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Projeto de Vida Titanzinho: jovens e direitos humanos

Introdução

O Serviluz é uma comunidade localizada na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. O bairro é conhecido por esse nome devido à Companhia de Serviços de Força e Luz (Serviluz), que era ponto de referência para a localização do lugar. Formalmente, o Serviluz está situado do Cais do Porto ao Vicente Pinzón, ou seja, é uma faixa de praia que ocupa pouco mais de três quilômetros, localizando-se próxima da zona portuária (Nogueira, 2014).

A comunidade é uma ocupação urbana formada na segunda metade do século XX, tendo surgido em decorrência da construção do porto. O local no qual a comunidade se encontra hoje foi um terreno cedido pela Marinha. Na década de 70, a capitania dos portos removeu moradores da Praia Mansa, que é uma região próxima, realocando-os para um terreno um pouco mais afastado, próximo ao Farol do Mucuripe. Os moradores não receberam nenhum tipo de indenização após essa ação e construíram suas casas com recursos próprios (Nogueira, 2007; Nogueira, 2017).

O bairro não apenas recebe descaso do governo nesta década, mas sua criação e desenvolvimento são permeados, historicamente, por ameaças e interesses do mercado imobiliário. As transformações econômicas e sociais, como a construção do novo cais do porto, a crise na pesca, a seca da cidade e as mudanças na indústria influenciaram a história do bairro, contribuindo para as situações de miséria, medo e violência (Nogueira, 2007). A região confronta-se com os projetos turísticos para a cidade, além de existir diversos projetos que planejam a retirada de uma grande parcela dos moradores do bairro (Brasil, 2014).

Em 2010, a comunidade possuía 22.382 moradores, estando 20% dessa população na faixa etária entre 15 e 24 anos, ou seja, 4.565 das pessoas que compõem o Serviluz são jovens (IBGE, 2010).

Dados de 2010 do Instituto de Pesquisa Estatística Aplicada (IPEA) apontaram que, em Fortaleza, 11,48% dos jovens de faixa etária entre 15 e 24 anos se encontravam em situação de vulnerabilidades, sem trabalhar e estudar. O afastamento da escola é apontado como uma preocupação, principalmente em lugares com alto índice de violência, por propiciar maior vulnerabilidade de adolescentes frente ao homicídio (IPLANFOR, 2015). No mesmo ano, foi realizado o cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano por Bairro (IDH-B), que contempla três indicadores: média de anos de estudo do chefe de família; taxa de alfabetização e renda média do chefe de família (em salários mínimos), variando entre 0 e 1. De maneira mais específica, o bairro Cais do Porto encontra-se com IDH-B de 0,224, podendo ser considerado muito baixo (IBGE, 2010).

De acordo com o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência – CCPHA (2016), em 2015, um total de 387 meninos e meninas de idades entre 10 e 19 anos foram mortos na cidade de Fortaleza, capital do Ceará. O Vicente Pinzón aparece como o quarto bairro de Fortaleza com o maior número de homicídios de adolescentes (13) (Relatório Final do Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, 2016).

O Governo do Estado do Ceará dividiu o estado em 18 Áreas Integradas de Segurança (AIS), sendo a AIS 1 composta pelos bairros Cais do Porto, Vicente Pinzón, Mucuripe, Aldeota, Varjota, Praia de Iracema e Meireles. Essa área teve, no ano de 2014, um total de 177 homicídios e, em 2015, houve uma diminuição de 7,9% nesses crimes, tendo como resultado final 163 mortes (IPLANFOR, 2015).

O Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídio na Adolescência (2016), além de realizar um diagnóstico sobre os homicídios de adolescentes no estado do Ceará, também, propõe 12 recomendações para o combate ao homicídio de adolescentes. Entre elas, está a ampliação de rede de programas e projetos sociais a adolescentes.

Diante desse contexto, no ano de 2015, foi desenvolvida, por uma psicóloga e duas estudantes de Psicologia, uma proposta que trabalhou a temática “projeto de vida” com jovens da comunidade do Serviluz, orientando-os para o mercado de trabalho. O grupo passou a atuar na praia do Titanzinho, localizada no bairro, especificamente, na Escola Beneficente de Surf do Titanzinho, lugar onde já existiam atividades de esporte, música e lazer, que cedeu seu espaço físico para a atuação.

No ano seguinte, com um formato semelhante, mas com objetivo diferenciado, o projeto passou a se denominar Projeto de Vida Titanzinho, com a finalidade de provocar reflexões e discussões críticas sobre o autoconhecimento e conhecimento do contexto social, passando a trabalhar o tema de Direitos Humanos por meio da facilitação de grupo com jovens. O autoconhecimento e conhecimento do contexto social são embasados, principalmente, pelas perceptivas da Identidade Social (Tajfel, 1982) e Conscientização (Freire, 2016).

A Identidade Social é a comparação que a pessoa estabelece entre os grupos aos quais pertence e aqueles que considera alheios. Essa formação do grupo pode ocorrer, inicialmente, por pressões sociais externas e, só depois de algum tempo, ocorre a construção de uma consciência social de pertencimento ao grupo. Como forma de defesa, os grupos minoritários têm buscado um fortalecimento por meio da valorização de uma identidade, reavaliando suas características consideradas desfavoráveis, internamente e externamente ao grupo, de maneira a transformar essa identidade, procurando, no passado do grupo, tradições e atributos para serem revitalizados e valorizados (Tajfel, 1982).

Ainda no que concerne à visualização de grupos minoritários ou oprimidos, como Freire (2016) nomeia, a conscientização aparece como resultado de uma linha de ação pedagógica crítica, que seria “uma captação correta e crítica dos verdadeiros mecanismos dos fenômenos naturais ou humanos” (p. 77). Uma vez que ocorre a tomada de consciência, as pessoas teriam propriedade sobre as situações que vivenciam e buscariam transformá-las. Assim, as atividades que buscam a conscientização devem estimular o pensamento crítico e a libertação, por meio do diálogo, incentivando atividades intersubjetivas a partir das quais os atores produzem, partindo de suas realidades vivenciadas. Segundo Freire (2016), quanto mais as pessoas refletirem sobre a sua própria existência, mais poderão intervir sobre ela.

Para que haja uma mudança interna e externa da percepção sobre o grupo, são necessárias estratégias coletivas (Valentin, 2008). Sendo assim, as duas correntes teóricas se complementam para desenvolver uma conscientização crítica por meio da identidade social.

Desse modo, a escolha do tema “direitos humanos” se torna pertinente diante da observação de todos os dados supracitados e das violações existentes dessa realidade, vislumbrando a possibilidade de que os jovens coloquem em prática suas reflexões, transformando suas perspectivas críticas sobre o contexto social em ações. De acordo com a ONU (2016):

Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.

Assim, os direitos universais abrangem diversos âmbitos da vida, seja ela individual ou coletiva. Apesar disso, é relevante destacar que os direitos vigentes em cada sociedade estão ligados a contextos sociais e históricos e, principalmente, a processos de mobilização e reivindicações. Desse modo, as conquistas vigentes podem ser relacionadas a lutas políticas e socais (Medeiros, 2006).

No contexto brasileiro, as conquistas desses direitos ainda apresentam uma grande barreira a ser superada, vale saber, a desigualdade que separam os grupos sociais, devendo-se, assim, ser considerada não somente as dimensões objetivas como água, moradia e alimentação, mas, também, deve-se levar em conta aspectos da subjetividade social. Desse modo, cabe à Psicologia e aos psicólogos um importante papel, engajando-se em ações de compromisso com a promoção dos direitos humanos (Silva, 2003).

A Psicologia é uma área que estuda os mais diversos fenômenos sociais, com o intuito de relacionar as desigualdades e injustiças com o preconceito, numa tentativa de desconstruir a discriminação social (Camino, 2004). Sendo o Projeto de Vida Titanzinho composto por profissionais da área de Psicologia, considerou-se pertinente a atuação abordando o tema “Direitos Humanos”.

Iara Andrade iara_andrade_@hotmail.com

Mestranda em Psicologia pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Brasil. Atualmente é membro do Laboratório de Estudos sobre Processos de Exclusão Social (LEPES). Também atua com intervenção social por meio do Projeto de Vida Titanzinho.

Paula Autran autranpaula@gmail.com

Graduada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Brasil. Pós-graduação em Neuropsicodiagnóstico – Educação a Distância, pela Unichristus, Brasil. Mestranda em Psicologia, Universidade Federal do Ceará - UFC, Brasil. Também atua com intervenção social por meio do Projeto de Vida Titanzinho.