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Belo Horizonte, uma cidade educadora(?): uma análise das ações e políticas públicas voltadas para a infância

A presença da criança no espaço urbano

Prout (2010) destaca a necessidade de os pesquisadores e cientistas sociais manterem a reflexão acerca do significado da participação das crianças, pois é preciso aprender muito sobre as formas de permitir que elas falem por si próprias e de sua maneira. De acordo com Araújo (2018, p. 209): “A busca por reconhecimento político da criança na cidade não deixa de ser uma demonstração do quanto, em um projeto de cidade, a criança foi esquecida ou quanto nos colocamos como representantes legítimos de seus interesses e expectativas”.

A participação das crianças é um assunto de destaque na retórica, mas, não raro, pouco acentuada na aplicação prática, diz Prout (2010). Com base nos estudos de Pia Christensen (1994 apud PROUT, 2010), o autor afirma que existe um relacionamento recíproco entre a participação política das crianças, que é sua cidadania, e sua representação no discurso social e cultural, apontando, nessa conjuntura, a necessidade de uma reavaliação da exclusão e do isolamento das crianças da vida pública e a reconsideração dos estereótipos rotineiros e inúteis sobre as crianças que predominam no imaginário social (PROUT, 2010).

Tonucci (2016, n.p.), ao defender o direito da criança à cidade, provoca a pensar em uma cidade para todos, colocando as crianças como protagonistas de sua (re)construção cotidiana:

Isso significa ocupar-se de todos e não de um alguém. Essa foi a escolha ao dedicar o meu trabalho às crianças. Eu não quero uma cidade infantil, uma cidade pequena. Não quero uma cidade montessoriana. Quero uma cidade para todos. E para estar seguro de que não esquecerei ninguém, escolho o mais novo.

O mesmo autor destaca que algumas cidades vêm assumindo o projeto A Cidade das Crianças, cuja concepção de cidade passa a se transformar com base na participação das crianças, em que os adultos seriam ajudados a reconhecer as necessidades e direitos destas:

Trabalhamos com crianças bem pequenas, que expressam de forma muito simples suas necessidades mais fundamentais. Nesse diálogo, acredito que um bom administrador pode encontrar força para colocar-se ao lado de todos os cidadãos, sem perder ninguém. É uma escolha de valor, porque as crianças levam consigo um conflito. E a cada proposta que fazem, abrem um conflito com os adultos (Ibid., n.p.).

Essa perspectiva de participação das crianças nos aspectos decisórios da cidade está presente, como direito consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), por meio de iniciativas como Cidade Amiga das Crianças (1996):

Uma cidade amiga da criança tem por objetivo garantir que sejam respeitados os direitos da criança a serviços essenciais de saúde, educação, abrigo, água limpa e instalações sanitárias decentes, e proteção contra a violência, abusos e exploração. Busca também aumentar o poder de cidadãos jovens para que possam tomar parte nas decisões sobre sua cidade, expressar sua opinião sobre a cidade em que vive e participar da vida familiar, comunitária e social. Promove os direitos da criança a andar sozinhas nas ruas com segurança, encontrar amigos e brincar, viver em um ambiente não poluído, com espaços verdes, participar de eventos culturais e sociais e exercer sua cidadania em condições de igualdade em sua cidade, com acesso a todos os serviços, sem sofrer qualquer tipo de discriminação (UNICEF, 2004, n.p.).

Um aspecto importante a ser destacado é que o corpo de conhecimento produzido nos últimos anos acerca das temáticas Infância e Cidade, principalmente nos campos da Sociologia da Infância, da Antropologia da Criança, da Geografia da Infância, da Educação e de pesquisas etnográficas que enfatizam a escuta e diferentes participações das crianças, tem encontrado ecos em algumas políticas públicas. Muitos estudos têm questionado e problematizado a posição atribuída às crianças e aos jovens, de incapacidade social, política e cultural, postulando formas de exclusão desses sujeitos da participação plena na vida social (ARAÚJO, 2018; CASTRO, 2001; SARMENTO, 2018).

Embora o aspecto da exclusão das crianças e jovens mostre-se mais presente em alguns países, em outros contextos, como nos países europeus, por exemplo, vem-se buscando legitimar a participação das crianças na formulação de políticas que dialoguem com a perspectiva de uma cidade para todos, como destaca Tonucci (2016). Como exemplos, aponta o autor, podem-se citar as cidades de Fano, na Itália, e Pontevedra, no Norte da Espanha, na Galícia, nas quais foram criadas instâncias de participação das crianças nas decisões sobre planejamento urbano.

No contexto da América do Sul, há o exemplo da cidade de Rosário, Argentina, onde, tendo como perspectiva o conceito de cidade educadora, parques e praças foram reformados/reconstruídos a partir do olhar das crianças, pelos chamados Consejos de Niños (BALPARDA, 2015). No Brasil, a dissertação de Lansky (2006) analisou a processo de planejamento e apropriação de uma praça pública por um grupo de crianças em Belo Horizonte, dentro de um programa governamental. Porém, como aponta Lansky (2012), muitas ações são pontuais e isoladas, sendo a criança um tema pouco presente entre arquitetos, urbanistas e projetos de políticas públicas.

Dada a importância e visibilidade dos possíveis alcances dos projetos aqui destacados, cabe problematizar as implicações a partir do momento em que direitos deixam de ser garantidos e têm-se consequências no cotidiano de crianças e adultos na fruição dos espaços da cidade. Nesse sentido, cabe afirmar, como destacado por Sarmento (2018), para as crianças, o direito à cidade é a condição de sua própria cidadania, que não constitui uma proclamação jurídica nem é um estatuto outorgado, mas algo que decorre diretamente de políticas públicas para a infância e para a cidade que garantam a participação de crianças e de adultos na construção do território urbano, segundo lógicas de inclusão e sustentabilidade.

Considerações finais

O artigo proposto constituiu relevante desafio, visto que apresentou uma temática que se encontra inserida em um campo de estudo ainda incipiente, que visa a pensar a presença das crianças nos contextos urbanos. Soma-se a isso o fato de que dados referentes às políticas públicas da Prefeitura de Belo Horizonte, especialmente em relação ao Programa Escola Integrada, espinha dorsal do Movimento Cidades Educadoras, encontram-se em fase de sistematização, apesar de decorridos 15 anos de sua implantação.

Nessa linha de pensamento, é oportuno destacar ainda o enxugamento e interrupção de algumas políticas públicas da gestão da Prefeitura de Belo Horizonte (2017-2020). Campos (2019), que acompanhou excursões de crianças e professoras de uma escola municipal de educação infantil em Belo Horizonte, chama a atenção para a suspensão, no ano de 2018, do agendamento de ônibus da frota do Programa BH para Crianças. Consequentemente, vários projetos que abarcam as políticas de acesso, mobilidade e democratização dos espaços ficaram comprometidos, prejudicando as vivências de crianças, adolescentes, professores e professoras na cidade de Belo Horizonte.

Além disso, a participação da sociedade civil na realização de ações e projetos, no sentido de inserir a população infanto-juvenil nos espaços públicos da cidade, apresenta alguns avanços, mas ainda é incipiente, principalmente entre as iniciativas que não estão atreladas a projetos capitaneados pelo Poder Público.

Concorda-se, portanto, com Moll (2008), ao afirmar que o Poder Público pode desempenhar um importante papel como articulador de iniciativas e sujeitos sociais, financiador de ações que nasçam das necessidades e exigências de cada projeto concebido e mediador dos interesses não somente diferenciados, mas até antagônicos em relação à ocupação do espaço público.

A política, para poder permanecer livre e humana, deve constituir-se como uma experiência duradoura, na qual as atuais e futuras gerações possam com ela aprender a preservar e a renovar o mundo (ARAÚJO, 2011). A cidade é o lugar dos diferentes, da copresença e da convivência. Diante desse cenário, conclui-se que, para Belo Horizonte, outrora considerada uma cidade signatária das cidades educadoras, é preciso ir muito além do que está posto na direção de um compromisso com a ética pública.

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Resumo

Este trabalho buscou refletir sobre a presença do Município de Belo Horizonte, Brasil, na Associação Internacional das Cidades Educadoras. Para tanto, foi feita uma revisão bibliográfica sobre a temática em questão e uma análise documental com o intuito de identificar e analisar ações do Poder Público e da sociedade civil na promoção da inserção da criança nos espaços públicos da cidade. Verificou-se que as ações realizadas pelo Município, em especial o Programa Escola Integrada, trouxe avanços, mas ainda não garantiu uma efetiva apropriação dos espaços públicos na promoção de uma cidadania infantil. Dessa forma, conclui-se que Belo Horizonte se encontra em processo de constituição como cidade educadora, mas é preciso ir muito além do que está posto na direção de um compromisso com a ética pública.

Palavras-chave: infância, cidade, sociedade civil, políticas públicas.

Belo Horizonte, ciudad educativa(?): un análisis de acciones y políticas públicas sobre la infancia

Resumen

Este trabajo buscó reflexionar sobre la presencia del Municipio de Belo Horizonte, Brasil, en la Asociación Internacional de Ciudades Educadoras. Para ello, se realizó una revisión bibliográfica sobre el tema en cuestión y un análisis documental con el fin de identificar y analizar las acciones del gobierno y la sociedad civil en la promoción de la inserción de la niñez en los espacios públicos de la ciudad. Se constató que las acciones llevadas a cabo por el Municipio, en especial el Programa Escolar Integrado, trajeron avances, pero aún no se ha garantizado una apropiación efectiva de los espacios públicos en la promoción de la ciudadanía infantil. Así, se puede concluir que Belo Horizonte se encuentra en proceso de constituirse como una ciudad educadora, pero es necesario ir mucho más allá de lo marcado en la dirección de un compromiso con la ética pública.

Palabras clave: infancia, ciudad, sociedad civil, políticas públicas.

Belo Horizonte, an educational city(?): an analysis of actions and public policies on childhood

Abstract

This work sought to reflect on the presence of the Municipality of Belo Horizonte, Brasil, in the International Association of Educating Cities. Therefore, a bibliographic review was made on the subject in question and a documentary analysis in order to identify and analyze actions by the government and civil society in promoting the insertion of children in public spaces in the city. It was found that the actions carried out by the Municipality, especially the Integrated School Program, brought advances, but it has not yet guaranteed an effective appropriation of public spaces in the promotion of children’s citizenship. Thus, we concluded that Belo Horizonte is in the process of being an educational city, but it is necessary to go far beyond what is set in the direction of a commitment to public ethics.

Keywords: childhood, city, civil society, public policy.

Data de Recebimento: 28/01/2021
Data de Aprovação: 28/05/2021

Luciano Silveira Coelho luciano.coelho@uemg.br

Mestre em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. Professor do Departamento de Ciências do Movimento Humano (DCMH) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Brasil, e líder do grupo de pesquisa Ciranda.

Túlio Campos tulio.camposcp@gmail.com

Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil, e professor do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG.

Sheylazarth Presciliana Ribeiro sheylazarth.ribeiro@uemg.br

Doutora em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. Professora do Departamento de Ciências do Movimento Humano (DCMH) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Brasil, e vice-líder do grupo de pesquisa Ciranda.

Éder Fernando Souza Cruz edercruz73@gmail.com

Licenciado em Educação Física pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Brasil, e integrante do grupo de pesquisa Ciranda.