e dos artigos de livro "Desazón" em “Yaakun” (Unach, 2011); "Mensajes de las adolescentes en el Facebook", em “Siglo XXI: ¿tiempo de las mujeres?” (Unach; 2014).

María Esther Pérez Pechá nrgkay321@gmail.com

Doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha. Docente de tempo completo da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha. Artigo “Participación de la mujer en la literatura”, em “Siglo XXI: ¿Tiempo de las mujeres?” (Unach, 2014). Coautora do livro “Autonomía, interacción, juventud y zapatismo” (Unach, 2014).

Saraín José García sarinjos@hotmail.com

Licenciatura em Biblioteconomia pela Universidad Autónoma de San Luis Potosí. Mestrado em Educação Superior. Professor na Licenciatura em Biblioteconomia e Gestão da Informação, da Facultad de Humanidades, da Universidad Autónoma de Chiapas (Unach), México. Autor do artigo “Participación de la mujer”, em “Siglo XXI: ¿Tiempo de las mujeres?” (Unach; 2014) e do “Catálogo de teses de licenciatura em Biblioteconomia da Universidad Autónoma de Chiapas 1999-2004” (Unach, 2013).