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Epistemologias do Sul e cotidiano escolar: Desaprendizagem, desobediência e emancipação social

Currículos praticadospensados, epistemologias do Sul e a contribuição da escola à emancipação social

Nas criações cotidianas nas/das escolas, percebemos o quanto essas artesanias estão presentes, em diferentes situações e circunstâncias nas quais, contrariamente ao que o instituído espera que seja feito, educadores e educandos criam currículos de caráter emancipatório, ecológico e solidário, desaprendendo a obedecer ao imposto, por meio da desobediência a normas e expectativas que sobre eles recaem, inventando soluções provisórias em contextos de caos e improvisações, sem capitalizar suas criações no sentido de qualquer universalização.

Compreendendo, com Certeau (1994), os currículos como artes de fazer cotidianas dos praticantes das escolas e assumindo a sociologia das ausências como procedimento reflexivo sobre aquilo que existe de conhecimento no Sul do pensamento educacional (as escolas) e a artesania das práticas como elemento constitutivo desses cotidianos, nosso trabalho vem consistindo em “buscar compreender as formas cotidianas de criação de alternativas curriculares, nas quais se evidenciam as ‘artes de fazer’ daqueles a quem foi reservado o lugar da reprodução, o lugar do não-conhecimento” (Oliveira, 2016, p. 61). As operações de uso (Certeau, 1994) produzidas por esses praticantes estão, necessariamente, inscritas nas redes de relações de força existentes na sociedade, mas nem por isso são por elas determinadas.

Isso significa dizer que, ao mesmo tempo em que, por vezes, as criações cotidianas seguem ou parecem seguir, obedientemente, as normas impostas, elas também se insurgem contra tais normas, criando, astuciosamente, currículos plenos de desobediências, nos quais estão presentes outros conhecimentos que não os formais escolares, outras culturas que não a europeia, branca e burguesa, outros valores, desafiadores, e por vezes incompatíveis com a imposição capitalista da competição a qualquer custo, viabilizando que igualdade e diferença se articulem na perspectiva da solidariedade inclusiva e não da exclusão.

Reconhecendo essas existências, temos buscado, em nossas pesquisas, criar conhecimentos a respeito da escola e das práticas cotidianas efetivadas em seu interior, traçando caminhos de pesquisa debruçados nas práticas microbianas, singulares e plurais […], que permitem:

[…] seguir o pulular desses procedimentos que, muito longe de ser controlados ou eliminados pela administração panóptica, se reforçaram em uma proliferação ilegitimada, desenvolvidos e insinuados nas redes de vigilância, combinados segundo táticas ilegíveis mas estáveis a tal ponto que constituem regulações cotidianas e criatividades sub-reptícias que se ocultam somente graças aos dispositivos e aos discursos, hoje atravancados, da organização observadora (ibidem, p. 175).

A partir das convicções epistemológicas e políticas que embasam nossas pesquisas, os currículos são percebidos como criação cotidiana dos praticantes das escolas e, mais do que isso, como contribuições da escola à tessitura da emancipação social democratizante tal como defendida por Boaventura e suas epistemologias do Sul. Isso porque trabalhamos de modo consciente com os conhecimentos do Sul metafórico, de educadores e estudantes, presentes nas escolas — reconhecendo a existência do Sul. Operamos a partir deles — pensando a partir do Sul — e de sua validade intrínseca possível para além das hierarquias e invisibilizações de que são vítimas, tecendo nossas reflexões com base naquilo que aprendemos com eles — pensando com o Sul — e buscando, finalmente, entrar, nós e nossos leitores, em suas perspectivas — pensando como Sul.

Nesse processo de aprendizagem com os cotidianos — e de desaprendizagem das máximas modernas de que só o conhecimento científico tem validade e que a vida cotidiana é espaço de reprodução e repetição acrítica de valores e normas sociais —, adotamos dois elementos como critério de reconhecimento do potencial emancipatório de criações curriculares e de usos das normas presentes nas escolas: a busca de valorização de conhecimentos não formais de educadores e estudantes, que anuncia a possibilidade de ecologização das relações entre uns e outros; e as práticas de solidariedade, tanto porque significam ampliação do exercício da cidadania horizontal, quanto porque desafiam a naturalização da competição como valor.

Para finalizar nossa argumentação, entendemos ser importante dar concretude a ela por meio de alguns resultados de pesquisas já finalizadas. Assim, trazemos abaixo três narrativas de professores sobre o trabalho cotidiano, cada uma representando um desafio diferente na criação de ações emancipatórias. Todas foram anteriormente publicadas, mas como seguem válidas e relevantes, as trazemos para este texto.

As duas primeiras narrativas emergem de uma dissertação de mestrado (Lacerda, 2016) e são narradas pela mestranda, já que advêm de sua pesquisa. A primeira traz a experiência da “Professora Roseli” (nome fictício) e sua busca de promover aprendizagens com base em conhecimentos distintos, ausentes, a maioria, das normas curriculares oficiais:

A professora Roseli mostrou-nos o trabalho que vinha realizando com os jogos de leitura, ciranda de livros, adivinhas, receitas, histórias em quadrinhos, fichas de leitura, entre outras atividades. Alguns alunos apresentavam muita dificuldade no que refere à leitura e escrita e por esta razão suas ações pedagógicas estavam voltadas, prioritariamente, para o desenvolvimento da aquisição das habilidades linguísticas.

Em uma de nossas conversas, Roseli relata:

Eu não gosto de seguir esses padrões chatos das escolas, crianças robotizadas, enfileiradas, salas e cadernos muito arrumados, mas com alunos calados. A escola não atrai os alunos com essas práticas. Eu trabalho com livro didático, mas de forma diferenciada. Procuro explorar as imagens, as atividades mais interessantes. Eu pulo os exercícios que considero chatos e inadequados para a turma. Tento criar outras atividades a partir do livro e sempre percebo se os alunos estão correspondendo bem. Quando isso não acontece, faço um jogo, mesmo que não esteja necessariamente no planejamento da aula. Pra mim, eles irão aprender outras coisas, de outras maneiras (ibidem, p. 47).

A justificativa da docente é, certamente, representativa de práticas de ecologização entre conhecimentos desenvolvidos em escolas, já que “adivinhas, receitas [e] histórias em quadrinhos” não costumam habitar o rol de conhecimentos valorizados pela escola. Observamos inúmeros desses casos em escolas e em narrativas docentes com quem conversamos ao longo desses anos (Oliveira, 2003; 2010; 2013; 2016).

Em outra narrativa da dissertação, envolvendo a mesma professora, ouve-se um importante desafio às hierarquias de poder nas escolas e à naturalização da aceitação acrítica e irrefletida de absurdos, num evidente questionamento das normas de gestão institucional ilegítimas:

Quando Carla, em uma reunião, apresentou suas propostas pedindo aos funcionários presentes que expusessem seus anseios e críticas, a professora Roseli prontamente se manifestou:

Eu gostaria que o horário da direção fosse informado a todos, pois todo funcionário precisa dar satisfação de seu horário de trabalho para a comunidade escolar. Por que aqui nós não somos comunicados do horário de trabalho da diretora? Outra coisa que eu gostaria é que passasse a haver prestação de contas da verba destinada à escola. Sugiro que seja feito um mural para acesso de todos: pais, alunos, funcionários e professores (Lacerda, 2016, p. 59).

Recorrendo a Gros (2018), vamos reconhecer nesse questionamento, além da evidente ousadia da professora, um tipo de desobediência explícita e voluntária, necessária diante dos absurdos da nossa sociedade atual. E aqui, a tentativa de tornar pública uma gestão financeira que, por natureza, é pública e vem sendo privatizada pela direção questionada é, mais do que um direito, uma obrigação, como esclarece o autor, com base em Martin Luther King e Gandhi.

Uma última narrativa volta-se à questão da solidariedade e da possibilidade inscrita nas criações cotidianas nas escolas de trabalho de combate aos preconceitos e às exclusões que produzem:

Contou a professora que Evanildo chegou à sua turma com fama de brigão, de criança que bate nas outras, mas que foi muito bem recebido pela sua turma.

As crianças foram muito receptivas e violência a gente não teve nenhum problema com o Evanildo. Mas eu não sei se foi por causa do discurso que fui tendo ao longo do ano de ‘cuidado com o Evanildo’, ‘vamos tomar conta’, ‘vamos ajudar’, tudo que ele faz as crianças aplaudem, bate palmas… (Professora 1).

O episódio do aniversário do Evanildo permite entrever como um trabalho com intenção solidária, anunciada acima, pode levar alunos, ainda crianças, a praticá-la.

E aí na semana passada, a gente descobriu que o Evanildo tinha feito aniversário, num dia que foi de reunião pedagógica. Como todo dia de aniversário eu desenho um bolo no quadro para as crianças, a gente canta parabéns e tal, ele pediu pra desenhar um bolo pra ele, porque nunca ninguém tinha desenhado um bolo pra ele. […] Ai eu falei para as crianças: ‘Gente, o aniversário do Evanildo passou e ninguém ficou sabendo’. Aí eles mesmos se organizaram, sem falar pra mim que iam fazer, sem me pedir autorização, vieram no recreio dizendo que iam fazer uma festa pro Evanildo. Aí eu falei ‘Eu dou o bolo e vocês preparam o restante’. Trouxeram bola, enfeitaram a sala, levaram ele pra fora de sala pra enganá-lo e ele nem percebeu que ia ter festa pra ele mesmo. Quando ele entrou, ele se escondeu… Aí eu: ‘Assopra a vela Evanildo!’ […] Ele assoprou a vela, mas não queria dar o primeiro pedaço de bolo. Ele não sabia pra quem dar, porque ele não sabia pra quem ele tinha que dar. ‘Você tem que dar pra quem você mais gosta aqui da sala’. Aí ele deu pra uma menina. Foi uma coisa!!! Vi um cuidado especial da turma com essa criança, […] eu sinto sim que as crianças, por elas mesmo cuidam um pouquinho dele apesar de ser terrível às vezes (Professora 1).

A inclusão de Evanildo, apesar de seu perfil ‘diferente’ do considerado normal e aceitável representa profundo respeito da professora aos direitos dele. E é partindo daí que ela incentiva a turma a ser solidária com ele, a cuidar dele, respeitando-o e apoiando-o.

Ou seja, a presença de Evanildo surge não só como algo a aguentar, mas como uma possibilidade de provocar, no restante da turma, a prática da solidariedade, permite à professora trabalhar a necessidade de respeito à diferença, de reconhecimento dos direitos que Evanildo tem, independentemente de sua condição ‘especial’. Essa prática de solidariedade, de reconhecimento do outro […] permite-nos desenvolver outras reflexões sobre esta questão tão importante (Oliveira, 2013, p. 194-195).

Entendemos como potencialmente importante não só a solidariedade imediata do grupo com Evanildo, mas a possibilidade desse convívio contribuir para a desaprendizagem de preconceitos, não só contra pessoas com deficiência, mas também contra outros excluídos por motivos de preconceito, seja ele étnico-racial, de gênero, de sexualidade ou outros. Permite-nos, então, pensar o:

[…] quanto o convívio com esses ‘diferentes’ pode contribuir para a superação dos preconceitos que os cercam, contribuindo para o reconhecimento deles como sujeitos de direitos, como parceiros corresponsáveis pela tessitura de uma sociedade mais igualitária (ibidem, p. 195).

Uma sociedade na qual o reconhecimento mútuo exigido pela perspectiva de ampliação do presente proposta pela sociologia das ausências ganhe espaço, levando-nos a desaprender as hierarquias excludentes, os preconceitos sobre os quais elas se fundam, aprendendo a solidariedade, o reconhecimento do “outro como legítimo outro” (Maturana, 1999), e a pluralidade epistemológica, social, cultural e individual do mundo.

Considerações finais

Um ensaio, como o próprio nome anuncia, nunca pode chegar a conclusões com ares de definitivas. Assim, finalizamos este texto com alguns alertas sobre o que entendemos ser preciso desaprender para aprendermos a ser mais democráticos, solidários e inclusivos. Talvez possamos, sem muita convicção, defender a ideia de que aprender a desobedecer é uma condição para a desaprendizagem daquilo que precisamos mudar, em relação a conhecimentos, relações entre eles e valores nos quais e com os quais fomos formados. Desaprender normas e preconceitos, desobedecendo às expectativas de práticas sociais que criam, parece ser um caminho promissor. Investir na tessitura de novas subjetividades, mais democráticas, em nós mesmos e naqueles com os quais convivemos, pode representar importante contribuição para a emergência de valores como a solidariedade e a ecologia de saberes em todos os espaçostempos de prática social nos quais atuamos. Isso exige desaprender o que nos formou, desobedecer a seus ditames e assumir a responsabilidade que a liberdade de escolha traz (Gros, 2018).

Entendemos ser necessário nos orientarmos pela compreensão como aprendizagem social de tudo aquilo que habita as redes de sujeitos que somos e as redes de conhecimentos que tecemos, que englobam tudo o que aprendemos, em diferentes espaçostempos de prática social. Para que essas redes se modifiquem, elas precisam romper-se e descartar ou realocar alguns de seus fios, abrindo espaços para novos fios, mais compatíveis com o reconhecimento do outro, com a solidariedade e com a justiça, cognitiva e social, condições da emancipação social que, por ser processual, não é um ponto de chegada, mas uma forma de caminhar em direção à utopia possível de um mundo melhor, jamais acabado, como aprendemos com Galeano (1999).

Com relação aos três grandes temas que identificamos como valores nocivos às aprendizagens necessárias à luta pela emancipação social, mais uma vez a partir do pensamento de Boaventura de Sousa Santos, percebemos a necessidade de pensar o processo de educação escolar como, inicialmente, um processo de desaprendizagem dos preconceitos étnico-raciais, de gênero e sexualidade, e relacionados à condição social e de acesso a conhecimentos formais dos estudantes ou suas culturas de origem, bem como o valor e a validade da competição e os danos que causa ao incentivo da solidariedade. Há muito a desaprender! Muitos valores e regras sociais a desobedecer para que as aprendizagens da ecologia de saberes, do reconhecimento mútuo baseado na equação renovada das relações de igualdade na diferença e da cooperação solidária sejam possíveis e possa se consolidar.

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Resumo

Este texto argumenta que a possível contribuição da escola aos processos de emancipação social requer que ela produza aprendizagens e desaprendizagens, viabilizando a desobediência ao aprendido, entendida como o próprio do humano, e a obediência a si próprio. A desaprendizagem funcionaria como meio para nos deslocar do ideário hegemônico, que concebe a escola como espaço apenas de aprendizagem, permitindo-nos entrar no debate sobre o problema representado por “conhecimentos” socialmente aprendidos que prejudicam a aprendizagem democrática, emancipatória e favorável à justiça, social e cognitiva. Regras e padrões aprendidos são desafiados pela humanidade, desde os seus primórdios, produzindo desaprendizagens que, posteriormente, possibilitam formular novas regras e compreensões de mundo. Atualmente, isso significa conceber os processos de emancipação social como processos que exigem desafiar, questionar e superar preconceitos, hierarquias e valores competitivos próprios das sociedades capitalistas, colonialistas e patriarcais nas quais vivemos. É isso que pretendemos mostrar aos leitores, relacionando cotidiano escolar, desobediências e desaprendizagens, aprendizagens e emancipação social.

Palavras-chave: cotidiano escolar, epistemologias do Sul, desobediência e desaprendizagem, emancipação social.

Data de recebimento: 12/05/2020
Data de aprovação: 27/09/2020

Resumen

Epistemologias del Sur y cotidiano escolar: Desaprendizaje, desobediencia y emancipación social

Ese texto argumenta que la posible contribución de la escuela a los procesos de emancipación social requiere que ésta produzca aprendizaje y desaprendizaje, posibilitando la desobediencia a lo aprendido, compreendido como el própio de lo humano, y la obediência a si propio. El desaprendizaje funcionaría como un medio para desplazarnos de la ideología hegemónica, que concibe a la escuela como un espacio de aprendizaje, lo que permitenos debatir sobre el problema de los “conocimientos” socialmente aprendidos que obstaculizan el aprendizaje democrático, emancipatorio y favorable. a la justicia, social y cognitiva. Las reglas y los estándares aprendidos son desafiados por la humanidad, desde su origen, produciendo un desaprendizaje que, posteriormente, permite formular nuevas reglas y entendimientos del mundo. Hoy, esto significa concebir los procesos de emancipación social como los que demandan desafiar, cuestionar y superar prejuicios, jerarquías y valores competitivos propios de las sociedades capitalistas, colonialistas y patriarcales en que vivimos. Es lo que pretendemos mostrar a los lectores al relacionar el cotidiano escolar, las desobediencias y los desaprendizajes, los aprendizajes y la emancipación social.

Palabras-clave: cotidiano escolar, epistemologias del Sur, desobediencia y desaprendizaje, emancipación social.

Abstract

Epistemologies of the South and everyday school life: Dislearning, disobedience and social emancipation

This text argues that the possible contribution of the school to the processes of social emancipation requires that it produces learnings and dislearnings, enabling disobedience to what is learned, understood as a human specificity, and the obedience to ourselves. Dislearning would function as a means to displace us from the hegemonic ideology, which conceives the school as just a space for learning, allowing us to enter into the debate about the problem represented by socially learned “knowledge” that hinders the learning that is democratic, emancipatory and favorable to social and cognitive justice. Rules and learned standards are challenged by humanity, since its inception, producing dislearnings that, later, make it possible to formulate new rules and understandings of the world. Nowadays, this means conceiving the processes of social emancipation as processes that demand us to challenge, question and overcome prejudices, hierarchies and competitive values typical of the capitalist, colonialist and patriarchal societies in which we live. This is what we intend to show readers by relating everyday school life, disobediences and dislearnings, learnings and social emancipation.

Keywords: everyday school life, epistemologies of the South, disobedience and dislearning, social emancipation.

Inês Barbosa de Oliveira inesbo2108@gmail.com

Mestre em Administração de Sistemas Educacionais pelo Instituto de Altos Estudos em Educação da Fundação Getúlio Vargas, Brasil, e doutora em “Sciences et Théories de L'éducation” pela Université de Sciences Humaines de Strasbourg, França. Pós-doutora pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal. Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Estácio de Sá (UNESA), Rio de Janeiro, Brasil, e Professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. Atua na área de Educação, no campo de estudos do Currículo e do Cotidiano Escolar.