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A pauta das jovens mulheres brasileiras junto ao governo federal

A construção dos espaços políticos pelas jovens feministas brasileiras

As jovens brasileiras representam, segundo dados do IBGE (2012), pouco mais de 50% da juventude, cerca de 25 milhões das brasileiras que apresentam identidades múltiplas e que, portanto, demandam ações do Estado atentas às suas especificidades. As jovens mulheres enfrentam obstáculos cotidianos para que possam exercer plenamente as suas capacidades, os quais tendem a ser intensificados a partir da interseção entre elementos como classe, território, cor e orientação sexual, impactando em sua possibilidade de mobilidade e ascensão social.

Múltiplos são os problemas vivenciados pelas jovens mulheres e, a partir da organização delas nos movimentos feministas e juvenis, contestam-se as desigualdades de gênero e geracionais decorrentes dos seus distintos pertencimentos (social, econômico, político, cultural). Com isso, são levantadas suas pautas de forma mais pontual no Brasil nos anos 1990, como resultado de uma transformação dos feminismos em várias sociedades.

Alguns acontecimentos marcaram a organização das jovens feministas brasileiras como atrizes políticas que lutam contra todas as opressões existentes na sociedade e que reivindicavam espaço mais amplo dentro dos movimentos feministas. O Fórum Cone Sul de Jovens Mulheres Políticas – Espaço Brasil, conhecido como “Forito”, criado em 2001 pela Fundação Friedrich Ebert (FES), representou um espaço importante de articulação que durou dez anos. Sendo um desdobramento do Fórum Cone Sul de Mulheres Políticas, projeto que reuniu feministas de partidos políticos progressistas da região para debater ações transformadoras para a igualdade, o Forito reuniu também mulheres que atuavam em outros espaços e nos diversos movimentos sociais.

Paralelamente ao Forito, em 2005, ocorreu no Brasil o 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe (Eflac), momento histórico que evidenciou com mais destaque a identidade jovem feminista brasileira. Segundo Zanetti (2009), 25% das participantes tinham menos de 30 anos e o tema juventude teve considerável destaque.

As jovens feministas vão ampliando sua atuação e ganhando visibilidade. O Encontro Nacional de Jovens Feministas, ocorrido em 2008, reuniu mais de 100 jovens feministas de vários estados do país para discutir a condição da jovem mulher e suas principais demandas em cada região.

No começo da década passada, especialmente nos anos 2001, 2002, 2003, 2005 e 2009, a presença organizada das jovens mulheres é notada nas manifestações alter-mundistas promovidas pelos Fóruns Sociais Mundiais (FSM) realizados no Brasil com o objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social global. As arenas políticas do FSM permitiram a troca de experiências e a busca de articulação com outros movimentos presentes no atual cenário político para criar alianças para o fortalecimento de suas reivindicações.

A articulação das jovens feministas se fortalece no campo discursivo da ação (Alvarez, 2014) e aos poucos se expande em direção à intervenção no Estado. A chegada do Partido dos Trabalhadores (PT), um partido de esquerda, ao governo federal brasileiro estimulou a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2003, e a criação da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), em 2005, simbolizando a abertura de novos espaços políticos para a apresentação de demandas desse segmento. As conferências organizadas por tais pastas para debater políticas mobilizaram jovens mulheres na esfera local, estadual e federal, resultando na construção de planos de políticas nacionais que expressam em suas diretrizes as demandas de diversos atores sociais, entre elas, as das jovens mulheres.

Contudo, tensões e conflitos estiveram presentes nesses espaços, marcados pela disputa por reconhecimento das jovens e o ambiente adultocêntrico, que as dificultavam de se colocar e pautar questões sensíveis, como o direito ao aborto. A incorporação das demandas das jovens mulheres nas ações propostas pela I, II e III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, ocorridas respectivamente em 2004, 2007 e 2011, deu-se, portanto, de forma gradual.

O fato de as conferências contarem com a presença de uma diversidade de grupos, inclusive, conservadores, fez com que as jovens tivessem de disputar espaço para convencer o público de que elas não estão contempladas nas políticas públicas para mulheres, uma vez que estas tendem a não considerar o recorte etário. Apenas na terceira conferência, as jovens obtiveram mais êxitos, sendo reconhecidas no plano nacional de uma forma mais específica e menos generalista.

Para Silva (2009), apesar de haver menções às jovens mulheres no I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), ao citar vários segmentos de mulheres, esta se trata de uma alusão formal, pois elas são contempladas apenas em ações isoladas ligadas à inserção no mercado de trabalho e à autonomia econômica, nos tópicos de educação e de abuso sexual contra crianças e adolescentes.

No que diz respeito ao II PNPM, nota-se um avanço ao evidenciar em todos os eixos temáticos a presença de ações específicas voltadas para jovens mulheres. Além disso, surgiu também um eixo específico voltado para o enfrentamento das desigualdades geracionais, com foco nas mulheres, jovens e idosas.

O III PNPM é o plano que dá maior abertura à pauta das jovens mulheres e, em seu décimo capítulo, aborda a igualdade para mulheres jovens, idosas e mulheres com deficiência. Além desse capítulo, nota-se a menção às jovens mulheres ao longo do terceiro plano, o que demonstra o reconhecimento da particularidade da sua identidade e que esse segmento gradualmente tem pautado suas demandas.

No III PNPM, podem ser vistas ações que sinalizam a possibilidade de um diálogo transversal entre a SPM e a SNJ, como: estabelecer parceria entre o Observatório de Gênero (SPM) e o Observatório Participativo da Juventude (SNJ) para produção, fomento e publicação de estudos, pesquisas, dados e indicadores sobre a igualdade de gênero e juventude; realizar a jornada de formação de jovens mulheres; e estimular instituições públicas a elaborar programas, projetos e ações para mulheres jovens e meninas.

Ao observar os três planos construídos a partir de uma intensa participação popular que envolveu uma diversidade de mulheres organizadas ou não em movimentos sociais, as demandas das jovens mulheres, muitas vezes, foram vistas como “naturalmente” incorporadas à pauta geral das mulheres, sem o recorte para as suas especificidades, algo também vivenciado por outros segmentos, como o das mulheres idosas. Assim, o esforço pela disputa de espaço não se dá apenas no campo institucional, mas também no campo dos movimentos sociais – embora, como é possível notar, os movimentos feministas jovens tenham marcado uma presença significativa na sociedade brasileira, especialmente a partir dos anos 2000.

Além das arenas políticas oportunizadas pelas referidas conferências de políticas para as mulheres, as jovens feministas demonstraram sua mobilização nas duas Conferências Nacionais de Políticas Públicas para a Juventude, ocorridas em 2008 e 2011. Como resultado da primeira conferência, foram elencadas 22 prioridades de ação para a construção de uma política nacional de juventude. Entre elas, destaca-se a necessidade de implementar políticas públicas de promoção dos direitos sexuais e direitos reprodutivos das jovens mulheres, garantindo mecanismos que evitem mortes maternas, aplicando a lei de planejamento familiar, disponibilizando o acesso a métodos contraceptivos e a legalização do aborto.

A segunda conferência contou com a participação significativa das jovens mulheres, que conseguiram aprovar, no eixo 3 da conferência, “Direito à experimentação e qualidade de vida”, propostas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos das jovens mulheres, como garantir o acesso das mesmas aos exames preventivos e à vacina gratuita contra o vírus do papiloma humano (HPV), com atendimento humanizado, garantindo o acesso aos medicamentos e a descriminalização e legalização do aborto, situando-o como um grave problema de saúde pública que exige atendimento humanizado às jovens mulheres em situação de abortamento. Propuseram também promover os direitos sexuais e reprodutivos da juventude, tais como a distribuição de preservativos femininos e da pílula do dia seguinte no Sistema Único de Saúde e nas farmácias populares. No eixo 5, “Direito à participação”, uma das propostas aprovadas destaca que os Conselhos de Juventude no Brasil devem se constituir, garantindo a participação das mulheres.

Em resposta a essas articulações capitaneadas pelas jovens mulheres, os governos brasileiros, especialmente durante a gestão do Presidente Lula e da Presidenta Dilma (2003 a 2016), passam a reconhecer a necessidade de se ter ações focadas nesse segmento da população. Contudo, é importante pontuar que as ações previstas nos planos de políticas públicas para as mulheres e para a juventude, que foram construídas de forma democrática nos espaços das conferências, apresentam muitos desafios para ser implementadas. Afinal, a transição entre governos tende a enfraquecer essas ações que não alcançaram status de política de estado e a falta de diálogo e compromisso dos gestores públicos federais, estaduais e municipais com a pauta das jovens mulheres prejudica sua institucionalização e ampliação.

Cynthia Mara Miranda cynthiamara@uft.edu.br

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB), Brasil. Professora do Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal do Tocantins, Brasil.

Ana Laura Lobato analaura.lobato@gmail.com

Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Brasil. Foi Assistente de Pesquisa de Gênero e Raça no Instituto de Pesuisa Econômica Aplicada - IPEA, Brasil, consultora das Nações Unidas para temática de gênero e juventude nas políticas públicas junto à Secretaria Nacional da Juventude, Brasil.