Foto: Valcir F. de Siqueira

A importância do trabalho na transição para a vida adulta

Políticas públicas, trabalho e juventude: alguns comentários

Para dar conta das dificuldades enfrentadas pelos jovens no acesso a postos de trabalho, faz-se necessário a construção de políticas públicas a partir da relação entre juventude, educação e trabalho. A necessidade da formulação de políticas voltadas para essa questão se evidencia a partir da condição dita fragilizada da maioria dos jovens, sendo elas, a defasagem entre as exigências demandadas pelo mercado formal de trabalho e a possibilidade encontrada pelos jovens de se instrumentalizarem para o atendimento a essas demandas; e o menor grau de articulação institucional e política dos jovens, se comparado ao grau de articulação dos adultos. (Frezza, Maraschin & Santos, 2009).
O direito social, característico do Estado de bem-estar social, garante o acesso ao bem-estar e segurança, procurando proteger o cidadão da lógica do mercado através de políticas públicas (como é o exemplo da aposentadoria). Entretanto, no caso dos jovens, vemos uma contradição, pois o acesso a tal direito tem como condição a participação e contribuição enquanto trabalhador. A identidade social e o acesso aos direitos sociais são definidos pela situação de emprego. Em uma sociedade cada vez mais liberal, tal associação se estreita mais ainda. “Nas nossas sociedades, a integração profissional assegura aos indivíduos o reconhecimento de seu trabalho, no sentido de sua contribuição à obra produtiva, mas também, ao mesmo tempo, o reconhecimento de direitos sociais derivados” (Paugam, 2000, p. 96).
Assim, a questão com a juventude passa a ser de como incluí-la como beneficiária desses direitos, mesmo estando ainda excluída do mercado de trabalho. Se a infância é beneficiária através do direito à educação – considerado o direito social originário –, uma vez que no horizonte está a formação do futuro cidadão e trabalhador (Monteiro, 2006), a juventude passa a ter o “direito à qualificação”, em continuidade à formação, e a uma aproximação – mais informal, menos contumaz, de caráter mais experimental – através do “direito individual à experiência profissional” (estágios, trainees etc.).
Um exemplo que podemos trazer é o da sociedade francesa, que visando tratar desta questão, vê surgir uma “idade de inserção”, entre a idade educativa e a idade do trabalho. Assim, jovens entre 16 e 25 anos tornam-se beneficiários de uma legislação e medidas de inserção ao emprego em diversas modalidades criadas exclusivamente para eles (Lima, 2006). A abordagem com o jovem fica mais dependente ao seu estatuto – de estudante ou carente – do que à idade. O universo juvenil acaba ficando ainda muito próximo ao universo educativo. As experiências de trabalho possíveis são o “trabalho de verão”, feito nas férias, ou estágios. Já a sociedade quebequense trata a questão da inserção profissional como uma esfera separada da educação e formação, com programas e legislações dedicados exclusivamente a isso, com subsídios que não perpassam a vida estudantil (Lima, 2006).
O universo brasileiro, novamente, é marcado pela questão da classe social e as medidas de inserção profissional parecem ficar restritas à preocupação – e controle social – com jovens pobres.
Ficou perceptível, nesse documento [no Plano Nacional de Juventude (Brasil, 2004)], a relação existente entre o conjunto de justificativas para se incrementar as oportunidades de trabalho de jovens de baixa renda com o discurso de marginalização — que é frequentemente endereçado à juventude pobre e/ou de periferias. Identificamos, ainda, a implicação entre a falta de ocupação e o subemprego com um provável destino de delinquência desses jovens — como se, por não ter alguma ocupação formal (participação em projetos ou trabalho), esse determinado jovem se tornaria um adulto marginal (Brenner,Lânes & Carrano, 2005:200).
Em levantamento feito sobre produções acadêmicas produzidas sobre o tema juventude e trabalho, evidencia-se a avaliação de que programas e projetos governamentais (ou não) estão mais fortemente preocupados em “educar”, “qualificar”, “formar” jovens, especialmente jovens pobres, do que construir alternativas efetivas para jovens no campo do trabalho (Corrochano e Nakano, 2009).
Assim, parece prevalecer entre as políticas de inserção profissional de jovens um viés de controle social, por isso um direcionamento às classes mais baixas, e as estratégias adotadas pelas iniciativas públicas para encontrar saídas para o desemprego juvenil parecem se restringir à formação e, consequentemente, o retardamento de seu ingresso no mercado de trabalho (Corrochano, 2005). Faz-se necessário repensar a direção das políticas públicas relacionadas à inserção profissional dos jovens para que estas se tornem mais inclusivas (direcionadas não só a jovens de baixa renda), como também não fiquem restritas ao universo de qualificação, incidindo de forma mais concreta sobre questões e problemas do mercado de trabalho.

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Palavras-chave: juventude, trabalho, transição, vida adulta

Renata Alves de Paula Monteiro nana_monteiro@hotmail.com

Professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do curso de Especialização em Psicanálise e Saúde Mental da UFF. Pesquisadora permanente do Núcleo de Pesquisa sobre Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Participante do Tempo Freudiano Associação Psicanalítica. Associada do Núcleo de Atenção à Violência (NAV).