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“Mostre-me a sua vida”: a caminhada guiada pelo bairro e o jogo de associações na pesquisa qualitativa com jovens¹

Reflexões metodológicas a nível de conclusão

Como já vimos, as duas técnicas têm vantagens e desvantagens. A caminhada guiada pelo bairro é uma técnica muito útil para explorar as relações entre o espaço geográfico e a realidade dos jovens e serve para sublinhar a grande importância dos lugares (que permitem, expressam, inibem, transmitem) na vida dos e das jovens. No entanto, isso se aplica principalmente àqueles e àquelas jovens que têm um relacionamento com o ambiente, com locais públicos. Por outro lado, muitos e muitas jovens dão pouca importância a lugares fora dos espaços privados e habituais (a escola, etc.) e, portanto, não querem realizar a caminhada guiada. Lembro-me especialmente de um garoto de família catalã-dominicana que se recusou a dar um passeio no bairro “porque estava muito quente”, porque ele era “muito preguiçoso”… mas que me mostrou nas conversas subsequentes não ter nenhum relacionamento com o bairro onde morava nos fins de semana com a mãe, dado que ia para a casa do pai e de lá para o internato (espaço bastante fechado e controlado onde ele morava durante a semana), com pouco contato com o espaço exterior.

Ou seja, a técnica é proveitosa quando os e as jovens sentem uma identificação mínima com seu entorno imediato, quando gostam de se deslocar pelo bairro e também de se movimentar. Também deve ser levado em consideração que requer algum tempo de realização (1-2 horas) e que depende das condições climáticas. De fato, em alguns casos, tive que cancelar os passeios já acordados por causa de chuva e assim trocar de técnica. Em alguns casos, optei, por exemplo, pelo jogo de associações ou pelo mapa mental; atividades que podem ser realizadas em casa sem muita preparação.

De qualquer forma, a caminhada pelo bairro funcionou em muitos casos como primeiro contato e como uma maneira informal e agradável de iniciar conversas sobre os interesses e atividades dos e das jovens. Acima de tudo, no caso de jovens tímidos ou desconfiados, a caminhada permite conversar sobre tópicos e fazer perguntas andando ao lado do e da jovem, sem precisar olhar nos olhos deles e delas. Essa forma elimina a sensação de estar sendo observado ou estar sendo o foco de atenção do pesquisador ou da pesquisadora e suaviza a dinâmica de entrevistas mais clássicas, como sentar de frente um ao outro, olhar nos olhos etc. A caminhada pelo bairro abriga, acima de tudo, uma grande fortaleza: conversar com jovens sem a presença de suas famílias e fora do alcance do controle parental e escolar (a casa, o lar, o colégio). Isso permite, em diferentes casos, que os e as jovens se atrevam a falar mais abertamente sobre suas coisas e até expressar críticas a suas famílias ou contar o que está acontecendo em casa. No entanto, é uma técnica que exige que famílias e jovens confiem no pesquisador ou na pesquisadora. Na maioria das vezes, as mães (que ocupavam, mais do que os pais, o papel de cuidadora e educadora) me perguntavam “mas por que você quer sair sendo que estamos tão bem aqui em casa?”, expressando desconfiança de mim, mas também do espaço público e dos seus perigos (dependendo do bairro em questão). Isso foi percebido mais em famílias da classe média alta do que na classe baixa. Portanto, foi positivo ter conversado, a priori, com os e as jovens e suas famílias em reuniões informais, para estabelecer relações de confiança anteriores.

O jogo da associação é uma técnica que complementa muito bem outras técnicas de pesquisa, como conversas, caminhadas, mapas mentais, observação participante ou questionários. Por sua dinâmica, é uma boa técnica para se ter à sua disposição, caso haja pouco tempo, quando as conversas não são fluidas ou os e as jovens se recusam a realizar outras atividades planejadas (e é necessário improvisar). Torna-se uma atividade frutífera com jovens com alto nível de imaginação e reflexividade, pois, assim, as associações geram poderosas imagens, ideias e discursos que complementam muito bem as histórias de vida. Também foi uma técnica ideal para jovens com poucos recursos retóricos, uma vez que o jogo pode funcionar como um impulso para refletir sobre algum assunto, que pode ser aprofundado em perguntas consecutivas. Ou seja, a técnica permite criar um segmento estruturador para uma conversa. Não substitui uma narrativa própria, mas pode fornecer informações interessantes quando interpretamos identidades e senso de pertencimento.

Além disso, os e as jovens não têm a sensação de serem submetidos a um interrogatório, mas estão participando em um jogo simples. Nesse sentido, o jogo é mais atraente e divertido para os e as jovens do que uma simples entrevista. Além disso, como expliquei anteriormente, o jogo pode gerar associações surpreendentes, que não sairiam dessa maneira em conversas ou entrevistas, as quais vale a pena investigar. Do meu ponto de vista, o jogo permite uma associação espontânea, que pode contradizer ou sair de discursos internalizados. Porém, observei que, no caso de jovens com alto nível de retórica – ou seja, quando são capazes de fornecer informações extensas e contextualizadas sobre si mesmos e sua visão de mundo – o jogo das associações não é particularmente útil, já que narrativas livres – expressas em conversas – são mais sugestivas. Mas, embora não forneçam muitas informações novas, as associações podem confirmar opiniões e posições já expressas anteriormente.

No caso da minha pesquisa, essas duas técnicas de pesquisa, a caminhada guiada e o jogo das associações, foram uma parte fundamental do conjunto de técnicas e foi precisamente esse conjunto que me proporcionou uma abordagem flexível, interativa, dinâmica e bem-sucedida para as realidades da juventude. Em todo o momento, as técnicas podem ser interpretadas como recursos flexíveis, não como técnicas imóveis. Atividades que vão contra a dinâmica e a personalidade dos e das jovens não devem ser forçadas. Ou seja, as técnicas devem sempre ser adaptadas à personalidade e às preferências do ou da informante. Durante todo esse processo, devemos, como pesquisadores e pesquisadoras, agir com grande sensibilidade e olfato, para saber quais ações executar a cada momento, sempre com o objetivo de fornecer informações ricas, contextualizadas e eticamente responsáveis.

A caminhada pelo bairro e o jogo das associações fazem parte de novas abordagens e iniciativas de pesquisa social com jovens. Aplaudo as tendências que respeitam cada vez mais as particularidades, características e dinâmicas do mundo juvenil e que também suavizam as relações de poder existentes entre adultos e jovens com técnicas participativas e interativas. Convido pesquisadores e pesquisadoras – especialmente jovens – a continuar explorando, de maneira interdisciplinar, novos caminhos metodológicos e a serem inspirados, não apenas pela razão, mas também pela intuição e emoção.

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Resumo

Neste artigo exponho duas técnicas inovadoras para a pesquisa social e qualitativa com jovens: A caminhada pelo bairro e o jogo de associações. Formam parte de um conjunto de 10 técnicas de investigação que apliquei na minha pesquisa doutoral sobre identidade e identificações de jovens de famílias dominicanas e equatorianas em Barcelona. Demarcando as duas técnicas na minha aproximação metodológica à investigação, detalho o procedimento delas e minha experiência na sua utilização. Compartilho, ao final, minhas reflexões metodológicas sobre elas e sobre a investigação social com jovens de maneira geral.

Palavras-Chave: pesquisa social com jovens, metodologia qualitativa, caminhada pelo bairro, jogo de associações, identidade juvenil.

Data de recebimento: 15/02/2020
Data de aprovação: 28/06/2020

Abstract
“Show me your life”: the guided walk and the association game in qualitative research with young people

In this article I expose two innovative techniques for qualitative social research with young people: The guided walk through the neighbourhood and the association game. They are part of a set of 10 research techniques that I applied in my doctoral research on the identities of young people from Dominican and Ecuadorian families in Barcelona. Framing the two techniques in my methodological approach, I detail the procedure of the two techniques and my experiences with them. Finally, I share methodological reflections about them and social research with young people in general.

Keywords: social research with young people, qualitative methodology, guided walk through the neighbourhood, association game, youth identity.

Nele Hansen Nele.hansen@upf.edu

Doutora em Antropologia Social e Cultural pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha. Atualmente é gerente de projeto do projeto de pesquisa ERC TRANSGANG. Participa como pesquisadora de pós-doutorado em vários outros projetos nacionais e europeus do grupo de pesquisa JOVIS.COM, Universitat Pompeu Fabra, Departamento de Comunicação, Barcelona (Espanha), como CHIEF (Patrimônio cultural e identidades do futuro da Europa), SLYMS (aprendizagem sociocultural da juventude nas sociedades móveis) e ACTIFEM (Ativismos em feminino).