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Escola e Projetos de Vida: o que dizem os(as) jovens sertanejos(as) de Alagoas

“Já estamos no 3° ano do ensino médio, agora vai ou vai, não tem essa de ficar em dúvida”4

Para os(as) jovens do último ciclo da educação básica, os convites à reflexão sobre o futuro desencadeiam conflitos para além do aspecto profissional, fazendo emergir tensões amorosas, familiares e sociais que podem influenciar perspectivas e projetos. Sob esse aspecto, é importante que ações pedagógicas realizadas no ambiente escolar pautem-se em ampliar o acesso a informações e orientações sistematizadas, colaborando na elaboração de projetos e identificação de meios para torná-los concretos.

Weller (2014, p. 141), discutindo tais questões, assevera não existir “receitas prontas para a atuação da escola junto aos jovens na construção de projetos de longo prazo. Mas, um olhar mais atento às biografias desses jovens e às demandas que são trazidas para a escola” é essencial, pois em geral os projetos envolvem a ideia de sucesso ou fracasso na vida:

Tipo a gente que precisa estudar para o Enem, eu mesmo faço cursinho. Daí eu tenho que estudar para a escola e no cursinho para o Enem. Aí a gente fica, tipo, pensando: Meu Deus, se a gente não passar esse ano? O que vai acontecer depois? A gente fica em casa, sem conseguir ter passado na faculdade. Não vai mais para a escola, vai ficar só em casa. (Pausa). Aquela coisa né, a gente fica aflito (aluno do período matutino, abril de 2017).

Tal preocupação estende o debate para outro ângulo. Estamos falando de jovens que residem no sertão do estado de Alagoas, numa cidade distante da capital (Maceió), cujas oportunidades de trabalho permeiam as atividades laborais de agricultura, comércio ou nas instâncias públicas, a saber: a prefeitura, com baixos salários e jornadas exaustivas, nas quais seus familiares, sobretudo os pais, estão envolvidos. Logo, a conclusão do ensino médio e a continuidade dos estudos, por meio do ingresso no nível superior ou profissionalizante, representam o rompimento desse ciclo e a possibilidade, mesmo que incerta, de alçar voos mais altos, em especial para longe do sertão. Podemos afirmar que os projetos de vida já não são os mesmos fomentados pela teoria clássica de ruralidade, cujos mais novos herdam a responsabilidade em assumir o ofício da família. Compartilhando as premissas de Carneiro (2005), os(as) jovens rurais identificam a escolarização como mecanismo elementar para a superação de seu respectivo status social, sendo, em muitas situações, a alternativa mais segura e disponível para a melhoria de vida da própria família:

A gente tem o grande desejo de poder se estabelecer na vida, de também poder ajudar os nossos pais, mas a gente fica, tipo, com esse medo de não conseguir chegar onde a gente quer né e acabar se atrapalhando no caminho. (Aluno do período vespertino, abril de 2017).

Os depoimentos supracitados, carregados de emoções e medos, levam a refletir sobre o peso da responsabilidade em assegurar um futuro de sucesso para si mesmo e, ao mesmo tempo, oferecer aos pais estabilidade e segurança, especialmente na velhice. Desse modo, o último ano do ensino médio se configura, para muitos desses jovens, como um processo angustiante, já que as incertezas do porvir estão latentes e deles dependem outros sujeitos. Além desse agravante, as entrevistas reverberaram os entraves que permeiam a juventude e podem pôr em xeque os planos que estão sendo traçados. Os entraves citados pelos(as) jovens consistem na maternidade e paternidade precoce, o namoro e o desempenho de atividades laborais em paralelo aos estudos, reduzindo o horário de aprendizagem e a impossibilidade de ingressar na universidade na primeira tentativa.

Paralelamente aos riscos, os(as) jovens indicaram suas táticas para não desviar a atenção dos estudos. A principal tática consistiu em abrir mão dos momentos de descontração, assim exposto por um integrante da entrevista do período matutino, ao relatar sobre sua participação mínima no coro da igreja católica devido à sobrecarga de trabalhos escolares:

[…] tipo, eu que participo muito de ensaios, aí depois que eu comecei a fazer o cursinho eu já não pude participar dos ensaios, porque tive que dá prioridade ao curso. Eu queria, mas sabia que não podia ir lá, entendeu? Tinha que tá no cursinho (Aluno do período matutino, abril de 2017).

A narrativa acima permite observar que entre a escola e a universidade há, segundo Teixeira (2011, p. 29), uma longa travessia, sinuosa e desafiadora, a qual se estabelece muito antes da entrada no ensino médio, “se inscreve em toda a trajetória socioeducacional que o antecede, ainda que o ensino médio seja identificado, em geral, como a antessala do vestibular, estágio crucial para o ingresso na universidade”. Enquanto antessala do ensino superior, os(as) jovens do turno vespertino entrevistados se recordaram de amigos(as) tragados(as) por situações adversas, interrompendo a travessia do ensino médio. Algumas jovens haviam interrompido os estudos ou transferido seu horário de frequência à escola para o turno noturno devido às obrigações da maternidade. Quando não existia a possibilidade de deixar os filhos aos cuidados dos pais, avós ou terceiros, as jovens os levavam à sala de aula, fato observado na aplicação do questionário.

Por outro lado, os dados obtidos no questionário estruturado demonstram que, apesar dos desafios entre a vida pessoal e o ritmo escolar, a maioria dos envolvidos na pesquisa era do sexo feminino, como indicamos anteriormente (52,6%). Esse dado nos aproxima das ponderações de Alves e Dayrell (2005), ao asseverarem que as mulheres, em especial aquelas oriundas dos espaços rurais, não desejam reproduzir os caminhos de seus familiares.

No trilhar das proposições, fica evidente a relação entre as experiências singulares dos(as) jovens e a mobilização para a escolarização, pois estes se inclinam a aprender aquilo que de alguma forma lhes desperta um significado para a vida. Segundo Charlot (2000, p. 64), “o valor e o sentido do saber nascem das relações induzidas e supostas por sua apropriação. […] um saber só tem sentido e valor por referência às relações que supõe e produz com o mundo, consigo e com os outros”. Concomitantemente, é oportuno considerar que as relações que atribuem sentidos aos saberes estão inscritas numa relação de tempos que não se esgotam, porém se entrecruzam. Conforme Charlot (2000, p. 79), “esse tempo não é homogêneo, é ritmado por momentos significativos, por ocasiões, por rupturas; é o tempo da aventura humana, a da espécie, a do indivíduo”. Sendo assim, não se deve esquecer que os modos como os(as) jovens se tornam alunos(as) distinguem-se por suas biografias e carregam marcas de seus lugares. Em outras palavras, não há como universalizar o percurso escolar.

Nessa vertente, é interessante que os ambientes educacionais mostrem-se comprometidos em discutir junto aos jovens os mecanismos de exclusão social que inibem os projetos de vida, uma vez que o acesso aos bens culturais não se apresenta em parâmetros de igualdade em nossa sociedade. Leão et al. (2011, p. 1083) comentam que “além deles se verem privados […] do acesso às condições materiais de vivenciarem a sua condição juvenil, defrontam-se com a desigualdade no acesso aos recursos para lidar com esta nova semântica do futuro, dificultando-lhes a elaboração de projetos”. Nesse jogo de forças, reconhecemos que os projetos dos(as) jovens estão inscritos numa lógica própria, porém entrecortada por outros espaços, que podem gerar mudanças em sua consolidação. Colocar os espaços e os projetos em pauta na organização pedagógica é considerar as vozes juvenis ecoadas entre os corredores da escola.

No decorrer das entrevistas, os(as) alunos(as) retomaram a necessidade de situações de descontração na escola, a fim de amenizar as cobranças que fazem a eles mesmos, as cobranças da instituição e principalmente as expectativas dos pais. Propuseram a música como alternativa, pois oportuniza diálogos grupais sobre os estilos musicais prediletos, compartilham novos ritmos, cantam e dançam juntos, fomentando uma maior aproximação e até mesmo abertura ao desconhecido:

É só dever, dever toda hora… Acho que seria legal se a gente, tipo, na hora do lanche, como tem em outras escolas, por exemplo, que lá no pátio onde ficam eles tem caixas de som espalhadas onde eles podem ouvir na hora do intervalo, acho que seria muito melhor pra gente, né… Porque a gente vive nessa pressão de tipo, é intervalo, mas eu já tô pensando no que vou fazer na próxima aula, eu tenho que fazer trabalho, atividade que é muito constante e provas. E, tipo, se tivesse na hora do intervalo, nossa hora mais descontraída de encontrar aqueles amigos que estudam em outras salas, se tivesse um pouco de música lá… Pelo menos uma caixinha! (Aluno do período matutino, abril de 2017).

Diante da fala acima, nos parece oportuno retomar a reflexão de Dayrell (2001, p. 139) ao pronunciar não ser “coerente que o processo de ensino/aprendizagem ocorra numa homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para todos”, reduzindo as diferenças sociais a problemas de ordem cognitiva, tampouco negando a viabilidade de conciliar as responsabilidades escolares com momentos de descontração na mesma. O desafio da escola residiria em transcender a reprodução de conteúdo, buscando vínculos entre a vida e o tempo na escola.

Enfim, “já estamos no 3° ano do Ensino Médio, agora vai ou vai, não tem essa de ficar em dúvida”, (Aluno do período vespertino, abril de 2017), enseja a realidade descrita neste artigo, circunscrita de tensões e vontades. Os projetos juvenis não estão fadados à herança familiar ou condição de classe, mas estão vinculados às experiências vividas em diferentes contextos de sociabilidade, entre eles o espaço escolar, com suas culturas, dinâmicas, interações, normas e regras. Sendo este o ambiente máximo para potencializar os sonhos, mediar os desafios e revelar os(as) jovens existentes nos alunos(as).

4 – (Aluno do período vespertino, abril de 2017).
Isabel Cristina Oliveira da Silva belcrysos@hotmail.com

Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Brasil. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Brasil. Membro do grupo de pesquisa “Juventudes, Culturas e Formação” (CEDU/UFAL).

Ana Maria Freitas Teixeira anabrteixeira@hotmail.com

Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Paris 8-França. Professora associada da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (UFRB/CECULT), Brasil.