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Maternidade adolescente no contexto das ruas

Concluindo

O enfrentamento da questão da gravidez e da maternidade adolescente e jovem no contexto das ruas tornou-se mais premente nos últimos anos por dois motivos: o avanço das políticas públicas e práticas voltadas aos direitos humanos, que demandam ações que assegurem os direitos de crianças, adolescentes e jovens; e a presença crescente de práticas punitivas e repressivas, que incidem prioritariamente sobre grupos populacionais em contextos de vulnerabilidade.

A maior parte dos estudos analisados busca explorar as contradições entre os aspectos positivos e negativos da gravidez e da maternidade na adolescência. Os primeiros são comumente relacionados ao discurso das entrevistadas e suas formas de vivenciar a questão. As adolescentes parecem interpretar essas contradições como etapas naturais de amadurecimento que podem transformar-se em plataforma de mudança para suas vidas. Já os aspectos negativos costumam relacionar-se à realidade social dessas mães e ao fato de que, muitas vezes, mais do que uma opção, a gravidez e a maternidade na adolescência podem ser fruto da ausência de oportunidades para que essas jovens visualizem um futuro diferente para si. Também podemos destacar que cuidar dos filhos na rua é considerado bastante desafiador pelas adolescentes que, de modo geral, recorrem às instituições de acolhimento, buscando apoio para o exercício da maternagem. Além disso, destacamos a ausência de estudos que tenham como foco a questão da paternidade adolescente, o que reforça sua invisibilidade.

Embora sejam necessárias mais pesquisas sobre o tema e o aprofundamento deste debate, alguns caminhos vêm sendo apontados visando à implementação de políticas públicas intersetoriais capazes de melhor responder às necessidades desse grupo. Recomenda-se, prioritariamente, a criação de programas e serviços que visem a: (a) assegurar condições para o exercício responsável da maternidade e da paternidade; e (b) apoiar jovens mães e pais para que eles possam alçar condições favoráveis de inserção social, educacional e laboral, visando a uma maior autonomia. Além disso, é fundamental aprimorar a qualificação da rede de atendimento para que ela seja capaz de assegurar a proteção e o acesso de jovens mães, pais e seus filhos a múltiplos serviços e direitos. Deve ainda ser considerada prioridade a construção de equipamentos seguros capazes de efetivamente acolher mães e bebês conjuntamente, garantindo, sobretudo, seu direito à convivência familiar e comunitária.

 

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Resumo

A gravidez e a maternidade na adolescência acarretam profundos impactos nas vidas de jovens mulheres. Quando ocorrem em contextos de alta vulnerabilidade, como nas ruas, essa realidade torna-se ainda mais desafiadora e uma questão importante para o campo das políticas públicas. Entretanto, é restrita a produção de conhecimento sobre essa temática e, como resultado, são poucas as pesquisas que podem subsidiar os desenhos institucionais de assistência e atenção a jovens mães em situação de rua. Este artigo visa a contribuir para o debate atual, revisitando a literatura acadêmica e discutindo práticas em curso destinadas às adolescentes grávidas e/ou mães em situação de rua. Identificamos que a maior parte dos estudos analisados considera aspectos positivos da maternidade, a partir dos discursos das jovens mães, ainda que sejam reconhecidas a complexidade do cotidiano de vida dessas adolescentes, a escassez de serviços específicos voltados para seu atendimento e a permanência de práticas punitivas e repressivas voltadas para essa população.

Palavras-chave: gravidez, maternidade, jovens em situação de rua.

Data de recebimento– 06/11/2017

Data de aprovação12/01/2018

Irene Rizzini irizzini.pucrio.ciespi@gmail.com

Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e diretora do Centro Internacional de Estudos sobre a Infância (CIESPI/PUC-Rio), Brasil.

Renata Mena Brasil do Couto renatabrasilciespi@gmail.com

Pesquisadora do Centro Internacional de Estudos sobre a Infância (CIESPI/PUC-Rio) e doutora em serviço social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil.