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Bullying e associação de comportamentos de risco entre adolescentes da Região Norte: um estudo a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015.

Discussão

O presente trabalho revelou que, entre os adolescentes da região norte do país, em relação à variável sexo, evidenciou-se a maior prevalência de perpetração do bullying entre os adolescentes do sexo masculino. Diversos estudos apontam em seus resultados que a perpetração do bullying é mais prevalente entre os meninos (Malta et al. 2016; Dias et al. 2014; Obrdalj et al. 2013). Uma possível explicação para esse fenômeno é proposta por autores como Matos e Carvalhosa (2001), ao afirmarem que os meninos possuem uma interação mais agressiva e explosiva com seus pares em comparação com as meninas, o que resulta em mais casos desse tipo de violência.

Nos estudos de Obrdalj et al. (2013) e Seals e Young (2003), os meninos apresentaram maior necessidade psicológica de revelar força física, a qual, associada a aspectos biológicos como tamanho e força e a fatores sociais, possibilitava aos adolescentes utilizarem a agressão física para perpetrar o bullying.

O presente estudo observou que há maior prevalência da categoria perpetradora de bullying na escola privada e de vítimas na escola pública. Os achados de Mello et al. (2017) e Santana e Costa (2016) revelaram que o nível socioeconômico e o status social do aluno podem contribuir para maior chance de perpetração do bullying. Malta et al. (2014) apontaram que essa prática foi relatada por 23,6% (IC95% 22,8–24,4) entre adolescentes matriculados em escola privada, enquanto que 20,3% (IC95% 18,6–22,1) na escola pública, revelando, ainda, que os alunos matriculados em escola pública tiveram menor chance de praticar bullying (OR= 0,87; IC95% 0,78–0,97).

No que se refere à cor/raça, a maior prevalência de perpetradores foi entre os entrevistados que se autodeclararam indígena (17,3%) e preta (17,2%). Este resultado é similar ao encontrado nos estudos realizados por Malta et al. (2014), Mello et al. (2017) e Oliveira et al. (2015). A relação entre cor/raça e bullying é de certa forma esperada, pois, em muitos casos, uma quantidade pequena de adolescentes de uma determinada etnia/cor de pele pode ocasionar um desequilíbrio de poder e, assim, eles se tornam vítimas em potencial dos colegas que representam maioria étnica (Felix; You, 2011). É importante considerar também as questões de dinâmica social, discriminatórias e culturais relacionadas à intolerância e ao preconceito que, igualmente, são preditoras do bullying (Silva; Alves; Iossi, 2016; Silva et al., 2018).

Este estudo revelou com particularidade que os adolescentes perpetradores de bullying, da região norte do país, apresentaram maior probabilidade de chance da adesão de múltiplos comportamentos considerados de risco e de vulnerabilidade à sua saúde. Aponta-se, com destaque, que, dentre os comportamentos de risco à saúde, o uso de álcool e de outras drogas ilícitas comumente é pontuado nas evidências científicas como predição para o bullying entre adolescentes (Swahn; Donovan, 2004; Gomes et al. 2006; Farrell et al. 2010; Malta et al. 2011; Peleg-Oren et al. 2012; Garcia-Continente et al. 2013).

No que diz respeito à relação da alimentação com o bullying, observou-se que o aumento do consumo de alimentos por adolescentes pode ser uma resposta ao estresse ocasionado pelas provocações ao sofrer bullying, como um enfrentamento temporário para gerar calma, alívio e fuga (Clark et al. 1999; Ong; Fuller-Rowell.; Burrow, 2009). De maneira geral, estudos sugerem que as vítimas de bullying exteriorizam suas angústias no consumo de alimentos tidos como não saudáveis, o que pode aumentar o risco de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis entre os adolescentes (Jansen et al. 2004; Zanelato, 2014).

Quanto ao consumo de álcool regular pelos adolescentes, os achados deste estudo revelaram que pouco menos de um quarto dos adolescentes (24,4%) que consumiam bebida alcoólica eram perpetradores do bullying. Merece assinalar que existe a compreensão de que a adolescência é uma fase marcada por transformações físicas, psicológicas e por uma série de descobertas em busca de maior autonomia social (Costa; Souza, 2005).

Silva e Padilha (2011) alertam que o contato precoce dos adolescentes com as bebidas alcoólicas é relevante para o surgimento do alcoolismo. Quando associado a problemas de saúde na idade adulta, aumenta significativamente o risco de se tornar consumidor em excesso ao longo da vida (Strauch et al. 2009; Mccambridge; Mcalaney; Rowe, 2011).

Enfatiza-se que o consumo excessivo álcool na adolescência também está associado ao insucesso escolar e a outros comportamentos de risco, como tabagismo, uso de drogas ilícitas e sexo desprotegido (Pechansky; Szobot; Scivoletto, 2004; Andrade et al. 2012; World Health Organization, 2014).

O estudo de Mota et al. (2018) mostra que a relação entre o bullying e o consumo de álcool regular revela associação duas vezes maior entre alto risco para agressão direta4 e o consumo de álcool entre adolescentes (RP=2,26; IC95% 1,25–4,11), além de apontar também duas vezes mais chance de permanecer significativo e associado o alto risco para agressão relacional5 (OR=2,13; IC95% 1,17–3,90). Além disso, também devem ser apresentados outros apontamentos da PeNSE 2009, ao revelar que, em ambos os sexos, foram observadas associações entre violência física e ser vítima de bullying com o uso de drogas ilícitas e efeito potencializado do consumo de álcool e drogas (IBGE, 2010).

Outro comportamento de risco que cabe discutir é o tabagismo. A prevalência global do consumo regular de tabaco entre os adolescentes do presente estudo foi de 6,7%. Cabe destacar que a prevalência de adolescentes que fumavam e perpetravam o bullying foi de 32,2%. Os dados da PeNSE de 2012 revelaram que mais de 30,0% dos adolescentes de 13 a 15 anos experimentaram fumar antes dos 12 anos de idade (Barreto et al. 2014). Já nos achados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), realizado em 2013 e 2014 com 74.589 adolescentes de municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, revelou-se que 18,5% dos adolescentes fumaram pelo menos uma vez na vida, 5,7% fumavam no momento da pesquisa e 2,5% havia fumado por sete dias seguidos (Figueiredo et al. 2016).

O estudo de Viera et al (2008) realizado com 1.170 adolescentes de escolas públicas do município de Gravataí (RS) observou que, nos últimos 30 dias, a prevalência de tabagismo foi de 4,4% entre os adolescentes, achado este menor ao encontrado na presente pesquisa. O estudo revelou ainda que a prevalência do uso de tabaco e álcool nos últimos 30 dias esteve associada à presença de sentimento de tristeza, solidão, dificuldade para dormir e ideação suicida.

O estudo de Elicker et al. (2015), realizado em 2010 com 4.667 adolescentes estudantes do 9º ano do ensino fundamental de escola pública, da cidade de Porto Velho (RO), observou o consumo de tabaco de 6,4%, prevalência similar ao achado da presente investigação. De todo modo, evidencia-se na literatura científica que o consumo de tabaco de forma regular entre os adolescentes associa-se a outros comportamentos de risco, como consumo de álcool e outras drogas (Malta et al. 2014; Elicker et al. 2015; Mota et al. 2018).

Entre os adolescentes que afirmaram positivamente fazer uso regular de drogas e que perpetravam o bullying, a prevalência observada foi de quase sete vezes maior quando comparado às demais categorias analisadas no presente estudo. Estudos afirmam que os comportamentos antissociais e o uso de álcool e outras drogas estão associados à prática de bullying (Peleg-Oren et al. 2012; Garcia-Continente et al. 2013).

Mello et al. (2017) verificaram que a chance de adolescentes que experimentaram drogas praticarem o bullying foi de 47% (OR= 1,47; IC95% 1,38–1,57). O consumo de drogas lícitas e ilícitas por adolescentes são fatores fortemente associados à perpetração de diferentes formas de violência. Esses autores revelaram ainda que a chance dos adolescentes que consomem drogas perpetrarem violência verbal foi de 56% (OR= 1,56; IC95% 1,54–1,59) (Romaní; Gutiérrez; Lama, 2011).

Destaca-se que os adolescentes que apresentaram estilo de vida sedentária eram os que mais perpetravam o bullying, comparados às demais categorias (17,7%). Diversos estudos trazem forte associação entre o aumento de comportamentos sedentários e o excesso de peso entre os adolescentes (Silva; Lopes; Silva, 2007; Coqueiro; Petroski; Pelegrini, 2008; Dias et al. 2014; Bacil et al. 2016).

Supõe-se que os adolescentes não se sintam muito atraídos por outros tipos de atividade de vida diária, incluindo a prática de atividade física, como, por exemplo, caminhada, por considerá-los sem importância para suas expectativas e os substituem pelos comportamentos sedentários (Dias et al. 2014). Em relação às categorias de bullying, cabe mencionar que poucos estudos investigaram a associação do sedentarismo com a prática e/ou ocorrência de bullying entre adolescentes. Frente a essa constatação, merece destaque um estudo de 2013 que observou, entre os adolescentes da cidade de Caxias do Sul (RS), que os de comportamentos sedentários representaram 55% mais chance de serem vítimas de bullying (RP=1,55; IC95% 1,01–2,36) e mais do que o dobro (RP=2,42; IC95% 1,47–3,97) de serem agressores (Rech et al. 2013).

Os resultados obtidos revelaram ainda que os perpetradores de bullying são os que menos praticam sexo seguro, utilizando preservativo, seguidos da categoria vítima e vítima/perpetrador. Compreender as justificativas da prática de sexo desprotegido entre adolescentes é de suma importância para aclarar a respeito do cuidado que o adolescente tem consigo e com o outro.

Quanto à informação sobre o uso de preservativo, o estudo de Mello et al. (2017) também observou que os adolescentes perpetradores do bullying eram os que iniciaram relação sexual mais precocemente e de forma desprotegida, com diferença significativa quando comparados aos não agressores. Nesse contexto, um estudo de 2014 utilizou dados da PeNSE de 2012 e observou o comportamento sexual dos adolescentes. Os seus achados identificaram que aqueles cujas mães possuíam menor escolaridade e que não supervisionavam o tempo livre dos seus filhos apresentaram maior chance de ter relação sexual precocemente, independentemente do uso de preservativo. Esses autores revelaram ainda que os adolescentes da Região Norte e Sudeste do Brasil apresentaram maior chance de terem relação sexual (com preservativo OR=1,54 e sem uso de preservativo OR=1,42) em relação aos adolescentes da Região Sul, uma vez que estes apresentaram razão de chance menor (com preservativo OR=0,86 e sem preservativo OR=0,88) (Oliveira-Campos et al. 2014).

Em relação às associações do bullying e adesão de comportamentos de risco à saúde, cabe destacar que os adolescentes do presente estudo, categorizados como perpetradores, foram os que mais adotaram hábitos e comportamento de risco dentro do contexto social e escolar em que estão inseridos, assumindo, assim, um comportamento diferenciado frente aos demais adolescentes categorizados como vítima e vítima/perpetrador de bullying.

4 – A agressão direta inclui formas de agressão física direta que ocorre em resposta a ataques iniciados por outros (como ato de revidar) (Mota et al. 2018).
5 – Já a agressão relacional inclui comportamentos que prejudicam o relacionamento da vítima com outros pares, incluindo a exclusão, apelidos e encorajamento a brigas (Mota et al. 2018).
Renata Ferreira dos Santos rfdsantos@uea.edu.br

Doutora em Saúde Coletiva (UERJ), Brasil. Possui graduação em Enfermagem pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Brasil. Professora adjunta da Universidade do Estado do Amazonas e enfermeira assistencial do Instituto de Intensivista do Amazonas (IETI), Brasil. Pesquisadora do Laboratório de Estudos Epidemiológicos com população Amazônica (LAEP-UEA), Brasil. Atua na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem em Saúde do Neonato, Criança e do Adolescente.

Eliseu Verly Junior eliseujunior@gmail.com

Possui graduação em Nutrição pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Minas Gerais, Brasil; mestrado e doutorado em Nutrição em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Com experiência em análise de banco de dados e trabalhos de campo. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da UERJ, Brasil; Procientista (UERJ) e Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ), Brasil.