A interseccionalidade nas análises das migrações juvenis
Reconhecer a participação dos jovens nos processos migratórios como atores sociais chaves nos conduz necessariamente a compreender que estes sujeitos, como qualquer outro envolvido nos processos migratórios da população, ocupam posições no campo social que refletem uma grande heterogeneidade quanto às suas apostas, trajetórias e estratégias. Fazer desenhos metodológicos segundo grupos etários, e daí generalizar as trajetórias dos/das jovens, nos impede analisar as outras relações de poder que dentro do campo social perpassam suas condições de vida e seus potenciais de resistência. Neste sentido, nossas pesquisas emergiram da diversidade das trajetórias dos/das jovens na migração, atravessadas por marcadores sociais de diferença, como gênero, geração, orientação sexual, motivos de migração, pertença urbana ou rural4, classe socioeconômica, entre outras, que funcionam de modo articulado, evidenciando contradições e tensões, mas também estratégias de resistência e agência (Piscitelli, 2008; Echeverri, 2010). A categoria interseccionalidade focaliza o que é entendido por “opressões cruzadas”, a saber, sistemas de opressão heterárquicos, variáveis e complexos que influenciam as histórias da juventude migrante, e que variam de acordo com o contexto concreto de opressão (Flórez, 2015).
Neste sentido, por exemplo, para o caso dos processos migratórios da população afrodescendente do Pacifico colombiano ao Chile, os motivos da migração e o gênero intervêm no modo como estão se tomando as decisões quanto à migração no contexto das relações familiares, “em que os filhos varões são prioridade, quando atingem idades em que, segundo os/as migrantes, são captados forçadamente pelos grupos que operam nos territórios de violência na Colômbia” (Echeverri, 2016, p. 95). Aparecem, neste caso, os filhos e filhas do exílio colombiano e os milhares de jovens que “não migram por bilhete”5(Echeverri, 2012), em territórios onde usualmente há uma grande ausência de proteção internacional, expostos à detenção, à falta de acesso a serviços e à revitimização (Global Migration Group, 2014). As violências e o conflito armado que a Colômbia ainda vive há mais de cinco décadas têm permeado a vida cotidiana dos/das jovens, que fogem e cruzam as fronteiras internacionais em busca de abrigo e proteção para suas vidas. Filhos e filhas do exílio e da migração internacional forçada migram para salvar suas vidas. Suas migrações estão marcadas pela dor e a incerteza. Migram sem tempo, sem sonhos, e apenas se alimentam de precárias expectativas feitas com pressa, durante tediosas viagens que rompem suas vidas (Echeverri, 2010, 2012).
Ao mesmo tempo, neste cenário se configuram sistemas de opressão nos quais funcionam relações de poder cruzadas, que fazem com que o racismo, a discriminação e a exclusão se expressem com mais força sobre as mulheres afrodescendentes jovens, de ambos os lados das fronteiras.
As mulheres migrantes colombianas negras carregam estigmas que se configuram ao redor das marcas de uma alteridade racializada e sexualizada. As histórias de violências e dor vividas no seu país de origem perpetuam-se em terra chilena (Echeverri, 2016, p. 101).
Então, mostrar a heterogeneidade dos projetos migratórios dos/das jovens e os sistemas de opressão heterárquicos, variáveis e complexos que determinam suas migrações, é uma tarefa pendente que não podemos seguir adiando.
De capturar dados a escutar suas histórias.
Pesquisar sobre as trajetórias juvenis da migração exige fazê-lo desde a própria narrativa dos sujeitos, para compreendê-las no marco da rede narrativa que conecta seus contextos de origem e destino. Não é inusitado que nos processos acadêmicos e políticos fale-se sobre os/as jovens sem aprofundar seus percursos biográficos nos interstícios e cadências de suas próprias narrativas. Costumamos falar sobre eles e elas, mas não com eles e elas. Suas vivências da migração e as múltiplas maneiras como enfrentam e atravessam as fronteiras revelam as continuidades, descontinuidades, interações e expressões que se tecem através das fronteiras.
Têm sido utilizados diversos métodos e múltiplas técnicas para pesquisar as identidades nos contextos migratórios. Entre eles, técnicas quantitativas que, ao efetuar a análise de dados dos recenseamentos e questionários – fechados – com amostras amplas, fixam os sujeitos em categorias predefinidas, sem que seja possível compreender e analisar o significado que há por trás dos dados ou o constante trânsito dos/das jovens entre suas identificações. Então, torna-se necessária a narração deles e, sobretudo, a escuta. Uma escuta ativa, conectada com a infinita humanidade que caracteriza as histórias da migração juvenil. Só assim poderíamos desvendar as contradições, dores, esperanças e grandeza destas histórias. Como afirmado por Ferraroti (1991), somos chamados a saber escutar e, graças a essa capacidade de escuta, a superar os simples relatórios sociográficos e inventariais ou o relatório policial. Uma escuta com a pele, significando que:
entre narradores e escutadores a relação é direta, imprevisível, dilemática. Trata-se, dito de outra forma, de uma relação verdadeiramente humana, dramática, sem resultados assegurados […]. Não somente falam as palavras, mas os gestos. As expressões do outro, os movimentos das mãos, a brilho dos olhos. É esse o dom da oralidade: a presença, o suor, as faces, o timbre da voz, o significado – o som – do silêncio (Ferraroti, 1991, p. 19).
5 – ‘Billete’ no espanhol equivale a dinheiro. Frase colocada pela autora, que faz referência àqueles jovens que não migram por falta de dinheiro.
Referências bibliográficas
APARICIO, R. La literatura de investigación sobre los hijos de inmigrantes. Migraciones, Madrid, n. 9, p. 171-182, out. 2001.
CACHÓN, L. Inmigrantes jóvenes en España. In: Informe Juventud en España. Madrid: Instituto de la Juventud, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, 2004.
CASTAÑEDA CAMEY, N. S. Dinámica y proceso de migración a Estados Unidos: jóvenes de Guadalajara, Jalisco, México. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, v. 7, n. 2, p. 1459-1490, jul. 2009.
COHEN, J. Remittance outcomes and migration: theoretical contests, real opportunities. Studies in Comparative International Development, v. 40, n. 1, p. 88-112, 2005.
ECHEVERRI, M. M. Otredad racializada en la migración forzada de afrocolombianos a Antofagasta (Chile). Revista Nómadas, Bogotá, n. 45, p. 91-103, 2016.
ECHEVERRI, M. M. Vínculos y prácticas políticas transnacionales de los y las jóvenes colombianos en migración en España: nuevos mapas, diversas estrategias. In: GUTIÉRREZ-BONILLA, M. L. (Org.). Identidades transnacionales: jóvenes colombianos en contextos de migración internacional. Colección Jóvenes con Dis…cursos. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, 2015.
ECHEVERRI, M. M. A los dos lados del atlántico. Reconfiguraciones de los proyectos migratorios y la vida familiar transnacional de la población colombiana en España. Papeles del CEIC. International Journal on Collective identity Research. v. 2, n. 109, p. 1-28, set. 2014.
ECHEVERRI, M. M. “Nosotros no migramos por billete”; jóvenes colombianos en migración, conflicto armado y violencias. Metapolítica, v. 16, n. 76. jan./mar. 2012.
ECHEVERRI, M. M. “Son diez horas de viaje y cinco años que te meten encima”: proyectos, identidades y vínculos transnacionales de los y las jóvenes colombianas en España. 2010. Tese de doutorado. Facultad de Ciencias Políticas y Sociología, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2010.
ECHEVERRI, M. M. Fracturas identitarias: migración e integración social de los jóvenes colombianos en España. Migraciones Internacionales, Tijuana, v. 3, n. 1, p. 141-164, jun. 2005.
FLÓREZ, J. Lecturas emergentes. El giro decolonial en los movimientos sociales. Bogotá: Editorial Javeriana, 2015.
FERRAROTI, F. La historia y lo cotidiano. Barcelona: Ediciones Península, 1991.
FRANZÉ, A. Lo que sabía no valía: escuela, diversidad e inmigración. Madrid: Consejo Económico y Social de la Comunidad de Madrid, 2003.
GLICK SCHILLER, N. Nuevas y viejas cuestiones sobre localidad: teorizar la migración trasnacional en un mundo neoliberal. In: SOLÉ, C., PARELLA; S.; CAVALCANTI, L. (Orgs.). Nuevos retos del transnacionalismo en el estudio de las migraciones. Madrid: Ministerio de Trabajo e Inmigración. Subdirección General de Información Administrativa y Publicaciones, 2009. p. 21-45.
GLICK SHILLER, N; ÇAGLAR, A. Migrant incorporation and city scale: towards a theory of locality in migration studies. Malmö: Malmö Institute for Studies of Migration, Diversity and Welfare & Department of International Migration and Ethnic Relations, 2/07, 2008.
GLOBAL MIGRATION GROUP. Migration and youth: challenges and opportunities. United Nations Children’s Fund, 2014. Disponível em: <http://www.globalmigrationgroup.org/migrationandyouth>. Acesso em: 30 mai. 2017.
GUARNIZO, L. E. Migración, globalización y sociedad: teorías y tendencias en el siglo XX. In: ARDILA, G. (Org.). Colombia: migraciones, transnacionalismo y desplazamiento. Bogotá: CES, 2006. p. 65-112.
LEVITT, P. Los desafíos de la vida familiar transnacional. In: GIIM (Org.). Familias, niños, niñas y jóvenes migrantes: rompiendo estereotipos. Madrid: IEPALA, 2010. p. 17-30.
LEVITT, P.; GLICK SCHILLER, N. Perspectivas internacionales sobre migración: conceptualizar la simultaneidad. Migración y Desarrollo, n. 3, p. 60-91, 2004.
PEDONE, C. Rupturas y continuidades de los roles de género en contextos migratorios transnacionales. Relatos sobre sexualidad y salud reproductiva de los hijos e hijas de la inmigración ecuatoriana en Cataluña. Papeles del CEIC: International journal on collective identity research, v. 2, n. 109, p. 1-38, set. 2014.
PEDONE, C. Estrategias y poder: “tú siempre jalas a los tuyos”. Quito: Abya-Yala, PMCD, 2006.
PISCITELLI. A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 11, n. 2, p. 263-274, jul./dez. 2008.
PORTES, A. Introduction: the debates and significance of immigrant transnationalism. Global networks: a journal of transnational affairs, v. 1, n. 3, p. 181-193, 2001.
PORTES, A. Un diálogo trasatlántico: El progreso de la investigación y la teoría en el estudio de la migración internacional. Conferencia inaugural. In: Congreso sobre la inmigración en España: ciudadanía y participación, 4, nov. 2004, Gerona.
RUMBAUT, R. Severed or sustained attachments? Language, identity, and imagined communities in the post-immigrant generation. In: LEVITT, P.; WATERS, M. C. (Orgs.). The changing face of home: the transnational lives of the second generation. Nova York: Russell Sage Foundation, 2002. p. 43-95.
SUÁREZ NAVAZ, L. La perspectiva transnacional en los estudios migratorios: génesis, derroteros y surcos metodológicos. In: Congreso sobre inmigración en España, 5, mar. 2007, Valencia.
SUÁREZ NAVAZ, L. Un nuevo actor migratorio: jóvenes, rutas y ritos juveniles transnacionales. In: CHECA, F.; ARJONA, A.; CHECA, J. C. (Orgs.). Menores tras la frontera. Otra inmigración que aguarda. Barcelona: Icaria, 2006.
TERRÉN, E. La etnicidad y sus formas: aproximación a un modelo complejo de la pertenencia étnica. Revista Papers, v. 66, p. 45-67, 2002.
VERTOVEC, S. Trends and Impacts of Migrant Transnationalism. Centre on Migration, Policy and Society, Working Paper, Oxford, n. 3, p. 1-78, 2004.
Resumo
A partir da experiência de trabalho com jovens migrantes durante décadas, analisam-se criticamente as abordagens essencialistas, assimilacionistas e adultocentristas que prevaleceram no estudo e compreensão dos processos migratórios juvenis. Destacam-se, assim, categorias analíticas que generalizam e simplificam as diversas posições, e fatores que entram em jogo de maneira determinante em suas trajetórias migratórias e de vida. Neste sentido, propõem-se quatro cenários para compreender de modo profundo como são suas vidas migratórias.
Palavras-chave: jovens, migrações, chaves metodológicas.
Data de recebimento: 05/05/2017
Data de aprovação: 05/08/2017