Foto: Sergejs Babikovs

A violência entre adolescentes no contexto escolar

Ilana Lemos de Paiva – Nas escolas brasileiras, percebemos que a indisciplina é frequentemente considerada pelos professores como violência escolar. Isso interfere nas estratégias de resolução de conflitos nas escolas. Você poderia me dizer um pouco, nesse contexto de ausência de educadores, como eles lidam com os problemas de indisciplina e violência? Ou seja, segundo seu critério, qual a diferença entre indisciplina e violência e qual a posição dos educadores mexicanos diante deste problema?

 

Juana María Guadalupe Mejía-Hernández – Vou responder a partir de registros que não estão no livro, nem na tese, pois há muitos mais registros do que puderam ser trabalhados na tese. Estamos falando de escolas públicas. Professores de escolas públicas, no México, têm condições muito pobres, sofrem uma grande instabilidade no emprego, uma vez que os contratos iniciais são apenas de três meses. Por sua vez, o setor sindical, que é o maior, faz manobras antidemocráticas, bem como o grupo de oposição, e os líderes locais dos grupos sindicais pedem relações sexuais em troca da concessão de uma vaga ou vendem vagas, por exemplo. Então, o início na vida laboral para os professores marca a entrada no trabalho precário. Já estabelecidos no contexto do emprego, ainda persistem os conflitos. Também percebemos que se estabelecem vínculos afetivos entre os professores que, muitas vezes, geram confusão e as crianças estão assistindo absolutamente tudo. Se você toma medicação psiquiátrica, se você tem problemas com o seu marido, se você tem rivalidade com um professor, os alunos sabem tudo. Na minha prática, tenho encontrado professores que, em vez de dar a aula, falam sobre suas vidas, contando seus problemas, desabafando-se com os meninos, usando a sala de aula como um espaço de alívio. Descobri também professores com plena consciência e lutando contra toda a adversidade das condições de trabalho. Após uma avaliação, cheguei à conclusão de que em quatro ou cinco anos de trabalho docente, em quatro escolas observadas, os professores começam a ficar doentes ou abandonar a atividade.

 

Fisicamente, eles se esgotam muito rápido, docentes muito jovens, com formação universitária. Os professores sofrem burn out, estão cansados, estão saturados. Eles têm que dar conta de múltiplas tarefas e exigências administrativas que os saturam, com métodos que levam a uma convivência tensa. Eles competem, atacam-se uns aos outros, formam grupos e os grupos colidem. Então, eles vêm para a sala de aula cansados.

 

Posso relatar o caso de uma segunda série que teve apenas 50% das horas de aulas durante o ano letivo, porque no restante do tempo os professores faltaram. As causas são várias: por conta do comitê sindical, de doenças, de licenças. Alguns dos estudantes os ultrapassam na altura. Vi um professor de espanhol com altura inferior a 1,50 m. As crianças não queriam ouvi-lo, o acossavam. A maioria dos professores que vi perdeu o controle do grupo, a noção de como controlar o grupo. Eles estão saturados com muitos cursos. O treinamento que recebem aqui é chamado “multiplicação” e consiste que um representante de cada escola seja treinado e repasse o curso aos companheiros. Esta não é uma transmissão confiável e falta experiência por parte dos professores, que estão sozinhos. O professor está isolado.

 

Por sua vez, os pais cada vez vigiam mais, demandam mais, ameaçam os professores com a perda do emprego: “se você não fizer isso, se não faz o outro, eu sou do partido, eu sou um amigo de tal autoridade municipal, tal autoridade do governo, ou tal autoridade educativa”, e ameaçam sua fonte de trabalho, sua classe. Portanto, há uma perda de confiança das figuras de autoridade.

 

O pai pede à escola para fazer o que ele não pode fazer. A escola demanda das mães que estejam presentes na sala de aula para regular a conduta indisciplinada de seu filho ou filha. Em um contexto como este, tenho gravado entrevistas em que meninos – aqui chamados de “filhos de chave” – também estão sozinhos: “De manhã vou levá-lo para a escola e quando você sair, você vai para casa, pega a sua chave, entra, sua comida está pronta. Se não estiver pronta, prepare o que você puder e eu venho à noite”. Em outro nível econômico, o problema se repete: “você vai ser atendido por outros, não por mim”. Então, existem experiências de isolamento, solidão, falta de convivência e isso afeta tanto aos professores quanto a uma grande parte dos alunos. Eu não digo que os pais têm a intenção de abandonar, eles trazem seus próprios fardos. Assim, tudo se converte em um processo de sobrecarga, diante do qual preferimos esconder a situação, em vez de integrar-nos, dialogar, buscar soluções e ajudar-nos mutuamente.

 

Então, é uma situação complexa. Se em vez de procurar o culpado, procurássemos entender como estamos falhando em nossa responsabilidade, como nós desempenhamos o papel que dizemos assumir, então poderíamos agir no lugar de simular. Mas neste país, neste momento, a base da mentalidade popular é a frase “salve-se quem puder”. Vivemos com muitas ameaças, há muitos riscos, então as pessoas preferem simular e “salve-se quem puder”. Tenho observado a deterioração da qualidade do ensino com a entrada da tecnologia, porque ela é utilizada para subtrair responsabilidade do docente, que não aprofunda, não assume conhecimentos e aprende para transmitir o que comunica o vídeo. Todos estes elementos estão agindo de forma complexa e ações que sejam mais globais são necessárias. Se estamos falando apenas de violência, sem assumir uma perspectiva de análise mais complexa, sem fazer um diagnóstico sócio-cultural e psicológico, sem revisar as práticas de ensino, voltaremos para o mesmo ponto: comprar um pacote educacional tecnológico, e dizer “esta é uma maravilha tecnológica que vai resolver todos os nossos problemas”. Não é assim!

 

Ilana Lemos de Paiva – Mudando de tema, a partir de sua experiência, como a mídia tem tratado as manifestações de violência juvenil? No Brasil, temos um problema muito grande com isso, existem muitos estereótipos, muitos estigmas sobre os temas juventude e violência.

 

Juana María Guadalupe Mejía-Hernández – Nesse sentido, o Brasil e o México são muito semelhantes, não só em termos de biodiversidade, mas também culturalmente. Eu quero falar sobre duas questões. Sua pergunta refere-se à violência social. Mas vamos falar sobre a violência social e escolar. Os meios de comunicação divulgam mais a violência social quando há manifestações. Grupos de manifestações juvenis arruínam lojas, deixam sua marca nas cidades, violam monumentos nacionais, destroem prédios antigos. Em seguida, duas versões aparecem. Através dos meios de comunicação a mais transmitida é: “Estes jovens são anarquistas guiados por tal líder”. Mas as redes sociais, especialmente as contas do Facebook e do Twitter, geram um movimento que luta contra este estigma. Temos tido desde o início do ano, uma série de manifestações contra o aumento dos preços da gasolina – gasolinazo – ou contra a ascensão de Trump ao poder, fatos que estão criando uma crise comercial e migratória. Estes protestos, seguidos por pessoas através do Facebook e redes sociais, revelam como governos locais e estaduais disfarçam seus policiais como civis e os introduzem entre os manifestantes para desencadear, gerar e promover a violência. Muitas vezes não são os jovens, mas são classificados da mesma maneira. Sabemos também que existiram no passado, e acho que existem ainda, grupos de jovens de bairros pobres que estão sob o controle de líderes de partidos políticos e que também têm contribuído para gerar violência. Estes jovens – não sei se eles o fazem por convicções –, é sabido que o fazem por dinheiro, e estamos diante de outro tipo de violência social.

 

Outro elemento é o acesso dos jovens aos espaços de tráfico de drogas. Eles são captados desde muito jovens, 12 e 13 anos, abandonando o ensino básico e o secundário. Eles são captados não só para consumo, mas também para o tráfico, a venda. Há crianças do ensino médio que trabalham e ganham dinheiro da droga, porque recebem uma pequena motocicleta para observar e avisar no caso de riscos, como vigias. Então, em situações de pobreza este “emprego” significa uma mudança de status. Assim, eles melhoram suas condições de vida e vão até dizer: “posso viver pouco, mas quero viver bem”.

 

Agora, sobre a questão da violência escolar. Dentro da escola há drogas, consumo, tráfico. Mas os envolvidos não são apenas os meninos. Recentemente, a violência escolar está recebendo atenção e sendo preocupação dos governos. Não sei se vocês no Brasil souberam da notícia de que aqui já aconteceu o primeiro caso de um aluno de uma escola secundária privada que atirou nos seus colegas e no seu professor. Isso foi em Monterrey, há duas semanas e meia.

 

Não há mais dados, porque as autoridades têm sido muito cuidadosas na divulgação. Acho que é o governo do estado quem está dando ordens para investigar em detalhes e para que, em primeiro lugar, sejam protegidas as famílias e os pais do menino. Felizmente todos os feridos sobreviveram. Houve quem postou um vídeo do acontecimento nas redes sociais, que foi removido em seguida. Mas o fato é que este é um episódio sórdido, aparentemente abrupto. Então, seguindo o caso, grupos de pesquisadores com quem tenho relações expressam: “Bom, não bastam pesquisas, devemos intervir. Ouvi-los”. Minha coorientadora de tese, Dra. Claudia Saucedo, desenvolveu intervenções em escolas secundárias, a partir da Universidade Autônoma do México na Escola Nacional de Iztacala, ao longo de 20 anos. Mas é uma das poucas a defender que o acesso aos adolescentes precisa ser contínuo e, em um processo relacionado de intervenção e pesquisa.

 

Ilana Lemos de Paiva – Você me diz que fez consultoria por vários anos. Então, como você acha que pesquisas feitas na universidade com relação às questões de juventude e violência podem contribuir para a construção de políticas públicas para a juventude?

 

Juana María Guadalupe Mejía-Hernández – Uma grande carga de responsabilidade está em nós. Nós não só podemos contribuir, mas devemos fazê-lo. Mas o que devemos fazer? Temos que encontrar formas para nos escutar. Vamos começar com a construção dos resultados de nossa pesquisa. Temos que torná-los acessíveis. Como é dito que a universidade deve estabelecer ligações com a indústria e a produção, a universidade também deve estabelecer ligações com os setores onde desenvolve suas pesquisas. Não podemos chegar à escola, observar e dizer adeus.

 

As escolas estão inquietas e precisam apoio, contribuições. Mas o problema é a falta de recursos. O pesquisador, por vezes, não pode fornecer este serviço porque não há recursos materiais e financeiros para oferecer. As escolas estão superlotadas. As autoridades querem – isto aqui no México é muito evidente – soluções rápidas. Eles querem que em doze sessões de terapia a mulher supere a violência, que em doze sessões de terapia o homem deixe de ser machista ou que em uma ou duas conversas com os alunos – a maioria das conversas são sobre drogas e violência e duram 45 minutos – efeitos sejam alcançados. Portanto, temos que avaliar as estratégias com que queremos entrar nas instituições. Precisamos elaborar conclusões mais claras, mais acessíveis, recomendações reais, não só para atender os requisitos acadêmicos.

 

Acho que o compromisso é com nós mesmos, com nossa profissão, com as entidades que nos permitem entrar, objetivamente. Construir instrumentos acessíveis à cultura escolar e à mentalidade do professor. Eu acho que se trata de intervir nas mentalidades. Tudo isso tem uma origem em nossas tendências, nas nossas formas de organizarmo-nos, de julgarmo-nos.

 

Uma das minhas leitoras de tese, Cecilia Fierro, argumentou que existem diferentes níveis de profundidade. Às vezes, as escolas querem intervenções superficiais para poder dizer que tiveram uma conversa, que fizeram algo. Às vezes, eles querem mudar uma coisa em especial e solicitam uma intervenção específica. Em outras ocasiões eles querem questionar a cultura escolar. Então, isso implica em um trabalho aprofundado, de mudança, conscientização e adoção de novas formas de relacionamento, atividades educacionais diferentes. É uma mudança cultural. Neste sentido, acho que podemos conseguir algo. Eu sou daquelas que dizem: “Se a escola quer, então, nós nos comprometemos”. Mas muitas escolas estão limitadas.

Juana María Guadalupe Mejía-Hernández juanismh@gmail.com
Psicóloga e Doutora em Ciências com especialização em Investigações Educativas, professora do Mestrado em Educação e Psicologia da Universidad Tecnológica de México (UNITEC). Professora dos Mestrados de Educação Ambiental e Inovação Educacional do Centro Universitário ORT, México.
Ilana Lemos de Paiva ilanapaiva@hotmail.com
Doutora em Psicologia Social, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil. Coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) e do Observatório da População infanto-juvenil em Contextos de Violência (OBIJUV) ambos na UFRN.