Pensar la educación en tiempos de pandemia: entre la emergencia, el compromiso y la espera, organizado por Inés Dussel, Patricia Ferrante y Darío Pulfer

A escola em casa é possível?

Resenha por Vera Lucia Gaspar da Silva
Universidade do Estado de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-2957-5708.

DOI: https://doi.org/10.54948/desidades.v0i31.49617

Publicado em 2020, imagino eu que cada reflexão do livro se ancorou no desejo e na perspectiva de que, em meados de 2021, quando escrevo esta resenha, a vida teria já retomado seu curso… Mas, que curso é esse? Se, por um lado, muitas reflexões projetam que não voltaremos a ser os/as mesmos/as1 após essa experiência de pandemia, por outro, parece-me que a expectativa está justamente em voltarmos ao mesmo curso da vida, inclusive a minha. Trata-se de uma escrita implicada, em que se escreve para descrever e para elaborar parte dos assombros que, como docentes, preparados/as para exercer as tarefas em espaços delimitados, planejados, normatizados, fomos forçados/as a enfrentar e a desbravar.

Além da Apresentação, de autoria dos/as organizadores/as, o livro traz 26 artigos escritos por 32 autores/as de diferentes gerações e filiações acadêmicas. O título da obra Pensar la educación en tiempos de pandemia: entre la emergencia, el compromiso y la espera já anuncia muito do que irá nortear as reflexões.

Os artigos fazem conexões e digressões que ajudam a compreender, num contexto ampliado2, desafios e possibilidades que marcam a vida escolar neste já longo período de isolamento. A foto3 de capa é emblemática: um caderno deixado por docentes, protegido por uma sacola plástica, preso em uma cerca de arame farpado; expressão de uma desmaterialização da escola, mas também de suas permanências, além de parte das muitas estratégias que se lançou mão para manter viva a vida escolar.

Para instigar as autoras e autores dos artigos, os/as organizadores/as partiram de questões simples, como anunciado no texto de apresentação, e que, de algum modo, expressam inquietações de um conjunto alargado da comunidade acadêmica e escolar.

¿Qué efectos produce la actual situación de pandemia en los sistemas educativos, las instituciones escolares y la vida de los docentes y alumnos? ¿Qué vínculos tienen con las viejas y nuevas desigualdades? ¿De qué modo se reconfigura la transmisión en la escuela en esta coyuntura? ¿Cómo reconsiderar el papel de las tecnologías en estos cambios? ¿Qué se puede avizorar de la escuela en la pospandemia? (DUSSEL; FERRANTE; PULFER, 2020, p. 12).

Ao adentrar na leitura, encontramos reflexões que recuperam em parte a historicidade do tema – ou, ao menos, as experiências mais próximas – nos vínculos da edificação do projeto escolar com a saúde pautada numa visão científica que prima pela assepsia e a higienização, incluindo a dos costumes, que vai reforçar determinado padrão de ser civilizado, pautado em traços que destituem de lugares de saber as iniciativas e os conhecimentos populares. Essa é uma tensão que está na base desse projeto e que tentativas de enfrentamento de outras situações hoje evocadas, como a gripe espanhola em 1918, os surtos de poliomielite dos anos de 1950 e a gripe H1N1 de 2009, não foram suficientes para alterar significativamente os modos de funcionamento da escola, sua espacialização e organização interna. Ainda que medidas sanitárias tenham decorrido das experiências anteriores, particularmente na espacialização das cidades, nos cuidados com fornecimento de água potável, de canalização de esgotos, a escola seguiu seu rumo de confinamento e, em muitos lugares, com o tempo, os padrões estabelecidos por higienistas e arquitetos como recomendados, como metro quadrado por aluno, altura do pé-direito, ventilação dos ambientes e iluminação natural, foram perdendo força.

Muitas das medidas restritivas com as quais convivemos nesses dois últimos anos, como suspensão de atividades presenciais, proibição de reuniões, festas e qualquer tipo de aglomeração, já foram registradas em outros momentos da história, mas nunca na sincronia mundial como a vemos agora. Se em outros momentos em que as aulas foram interrompidas nem sequer se pensou em manter as atividades ou, quando foram mantidas, o ritmo foi muito mais lento e a dinâmica muito mais próxima dos modos de operar do ensino presencial, nesta pandemia, o ritual escolar se alterou completamente: o tempo, a velocidade, os suportes, as formas de operar.

No tocante à escolarização, a América Latina recebeu a pandemia num quadro aguçado de debilidades pela avidez das políticas de mercado, como analisa Adriana Puiggrós (2020). Além disso, se, por um lado, escolas mais bem providas financeira e materialmente conseguiram manter a conexão com seus alunos, por outro, é necessário (e desafiador) pensar no alargamento do fosso entre a escola e muitas crianças, que, literalmente, se desconectaram, quer pela falta de meios de conexão (equipamentos, redes, ambientes minimamente adequados), quer pelas urgências advindas da sobrevivência que agravaram os desafios já enfrentados pela população mais pobre.

Dos projetos em disputas, vemos os governos que investem para equipar as escolas e prover docentes e discentes, incorporando à educação pública os avanços (ou parte destes) tecnológicos, e aqueles que destinam à iniciativa privada tal provimento, numa engenharia bastante complexa, mas que dá ao mercado um controle alargado. Claro está que tal relação não é assim tão linear, que muitos artifícios são acionados nessa engenharia, mas, como observado em muitas reflexões, essas forças aproveitam o contexto pandêmico para ampliar sua participação no filão oportunizado pela pandemia, que aumentou de forma significativa a comercialização de equipamentos, de redes e de dados. Como assinala Daniel Brailovsky (2020, p. 150), “[…] la urgencia por innovar es también (y especialmente) una necesidad de las empresas que comercializan la tecnología, primeras impulsoras de este ideario”.

Esse cenário, envolto em tensões e incertezas, acelerou o tempo, as urgências, a busca de soluções.

[…] exigió al sector educativo entregar algunos de sus bienes más preciados: la presencialidad, la grupalidad, el encuentro, la proximidad y, por lo tanto, buena parte de las herramientas teórico-prácticas del saber ser y hacer docente − y también del oficio de estudiante (NÚÑEZ, 2020, p. 181).

Na presente obra é possível conhecer parte de medidas tomadas pelo governo argentino para dar continuidade às atividades escolares e como se chegou a elas, com especial destaque para o programa de governo Seguimos Educando4.

No conjunto dos textos, num variado leque de temas abordados, encontramos reflexões que destacam:
• A velocidade com que se construiu a resposta escolar ao isolamento;
• Os desafios impostos e a reinvenção dos/as docentes nas suas formas de conduzir as atividades e de se relacionar com a comunidade escolar, particularmente com os/as alunos/as;
• A distância entre a formação docente e as habilidades que lhes foram exigidas emergencialmente, sem tempo para se prepararem ou se programarem;
• A necessidade de organização de programas de apoio às/aos docentes, seja no manejo de novas ferramentas, seja na produção de conteúdos;
• A necessidade de intensificar na formação docente saberes relacionados às culturas digitais;
• A reconfiguração dos tempos escolar e social;
• O estabelecimento de vínculos mais próximos entre docentes, alunos/as e famílias, permitindo aos primeiros construir um lugar de observação diferenciado em relação ao modo presencial de ensino;
• A reconfiguração curricular imposta: o que se privilegia em termos de conteúdos e o que fica secundarizado, aliado às necessárias novas formas de acompanhar o desenvolvimento cognitivo e de avaliar as aprendizagens;
• A exposição de novas desigualdades derivadas das diferentes formas e possibilidades de aceso à internet, de posse de dispositivos tecnológicos e de uso das tecnologias digitais;
• Os efeitos do isolamento para as crianças menos favorecidas economicamente;
• As formas de violência a que estão expostas as crianças pelo isolamento social e a ausência da escola como lugar que acolhe e acompanha;
• A exposição às tensões familiares provocadas pelo isolamento, sejam aquelas decorrentes da convivência imposta, às relacionadas a problemas econômicos e falta de renda;
• O aumento das demandas sobre o trabalho das mulheres: as tarefas domésticas, a atenção aos filhos, a atenção às tarefas escolares, o acirramento da violência doméstica e o desafio de conciliar tal rotina com as demandas advindas do homework ou da imperiosa necessidade de manter o trabalho fora de casa, mas monitorar a casa (mais uma vez a desigualdade social é também sinônimo de vulnerabilidade);
• A exposição a plataformas ou correlatos que acabam, sob o pretexto de ferramentas pedagógicas, por se apropriar de dados e direcionar ações dos sujeitos que as usam, contribuindo para aumentar o poder econômico do modelo de negócio sustentado em dados.

O conjunto de reflexões e aspectos discutidos indica que não há uma fórmula de sucesso para retomada das atividades em modo presencial, para manutenção do ensino remoto ou para equacionar os problemas da escolarização advindos da pandemia de Covid-19. Há, sim, um conjunto de reflexões e indicação de possibilidades a serem testadas e que poderão ser bem-sucedidas em alguns lugares e em outros não. Mas, fica a firme indicação de que as relações que a escola oportuniza, a sociabilidade que promove – um lugar de encontro de sujeitos – e o valor do ensino presencial aliado ao papel dos/as professores/as não encontrou, até o momento, um substituto à altura. O enfrentamento e a resistência deverão se erguer não para defender o valor dessa instituição, mas para fazer frente às narrativas que pregam o fim da escola e que, com isso, ajudam a jogar no colo do mercado a responsabilidade e autoridade para educar, nos modos que lhe interessa, a população, particularmente aquela com acesso mais restrito aos bens culturais e materiais. Fica também o desafio de se oferecer, via escola, ferramentas que ajudem a lidar com o universo de informações disponíveis hoje, sua organização e compreensão.

Se, por um lado, como será o regresso é permeado por dúvidas, por outro, parece não haver dúvidas de que o regresso existirá, consagrando permanência à escola. Se o retorno às atividades presenciais será acompanhado de mudanças na organização da dinâmica escolar, das formas de ensinar e de avaliar ou se com o tempo nos acostumaremos à ideia de retomada do normal pré-pandêmico parecem ser ainda questões a nos desafiar. Contudo, compartilho o desejo de Inés Dussel, Patricia Ferrante y Darío Pulfer (2020, p. 360) de que a “[…] energía creativa debe ser aprovechada como impulso para desplegar otra escuela”.

1 – O uso do masculino e feminino neste texto também compreende outras formas de gênero não binárias.
2 – Ainda que trate basicamente da Argentina, muitas das reflexões servem de base para outros contextos.
3 – Foto de capa: cuadernillo dejado por docentes en un alambrado del caminho Las Piedritas, Olavarría, Provincia de Buenos Aires (gentileza Juan Roa). Créditos da contracapa.
4 – Mais informações disponíveis em: www.seguimoseducando.gob.ar.

Referências Bibliográficas

 

BRAILOVSKY, D. Ecos del tiempo escolar. In: DUSSEL, I.; FERRANTE, P.; PULFER, D. (Orgs.). Pensar la educación en tiempos de pandemia: entre la emergencia, el compromiso y la espera. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: UNIPE, 2020. p. 149-161.

DUSSEL, I.; FERRANTE, P.; PULFER, D. (Orgs.). Pensar la educación en tiempos de pandemia: entre la emergencia, el compromiso y la espera. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: UNIPE, 2020.

DUSSEL, I.; FERRANTE, P.; PULFER, D. Nuevas ecuaciones entre educación, sociedad, tecnología y Estado. In: DUSSEL, I.; FERRANTE, P.; PULFER, D. (Orgs.). Pensar la educación en tiempos de pandemia: entre la emergencia, el compromiso y la espera. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: UNIPE, 2020. p. 351-364.

NÚÑEZ, P. Un tiempo escolar fuera de lo común: los jóvenes y sus sentidos sobre la escuela secundaria. In: DUSSEL, I.; FERRANTE, P.; PULFER, D. (Orgs.). Pensar la educación en tiempos de pandemia: entre la emergencia, el compromiso y la espera. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: UNIPE, 2020. p. 175-187.

PUIGGRÓS, A. Balance del estado de la educación, en época de pandemia en América Latina: el caso de Argentina. In: DUSSEL, I.; FERRANTE, P.; PULFER, D. (Orgs.). Pensar la educación en tiempos de pandemia: entre la emergencia, el compromiso y la espera. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: UNIPE, 2010. p. 33-42.

Palavras-chave: escola e pandemia, escola em casa, cultura material escolar.

Data de recebimento: 25/07/2021
Data de aprovação: 14/10/2021

Vera Lucia Gaspar da Silva vera.gaspar.udesc@gmail.com
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil, com pós-doutorado realizado na mesma instituição. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Brasil. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Desenvolve pesquisa sobre cultura material escolar e história da profissão docente.