Foto: Rogelio Marcial

“Foi o Estado”: O caso dos jovens desaparecidos de Ayotzinapa e a crise política no México

Única saída: refundar o Estado

Para encerrar o presente texto me parece pertinente delinear o que se coloca na agenda política mexicana como, talvez, a única saída viável para a crise de legitimação que se abate sobre o Estado mexicano desde os acontecimentos de Ayotzinapa. Crise temperada com os escândalos de gastos exorbitantes de Peña Nieto através do tráfico de influências do seu governo, com a obstinação antidemocrática da sua postura, com os atos ilegais de corrupção e de impunidade das forças armadas e dos funcionários públicos, e com as ações de repressão aberta a diferentes coletivos, comunidades e movimentos sociais de resistência. Esta situação chegou ao limite ao se instaurar a “narco máquina” como suporte do Estado mexicano e levar a população a uma realidade violenta e insegura, originada pela chamada Guerra Contra o Crime Organizado, empreendida em 2006 por Felipe Calderón (PAN). É necessário identificar as perversas consequências desta guerra, na qual o Estado mexicano embarcou, contra os principais cartéis da droga no país. Antes desta iniciativa, as organizações crimininosas se centravam no tráfico de substâncias ilícitas ao longo do território nacional como caminho da América do Sul para os Estados Unidos, delimitando as rotas de cada organização e dividindo assim a moderna “galinha dos ovos de ouro”. Calderón, com uma política de mão de ferro, que criminalizou um problema de saúde pública sob a encomenda do governo dos Estados Unidos, não só não conseguiu controlar isso e prender os principais chefes. O que suscitou foi, por um lado, a “diversificação de atividades rentáveis” destes criminosos ao somar-se ao tráfico de substâncias ilegais o sequestro, a prostituição e o tráfico de mulheres brancas, as extorsões, o tráfico de imigrantes centro-americanos a caminho dos Estados Unidos, o roubo de combustível, a clonagem de cartões bancários, entre outros. E, por outro, o surgimento de enfrentamentos diretos entre os diferentes cartéis ante este “crescimento empresarial” e, internamente, ante a detenção ou morte de alguns de seus comandantes operacionais. As organizações criminosas mais “tradicionais” do México, como o Cartel de Sonora, o dos Beltrán Leyva, o Cartel de Juárez, o Cartel del Pacífico sofreram cisões das quais surgiram outras organizações mais violentas, como os Zetas, os Caballeros Templarios, Guerreros Unidos, a Família Michoacana, os Rojos, o Cartel Jalisco Nueva Generación e alguns outros. Mais inteligentes do que o Estado mexicano, os criminosos se fortaleceram e se tornaram mais violentos, além de conseguirem se infiltrar nos partidos políticos e nos governos locais, provinciais e federal. Começaram a financiar campanhas políticas, que depois cobrariam dos funcionários eleitos, e conseguiram impor candidatos saídos das suas próprias fileiras para controlar as forças da ordem em diferentes regiões do país. Diz-se que, em muitas prefeituras, estes cartéis não só nomeiam o chefe de segurança pública e os comandantes policiais, como também definem e realizam as “operações policiais”, que, supostamente, buscam sufocar as suas ações e convertem os corpos de segurança especializados (antissequestros, antidrogas, antirroubos etc.) em “Escolas” formadoras dos principais delinquentes que encabeçam justamente tais delitos. A situação atual também é uma das consequências de não se ter enfrentado tudo isso a partir de uma visão de prevenção, em vez de mão de ferro e militarização.

No próximo dia 5 de fevereiro de 2015, uns poucos dias depois de ter escrito o presente texto, se anunciará no México uma iniciativa cidadã proposta por ativistas reconhecidos no país, chamada Congresso Constituinte17.

“[…] desterrar um governo que se converteu em ‘um verdadeiro perigo’, acabar pacificamente com as relações de exploração e convocar um Congresso Constituinte são as ideias em torno das quais começaram a se aglutinar alguns dos ativistas mais comprometidos do país […]” (Matías, 2015).

Os políticos profissionais estão proibidos nesta iniciativa cidadã, cujos promotores se debatem em torno de duas posturas para as próximas eleições, a tão somente uns meses da sua realização: ou a promoçao em nível nacional de um boicote abstencionista, ou o apoio massivo às candidaturas de cidadãos independentes, em detrimento das candidaturas lançadas pelos partidos políticos, quaisquer que sejam18. Se propõe iniciar dissolvendo o Congresso da União (Câmaras de Senadores e Deputados) para a sua total renovação com a participação exclusiva de cidadãos reconhecidos pelo seu compromisso, honestidade e trabalho. Se criticam, por entendê-las como insuficientes, as medidas tomadas até agora pela equipe de Peña Nieto, com a formação do “Bando Único” e da “Gendarmeria” (forças policiais coordenadas pela Federação) e a desintegração das polícias locais (prefeituras), assim como a iniciativa de lei para supervisionar que nenhum candidato à vaga de eleição popular tenha antecedentes e/ou nexos pessoais ou familiares com o crime organizado, e um comitê “anticorrupção” que fiscalize pontualmente a ação dos funcionários públicos. Frente a isso, as pessoas se perguntam: por que não se pensou em algo tão elementar antes? E quem nos garante que os anticorrupção não se corromperão, como costuma acontecer cotidianamente neste país? Só isso basta para “limpar” a nossa classe política? As respostas são mais do que óbvias.

Com os trabalhos do Congresso Constituinte e as vicissitudes das próximas eleições de junho de 201519, os próximos meses serão decisivos na história política contemporânea do México. A insatisfação cidadã deverá ser canalizada para mudar as coisas a fundo. A lamentável perda dos estudantes de Ayotzinapa, e das dezenas de milhares de mortes e desaparecimentos de mexicanos durante os últimos 10 anos, nos mostraram que isso não pode continuar assim. Como se canta em coro nas passeatas e comícios de protesto e resistência: “basta já!”, “nem mais um morto!”, “foi o Estado!”, “nem PRI, nem PAN, nem PRD!”. Parece que a população mexicana conseguiu amadurecer, tomara que logo vejamos as consequências disso. Esta é a esperança que surge depois da tragédia. Somos muitos os que desejamos que isso de fato aconteça assim.

17 – Entre os seus promotores estão os bispos Raúl Vera e Magdiel Sánchez, o poeta Javier Sicilia, o sacerdote Alejandro Solalinde, Marcos Tello e o pintor Francisco Toledo.

18 – Como parte da mais recente Reforma Política, pela primeira vez no México se abrem as portas para as candidaturas cidadãs, que estavam proibidas se os candidatos não pertencessem a um dos partidos políticos com registro no momento do processo eleitoral.

19 – Não incluem a Presidência da República.

Referências Bibliográficas

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Resumo

O artigo compartilha uma leitura sobre os eventos que desembocaram no desaparecimento de 43 jovens de uma escola rural em Ayotzinapa. Expõe o ocorrido para posteriormente contextualizar a realidade destas escolas que formam os filhos de camponeses como professores de escola primária; elas se baseiam em uma formação socialista e vinculadas aos movimentos sociais, do campo, do magisterio, e até mesmo dos movimentos guerrilheiros. Conclui-se com uma interpretação sobre a forte crise política do Estado mexicano provocada por esses acontecimentos, mas manipulada pelo governo federal e a Televisa para afetar ainda mais a esquerda mexicana. O governo de Peña Nieto tem engavetado o caso (encerrando-o sem esgotar as investigações) e os familiares têm recorrido à Comissão de Desaparecimentos Forçados da ONU. Enquanto isso, os principais ativistas do país projetam uma profunda refundação do Estado mexicano como única saída possível. “Ayotzinapa vive, a luta segue!”

Palavras-chave: jovens, violências sociais, Estado mexicano, crise política, Ayotzinapa.

 

Data de submissão: 28/01/2015
Data de aceite: 15/02/2015

Rogelio Marcial rmarcial@coljal.edu.mx

Professor e pesquisador do Colégio de Jalisco e do Departamento de Comunicação Social, Centro Universitário de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Guadalajara (México).