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Juventude em conflito com a lei: expressões objetivas e subjetivas das opressões em capitais do Nordeste brasileiro

Não é conclusão: é luta contínua!

Chegamos ao entendimento de que as formas de sobrevivência objetiva e subjetiva das juventudes, por meio da economia informal e/ou subterrânea, por meio do tráfico de drogas, não são fáceis de gerir. Embora muitos jovens procurem sair dessas relações, esbarram nas dificuldades do mercado de trabalho e nas exigências da chamada empregabilidade, que não possuem.

A violência, o medo, o estigma empurram as pessoas e grupos à subordinação e também a várias formas de revolta. Para os jovens negros e pertencentes às camadas mais pobres da classe trabalhadora, são imensas as dificuldades para ativar as potencialidades adquiridas ao longo de suas trajetórias. Dessa forma, para não ficarem prisioneiros da invisibilidade perpétua, em busca de pertença, reconhecimento e filiação, alguns desses jovens transformam a vergonha e a violência em orgulho, graças à ambição e à inversão de alguns sentidos socialmente aceitos.

Assim, não nos sentimos à vontade para falar em conclusão, dada a complexidade que o tema abarca e as sobreposições de várias formas de opressão, o que demanda estudos continuados e em contextos diversos, de modo que possamos encontrar as similitudes que afetam juventudes pelo mundo do capital.

No atual quadro de desinvestimento nas políticas sociais, urge mais contundentemente a implementação de ações no sentido de reconhecimento, valorização, pertencimento, filiação dos jovens em situação de pobreza, de forma presente e permanente, com eles e para eles, efetivamente. Sabe-se que os caminhos apoiados pelo Estado brasileiro e pelas elites são: empreendedorismo; voluntarismo; transferência da execução de serviços ao chamado Terceiro Setor ou diretamente ao setor privado; além da tal responsabilidade social. Evidentemente, iniciativas da sociedade civil pelo atendimento a essas populações são importantes e bem-vindas, mas não podem substituir as obrigações do Estado e da iniciativa privada, tampouco enfraquecer a compreensão de que não é favor, é direito.

Desse modo, quando o Estado não assume as suas funções, as chamadas instâncias socializadoras, como a família e a escola, não têm os meios objetivos para assumir funções que não são da sua responsabilidade e muito menos para assumi-las de forma isolada. A ausência do Estado dá espaço para a intervenção, inclusive, do lado dos criminosos. O tráfico e o crime nas periferias são a expressão simultânea de proteção e ameaça contra os habitantes. Deve-se considerar que todos os jovens entrevistados foram denunciados por um conhecido, pertencente à comunidade onde residem ou residiam, demonstrando a ambiguidade e perversidade que esse universo carrega consigo.

Pequenas sugestões para sair, ou mesmo não entrar, das situações de conflito com a lei foram dadas pelos jovens entrevistados: a importância de receber apoio da família; frequentar boas escolas de dois turnos; ter atividades de lazer e esporte adequados; serem orientados sobre desenvolvimento cultural; terem acesso à profissionalização de qualidade e acompanhada de oportunidades de trabalho; e, por fim, receber bons conselhos, que poderiam ser de outros jovens que já vivenciaram essas situações.

Desse modo, pode-se perceber que as formas de enfrentamento não são novas, mas estão na contramão dos interesses dos que detêm os poderes econômico, político, de mídia e, mais ainda, estão na contramão deste tempo histórico de avanço do neoliberalismo com nuances de fascismo no Brasil, contexto este que ocupa atualmente preocupações e angústias, principalmente de estratos menos abastados da população.

Ainda que em tonalidade paliativa, pensamos que, mesmo dentro do capitalismo dependente brasileiro, não se podem mais adiar ações públicas sistemáticas para e com esta fatia populacional, ações dotadas de acompanhamento e qualificação, a partir do reconhecimento do lugar de classe, raça, gênero e encorajamento da força do coletivo, via estratégias da arte, da corporalidade, da memória e da ancestralidade.

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Resumo

Neste artigo, foi sistematizada sinteticamente a pesquisa de doutoramento realizada com jovens entre 15 e 24 anos, nordestinos, negros, do sexo masculino, em medida socioeducativa em meio aberto, objetivando estudar os efeitos da transmissão/opressão geracional da pobreza, da racialização e do gênero ante as condições materiais objetivas e subjetivas dos referidos jovens diante do recrudescimento do neoliberalismo brasileiro. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, cujas análises — vertical e horizontal — foram fundamentadas no materialismo histórico-dialético. Na composição do marco teórico e aproximação com pesquisas similares, percebeu-se a capilarização do sistema punitivista que encarcera em massa e mata a juventude negra, além da crescente criminalização dos movimentos sociais que reagem. Resultaram das análises impactos no sentido de reconhecimento, valorização, pertencimento, filiação, virilismo, articulados à desproteção social das famílias e manutenção do familismo pelas políticas sociais, à monoparentalidade feminina e à criminalização da pobreza através da atual política de drogas, ocasionando opressões superpostas.

Palavras-chave: pobreza, juventudes, conflito com a lei, neoliberalismo, opressão.

Data de recebimento: 24/06/2020
Data de aprovação: 13/10/2020

Juventud en conflicto con la ley: expresiones objetivas y subjetivas de las opresiones en capitales del Nordeste brasileño

Resumen

En este artículo se sistematiza sintéticamente la investigación doctoral realizada con jóvenes de entre 16 y 24 años, de La Región Nordeste en Brasil, negros, hombres, que están en cumplimiento de una medida socioeducativa abierta, con el objetivo de estudiar los efectos de la transmisión/opresión generacional de la pobreza, la racialización y el género, en vista de las condiciones materiales objetivas y subjetivas de estos jóvenes frente al recrudecimiento del neoliberalismo brasileño. Se han realizado entrevistas semiestructuradas, cuyos análisis, vertical y horizontal, están basados en el materialismo histórico-dialéctico. En la composición del marco teórico y cuando se acerca a investigaciones similares, se ha observado la capilarización del sistema punitivo que encarcela masivamente a la juventud negra, además de la creciente criminalización de los movimientos sociales que reaccionan. Los análisis resultaron en impactos hacia el reconocimiento, la valorización, la pertenencia, la afiliación, el virilismo, articulados a la desprotección social de las familias y el mantenimiento del familismo mediante políticas sociales, la monoparentalidad femenina y la criminalización de la pobreza a través de la actual política de drogas, que ocasionan opresiones superpuestas.

Palabras clave: pobreza, juventudes, acto delictivo, neoliberalismo, opresión.

Youth in conflict with the law: objective and subjective expressions of oppression in the capitals of Brazil’s Northeast Region

Abstract

This article synthesized the doctoral research made on 15-24 year olds, Northeastern brazilians, black, in open social-educational measure, aiming to study the effects of generational transmission/oppression of poverty, racialization and the gender, in view of the objective and subjective material conditions of those young men facing the resurgence of Brazilian neoliberalism. Semi-structured interviews were conducted, whose analysis — vertical and horizontal — were based on historical-dialectical materialism. In the composition of the theoretical basis and approximation with similar researches, it was noticed the capillarization of the punitivist system, that massively incarcerates young black people and commits black genocide, besides the increasing criminalization of social movements that react to this. Impacts, in the sense of recognition, valorization, belonging, affiliation, virilism, articulated to the social unprotection of families and maintenance of familism by social policies, female single parenting and the criminalization of poverty through the current drug policy resulted from this analysis, entailing in overlapping oppressions.

Keywords: poverty, youths, conflict with the law, neoliberalism, oppression.

Samira Safadi Bastos samira.safadi@ufba.br

Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil, mestre em Família pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), Brasil, doutora na área de Infância e Juventude pela Université de Mons, Bélgica, e tutora da Residência Desenvolvimento Infantil pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA).