Foto: Pxhere

A escola como promotora da saúde mental e do bem-estar juvenil: oficinas pedagógicas com adolescentes

Descrição do trabalho de campo

O presente relato de experiência versa sobre o desenvolvimento de um projeto de extensão que se configurou como pesquisa-ação, isto é, um “tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo” (Thiollent, 1986, p. 15), em que se estabelece uma relação de ação e cooperação entre pesquisador e participante.

O estudo, realizado ao longo do ano de 2019, em uma escola da rede pública localizada no interior de São Paulo, foi conduzido por jovens universitários que atuaram como mediadores e facilitadores das oficinas, objetivando motivar a reflexão acerca de múltiplas questões que perpassam a experiência humana na fase da adolescência. Para a implementação da proposta, as oficinas englobaram aspectos pedagógicos e psicológicos ao abordarem diversas temáticas do cotidiano juvenil, captando suas percepções acerca das relações interpessoais, dos sentimentos e emoções experienciadas, como pensam e constroem um projeto de vida pessoal.

Foram convidados a fazer parte das oficinas todos os estudantes do período matutino (309) e vespertino (92), com idade entre 14 a 17 anos, totalizando 401 adolescentes. Participaram, em média, 91 alunos e alunas do 1º ao 3º ano do Ensino Médio. De maneira geral, considerando as outras atividades realizadas na escola, como reuniões, palestras e rodas de conversa, o projeto contemplou também professores, direção e coordenação.

Para a realização da proposta, o estudo se desenvolveu em etapas, com a participação semanal dos universitários mediadores em dias e horas regulares. Em um primeiro momento, foi realizada a observação da escola, enquanto campo de pesquisa. A partir do segundo semestre, foi iniciada a divulgação das oficinas e a inscrição dos interessados. O número de inscritos permitiu a composição de 5 grupos de 20 pessoas por sorteio e, assim, as oficinas, com a duração de 40 minutos, foram efetuadas semanalmente, mediadas por duplas de facilitadores em dias e horários diferentes, a fim de não comprometer a assiduidade dos estudantes nas aulas1. Foram desenvolvidas, ao todo, 63 oficinas com, em média, 12 participantes por cada dupla de facilitadores.

Nos primeiros encontros com o grupo, os mediadores solicitaram que cada participante sugerisse duas temáticas de seu interesse para serem discutidas ao longo das oficinas. A partir disso, as oficinas foram estruturadas previamente, mas também sofreram adaptações, sempre no sentido de evidenciar as solicitações e a necessidade de cada grupo, como autoconhecimento, relações interpessoais, família, sexualidade, Direitos Humanos, questões de gênero, identidade, cidadania, estereótipos, preconceito, projeto de vida, entre outras. Sendo assim, os temas foram escolhidos pelos próprios alunos, conforme as sugestões e os assuntos que surgiam nas discussões, e foram trabalhados com o auxílio de diferentes recursos, como dinâmicas de grupo, rodas de conversa, elaboração de produções artísticas, jogos de expressão corporal, desenhos, poemas, recursos audiovisuais, estudos de caso, contos infantis, música, entre outros. Acredita-se que a utilização de tais ferramentas se mostrou essencial como via de comunicação e expressão dos participantes por meio da dimensão simbólica, o que facilitou o posicionamento crítico e a reflexão acerca das questões que vivenciavam em seu dia a dia, dentro e fora do ambiente escolar.

A seguir, foram selecionados dados referentes às oficinas desenvolvidas com um dos grupos de estudantes.

Tabela 1 – Oficinas aplicadas por uma dupla de mediadores

Para a provocação das discussões, foram utilizadas como ferramenta diferentes técnicas, como estudos de caso, discussão sobre documentários, letras de músicas, poemas, dinâmicas e vivências grupais para trabalhar temáticas como autoconhecimento, cidadania, interesses pessoais, informações em Educação em Sexualidade, oficinas sobre estereótipo e diferentes tipos de preconceito, sonhos e expectativas dos participantes, o que possibilitou o surgimento de assuntos ligados à saúde mental, pois os alunos e as alunas, ao relatarem suas experiências pessoais, descreviam suas angústias, os sintomas de ansiedade, pânico e depressão, assim como situações de adoecimentos dos amigos ou familiares.

Resultados e Discussão

A fim de mensurar o grau de satisfação dos alunos e das alunas participantes do projeto, foi elaborada uma Ficha de Avaliação que permitiu registrar e avaliar se os objetivos propostos pelo trabalho foram alcançados. Também foi disponibilizado um espaço na ficha para comentários a respeito das ações que foram desenvolvidas na escola, de modo a colher as impressões e sugestões dos participantes. Ao todo, foram respondidos 60 (sessenta) instrumentos.

Optou-se aqui por selecionar somente duas das 16 questões fechadas da Ficha de Avaliação dos alunos, representadas nos Gráficos2 1 e 2:

Gráfico 1 – Aproveitamento/Contribuição das oficinas no desenvolvimento pessoal dos participantes

Os dados revelam que, na possibilidade de compartilhar suas experiências e sentimentos, os participantes puderam pensar e desenvolver um repertório mais significativo para lidar com as questões que os afetam na esfera pessoal e subjetiva. Nessa perspectiva, o trabalho desenvolvido demonstrou que consolidar espaços democráticos de confiança e livre expressão estimula o olhar de respeito às diferenças e cuidado com o bem-estar individual e coletivo, legitimando necessidades, expectativas e projetos dos adolescentes.

Gráfico 2 – Aproveitamento/Contribuição das oficinas no desenvolvimento da prática cidadã dos participantes e na sensação de bem-estar

Os dados expressam a concretização dos objetivos do projeto de extensão no que diz respeito à prática e ao desenvolvimento da autonomia e participação ativa dos adolescentes na comunidade escolar e na sociedade de modo geral. Como ressaltado através dos resultados obtidos, as ações desenvolvidas na escola se mostraram como uma importante ferramenta para o crescimento pessoal dos participantes, a participação social e o estabelecimento de relações e ambientes mais saudáveis (Brasil, 2002b; Ribeiro et al., 2018).

Ao atentar-se às dimensões sociais, afetivas e familiares que estão implícitas nas demandas trazidas pelos jovens (Gomes; Horta, 2010), foi possível reconhecer sua subjetividade e seus diferentes modos de vida. A partir da consideração dessas múltiplas possibilidades, o cuidado em saúde, como já exposto por Cardoso e Galera (2011), deve buscar, primordialmente, o destaque às potencialidades dos sujeitos, a fim de desenvolver sua autonomia frente aos dilemas que se apresentam. Ficou evidenciado que os encontros refletiram no bem-estar e na saúde mental dos participantes ao estimularem o sentimento de pertencimento ao grupo, o acolhimento e o respeito às múltiplas experiências, opiniões e expressões das juventudes (Abramovay; Castro, 2015).

A adolescência, segundo Bock (2007), é um momento de significado interpretado e construído pelos indivíduos na sociedade, sendo um fenômeno social que adquire sentidos a partir da experiência cultural de se desenvolver. Berni e Roso (2014) comentam que a adolescência é um processo que traz a possibilidade de vir a ser, tornar-se e transformar-se. Além disso, compreender de que maneira os tempos e espaços partilhados pelos jovens atribuem sentido às suas vivências, decisões e projetos é fundamental para acolher seus sonhos e expectativas (Dayrell; Carrano, 2014). Nesse sentido, acredita-se que as oficinas propiciaram o reconhecimento dos desejos, aspirações e exigências que permeiam suas experiências, especificamente ao longo do Ensino Médio, que, além de uma etapa de escolarização, expressa um período marcado pela construção de reflexões e saberes em torno da própria existência e da busca por sentido (Leão; Dayrell; Reis, 2011; Weller, 2014).

Assim, foi perceptível, ao longo dos encontros, o desenvolvimento do pensamento crítico e construtivo sobre a escola, as relações e os sentimentos de necessidades que se apresentam nas diferentes esferas do cotidiano das juventudes, como a percepção de cada um sobre suas potencialidades e talentos, vulnerabilidades e medos. Ficou evidenciada a conquista de um espaço criativo e dinâmico, pois enfatizavam frequentemente a relevância daquele espaço para que fossem ouvidos e pudessem discutir e aprender sobre si mesmos, sobre a escola e sobre as questões cotidianas.

Conforme apresenta o Ministério da Saúde (Brasil, 2002b), a escola deve assumir uma função social e política, comprometida com a transformação da sociedade através de práticas de cidadania e de ações que viabilizem a promoção da saúde, em diferentes dimensões. Além disso, considerando as contribuições de Paulo Freire (1996), propiciar condições para que os sujeitos, em suas relações uns com os outros, tenham a experiência de assumirem-se como seres históricos, sociais, criadores e pensantes é uma importante tarefa da prática educativo-crítica.

Portanto, acredita-se que, através do diálogo, do cuidado e do trabalho em grupo, foi possível consolidar recursos psicológicos e relações afetivas promotoras da saúde e bem-estar dos alunos na escola e fora dela. Por meio dessas práticas, concretizou-se o compartilhamento de valores como solidariedade e autonomia, possibilitando, assim, que os sujeitos se reconhecessem como agentes de transformação de seu entorno. Ao interiorizar as memórias individuais e coletivas construídas nesse espaço, o adolescente pôde cultivar experiências e saberes que contribuíram para seu crescimento e transformação saudáveis, ressignificando suas percepções sobre si, o outro e o mundo. Dessa maneira, como proposto por Dayrell e Carrano (2014), através das interações afetivas e simbólicas, as oficinas ganharam sentido, tornando-se um lugar de partilha e suporte para as relações que se estabelecem.

À vista disso, como colocado por Gomes e Horta (2010), a escola se revelou um importante espaço para a inserção de ações e atividades direcionadas ao acolhimento e envolvimento dos adolescentes no cuidado com a saúde. Além disso, destacou-se a necessidade de criar espaços de escuta dentro da escola, nos quais alunos e alunas se sintam seguros para pensar, refletir e dialogar sobre suas experiências e angústias, promovendo, assim, sentimentos de pertencimento, confiança e apoio para o enfrentamento dos desafios (Rossi et al., 2019).

Segundo Guimarães e Lima (2011), na medida em que o jovem aprende a articular o sofrimento pessoal e as experiências sociais, constrói uma visão de mundo mais pautada na consciência crítica. Dessa forma, acredita-se que as temáticas discutidas nas oficinas refletiram nas vivências pessoais e coletivas dos sujeitos, revelando-se como impulsionadoras da responsabilização e participação das juventudes em seu processo de saúde, por meio da concretização de projetos atrelados à qualidade de vida social, emocional e subjetiva.

1 – Destaca-se que, ao optarem por compor as oficinas, foi feito um convite aos pais e responsáveis para participarem de uma reunião de esclarecimentos e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Além disso, os alunos assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), para crianças e adolescentes, como prescrevem as normas de pesquisa com seres humanos, homologada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) Nº 510, de 07 de abril de 2016, nos termos do Decreto de Delegação de Competência de 12 de novembro de 1991 (BRASIL, 2016b). Dessa maneira, foram garantidos os cuidados éticos, como privacidade, anonimato, participação voluntária e possibilidade de desligamento da pesquisa a qualquer momento que julgasse necessário. Foi estabelecido um contrato pedagógico com os alunos e alunas participantes, para informar e discutir sobre a garantia de sigilo dos assuntos tratados naquele espaço e a importância do respeito à fala de cada um, a fim de proporcionar um ambiente democrático de liberdade e confiança. Cabe ressaltar que este projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o número do processo: 12993019.4.0000.5695, data de aprovação: 27/05/2019.
2 – Na montagem dos gráficos, os números foram aproximados para melhor visualização.
Sonia Maria Ferreira Koehler soniakoehler@hotmail.com

Centro Terapêutico/Guaratinguetá-SP, Brasl. Professora Titular Aposentada do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) - Campus Lorena, Brasil. Psicóloga e Pedagoga. Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. IPUSP, Brasil (2003). Mestre em Psicologia da Educação. PUCSP, Brasil (1995).

Nathália Garcia Panacioni Gonzales nathaliaggonzales@hotmail.com

Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL-Lorena), Brasil. Terceiranista do Curso de Formação em Psicologia - Bacharelado e Licenciatura. Bolsista BEXT-SAL, Programa de Bolsas de Extensão (BEXT-SAL 2019-2020). Integrante do Grupo de Estudos do Observatório de Violências nas Escolas, SP, Brasil.

Júlia Barbeito Marpica juliabarbeitomarpica@hotmail.com

Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL-Lorena), Brasil. Terceiranista do Curso de Formação em Psicologia - Bacharelado e Licenciatura. Bolsista BEXT-SAL. Programa de Bolsas de Extensão (BEXT-SAL 2019-2020). Integrante do Grupo de Estudos do Observatório de Violências nas Escolas, SP, Brasil.