Escola de Inclusão da UFF

Todas as crianças na escola regular: políticas de inclusão

Lucia Lehmann: E aí a escola recebe estes alunos. O que tem sido feito no ambiente escolar com estes diferentes especiais – o surdo, o cego, o autista?

Cristina Delou: O Governo Federal estimula a “sala de recursos multifuncional”, que é uma entidade criada por ele. Nenhuma literatura no mundo fala disso. Nem a Declaração de Salamanca fala de sala de recursos multifuncional.

Lucia Lehmann: Você pode explicar o que é a sala de recursos multifuncional?

Cristina Delou: Eu vejo a sala de recursos multifuncional como um instrumento econômico, porque coloca em uma sala, à parte da sala regular, uma professora que se pretende especialista em todas as áreas. A formação do professor para atender as crianças especiais é demorada. Um professor leva dois anos e meio para fazer um curso de libras básico, um ano para aprender o básico de braille e de soroban. A formação em metodologias de ensino, em comunicação ampliada e alternativa, para atender os paralisados cerebrais e os autistas, demanda mais de um ano. Leva-se mais de um ano também para dominar as práticas pedagógicas para trabalhar com alunos superdotados, porque isso é acompanhado de formação acadêmica. Então, como se pretende que em meses, em dias, em horas se abram os braços para receber um aluno, seja ele de que perfil for, para ser acompanhado no contraturno escolar durante um ano pelo menos? Essa é a recomendação do Ministério da Educação (MEC) e é a dificuldade que nós temos para ter professores em sala de aula, porque os professores que não se sentem capacitados não vão para esse tipo de programa. A legislação complementar, que é o parecer 17 de 2001 e a resolução número 2 de 2001, dá à família o direito de escolher onde e como será a educação escolar do seu filho. Inclusive, em alguns casos, é o próprio aluno quem deve escolher, porque muitas vezes ele tem esta possibilidade. É na parceria aluno, família e escola que o planejamento pedagógico deve ser realizado. O aluno com deficiências múltiplas ou profundas tem direito à terminalidade específica. O inciso 2 do artigo 59 da LDB prevê que este aluno tenha acesso aos níveis seguintes da escolarização. Terminalidade específica só se faz na educação básica, não se faz no ensino médio nem na EJA (Educação de Jovens e Adultos). Então este aluno, que tem uma deficiência intelectual, uma deficiência múltipla ou uma deficiência profunda, avaliado psicológica e pedagogicamente, que não tem condições de acesso ao ensino médio regular, ele tem direito a uma terminalidade específica e é encaminhado a um curso profissional, adaptado a pessoas com necessidades especiais. O Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) têm participado do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), mas falta ainda abrir os cursos para as pessoas com deficiência, porque eles precisam se adequar para receber este público. Uma vez profissionalizados, com formação, eles poderiam estar na sociedade, trabalhando ao nível das suas competências. Podem ocupar funções que não precisam ser ocupadas por pessoas que têm mais facilidades. Quanto aos superdotados, que têm direito à aceleração de estudos, a escola depende da família aceitar a proposta da aceleração de estudos ou da terminalidade específica.

Lucia Lehmann: Você pode explicar melhor o que é “terminalidade específica”?

Cristina Delou: Terminalidade específica é uma adaptação curricular. Ela é feita durante o período escolar da educação básica para alunos que estão no sexto ano, não alfabetizados, que não sabem ler e escrever e não conseguem calcular mentalmente. Nisso podem incluir-se casos de Síndrome de Down, de Síndrome de Williams, de Síndrome de West, que são síndromes bastante complexas. Sabemos ser possível que esse aluno venha a desenvolver uma atividade social e profissional, então ele precisa ter um currículo adequado às competências dele. Se isto não ocorrer, inevitavelmente ele será transferido para a EJA (Educação de Jovens e Adultos) após o nono ano. A legislação não ampara a terminalidade específica em EJA e não se sabe como ele vai sair dessa etapa e se profissionalizar. Isso é uma novidade da LDB, existem notas técnicas do MEC, resoluções e documentos, que orientam como a profissionalização deve ser realizada, mas os Projetos Políticos Pedagógicos das escolas ainda não contemplam a rotina descrita nestes documentos. No caso dos superdotados também está prevista a terminalidade específica e ainda a aceleração nos estudos.

Lucia Lehmann: Você acha que efetivamente a inclusão dessas crianças na escola está tendo bom resultado?

Cristina Delou: Genericamente, não. Em alguns casos particulares, sim. Por exemplo, há uma moça com Síndrome de Down em Natal que conseguiu fazer o curso de formação de professores e tornou-se auxiliar de creche. Ela já foi motivo de reportagens. Ela é alfabetizada, examina a agenda das crianças, vê se a mãe leu e mandou recado, lê histórias, ela se ocupa das crianças na creche. Isso é possível. Por que não? Agora, não temos 100 pessoas com Síndrome de Down nestas condições. E se não temos é porque não foi dada a elas a condição de chegar a esse nível de profissionalização. Há um rapaz com Síndrome de Down também, que se formou em Educação Física pela Universidade Tuiuti do Paraná, e que hoje é professor de natação para crianças com Síndrome de Down. Ele conta o que foi feito no currículo escolar dele para poder chegar no ensino superior. Diz que a mãe dele, junto com os professores da escola, fizeram uma adaptação nos currículos de matemática, de química, de física, para ele poder chegar ao final da educação básica, do ensino médio e do ensino superior. Tendo feito Educação Física, ele pode ser professor de natação de crianças com Síndrome de Down. Ele não vai ser treinador, não vai ser pesquisador, não é atleta, não vai dar aula para outras categorias. Ele vai dar aula de natação para crianças com Síndrome de Down. Houve uma iniciativa da família e uma ação social para procurar uma academia ou escola de natação, onde ele fosse empregado para dar aula para alunos especiais.
No caso dos superdotados, é mais comum vê-los tendo um currículo adaptado e realizando a aceleração de estudos, concluindo os cursos em um tempo menor, como a LDB prevê. Tem-se, por exemplo, o caso de um defensor público no Rio de Janeiro, que terminou o curso de graduação em Direito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro com 19 anos, com 20 anos ele fez a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com 21 fez a prova para a Defensoria Pública e tomou posse. Então, isso é possível. Existem programas novos, como o da Universidade Federal Fluminense. Lá tem um programa de altos estudos para 11 cursos de pós-graduação. Esse curso acontece simultaneamente à graduação. O aluno do segundo período se submete a um processo de seleção e, se for selecionado, recebe uma bolsa da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAES) e começa a cursar disciplinas do mestrado, que têm correspondentes na graduação. Sendo aprovado na disciplina do mestrado, ele não faz a disciplina da graduação. Este aluno vai terminar o curso mais cedo, tanto de graduação quanto de mestrado, para chegar ao doutorado mais cedo. O que se pretende com isso? Que ele se profissionalize, que chegue às bancadas de pesquisa mais cedo para ter mais chances de fazer descobertas.

Cristina Maria Carvalho Delou cristinadelou@id.uff.br
Cristina Maria Carvalho Delou. Professora Associada da Universidade Federal Fluminense. Psicóloga. Doutora em Educação. Coordenadora do Curso de Mestrado Profissional Diversidade e Inclusão e do Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu Educação Especial e Inclusiva da UFF.
Lucia de Mello e Souza Lehmann lehmannlucia@gmail.com
Lucia de Mello e Souza Lehmann. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense na Faculdade de Educação e no Curso de Mestrado Profissional Diversidade e Inclusão. Editora Associada da DESidades.