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O audiovisual como ferramenta de empoderamento na pesquisa com jovens Estudos de caso: projetos HEBE e ActiFem¹

Introdução

Tradicionalmente as diferentes técnicas etnográficas e especificadamente as ferramentas audiovisuais de coleta de dados se centraram em estudar o sujeito de fora e, como afirma Sucari (2007), prevalecia o olhar do outro como objeto de estudo, como sujeito contido de um discurso ideológico.

No entanto, nos últimos anos, essa abordagem foi contestada, especialmente no campo da Investigación y Acción Participativa (IAP),

Um método de estudo e ação que busca obter resultados confiáveis e úteis para melhorar situações coletivas, baseando a pesquisa na participação dos próprios grupos para investigar, que deixam de ser o objeto de estudo a sujeito protagonista da pesquisa (Alberich, 2008, p. 139).

A IAP também considera o dispositivo audiovisual como uma ferramenta para gerar conhecimento, participação e mudança social, tudo baseado no surgimento de novas formas de entender a interação social. Nesse sentido, a narrativa audiovisual é aquela em que o sujeito a investigar é protagonista de sua intensa história.

A conscientização dos passos em direção a essa capacitação pessoal, por meio de histórias audiovisuais, é em si uma ação empoderadora. Entretanto, o que entendemos por empoderamento? Tomando como referência certos estudos que acompanham a conceituação do termo, Rappaport (1981; 1987), Freire (1987), Zimmerman (2000) e Úcar et al. (2016), a noção de empoderamento refere-se essencialmente à capacidade de tomar decisões vitais de forma autônoma e, a uma segunda variável, o fato de executá-las. O contexto e as condições favoráveis para que isso aconteça adquirem um papel fundamental nesse processo. Nesse sentido, existem muitas iniciativas que não apenas acompanham esses processos de tomada de decisão e seus contextos para levá-los à ação, mas também explicam esses desenvolvimentos e, assim, se tornam agentes de empoderamento. Esse é o ponto de partida deste artigo.

Para explicar essa dinâmica, nesta comunicação, são apresentadas duas experiências de trabalhos de pesquisa, o projeto HEBE (nome da deusa grega da juventude), financiado pelo Ministério da Economia, Indústria e Competitividade e liderado pela Universidad de Girona, Espanha, do qual participam pesquisadores e pesquisadoras de mais quatro universidades: Universidad Autônoma de Barcelona, Universidad de Barcelona, Universidad Pompeu Fabra e Universidad Autônoma de Madrid, Espanha; e o projeto Activismos en Femenino (ActiFem): o discurso feminista nas mulheres jovens em grupos de protesto (não feministas) e em seu cotidiano, financiado pela Agencia Catalana de Juventud de la Generalitat de Cataluña e liderado pela Universidad Pompeu Fabra, Espanha.

Em ambas as investigações, a criação audiovisual é um dos instrumentos de pesquisa materializados em diferentes tipos de produtos que se cruzam com o restante da metodologia.

Assim, por um lado, o HEBE tem como objetivos definir e identificar quais são os espaços, momentos e processos que intervêm no empoderamento dos jovens, além de identificar os fatores potencializadores e os fatores limitadores do empoderamento juvenil através da análise dos discursos e práticas dos educadores e educadoras. Com vistas a alcançar esses objetivos, desenvolveu em sua primeira fase um documentário interativo que inclui o testemunho de empoderamento de 6 jovens, após a participação em uma oficina de pedagogia audiovisual. E, em uma segunda etapa, uma plataforma participativa através de alguns cadernos de campo nos quais grupos de educadores refletiram sobre as ações que tomam para empoderar os jovens com quem trabalham. O resultado, em ambos os casos, é um dispositivo digital aberto ao usuário e na forma de colagem virtual, que vincula as reflexões dos educadores a peças audiovisuais e grupos de discussão.

Por outro lado, o ActiFem (Activismo en Femenino) analisa as expressões feministas diárias de mulheres jovens que participam de grupos reinvidicatórios não feministas. O projeto busca coletar as vozes das mulheres jovens e, assim, contribuir para o seu empoderamento. Quatro meninas foram selecionadas do número total de participantes para trabalhar cápsulas audiovisuais autobiográficas, com o objetivo de refletir suas experiências de gênero como jovens na vida cotidiana.

As quatro participantes têm histórias de vida e realidades socioeconômicas diferentes, mas estão unidas por uma visão reinvidicativa do mundo, estando intimamente ligadas à arte e à expressão corporal, ferramentas que usam para expressar suas emoções e mostrar o que consideram injusto. São jovens conscientes das desigualdades de gênero na vida cotidiana e, embora se considerem mais defensoras de idéias feministas do que feministas, expressam seu desejo de serem agentes de mudança nos contextos em que se desenvolvem.

A autonarração através do audiovisual

Por um lado, como afirma Sucari (2017), “a posse e o controle dos dispositivos técnicos estabelecem desde sempre uma relação de poder entre aqueles que os administram e os controlam e entre aqueles que os consomem” (p. 70) e, embora possam não estar plenamente conscientes, os(as) jovens fazem uso frequente dessa posse e controle. Produzem e compartilham imagens continuamente, sabem como preferem se ver e serem vistos, a ponto de compartilhar uma experiência se tornar ainda mais importante do que a própria experiência. Principalmente nas redes sociais, esses fatores influenciam na construção de sua identidade pessoal (Fernández-Planells; Masanet; Figueras, 2016).

Além disso, como afirma Lévy (2007), as competências e dispositivos técnicos têm o duplo potencial de promover a cristalização e a memória das pessoas e, por sua vez, ser instrumentos que revigoram a capacidade de sentir e expressar. Assim, com essas ferramentas audiovisuais, podemos gerar imagens vinculadas à imaginação, mas também à memória e ao desejo, o que requer e causa uma reflexão sustentada.

Assim, dar o controle do produto audiovisual aos(às) jovens, coloca-os em condições de igualdade em relação a quem investigam, tanto em termos de comunicação, quanto dando a eles domínio técnico.

No entanto, a autonarração através do audiovisual não implica apenas dar voz aos investigados, mas também buscar um exercício de autorreflexão, descoberta, reconhecimento e reconstrução identitária. E é aí que surgem as perguntas do antropólogo visual Jean Rouch (1974), que questiona acerca de como penetrar na alteridade para falar a partir dela, e como fazer com que o sujeito assuma a voz de sua própria história para deixar de ser um objeto de estudo e se tornar o arquiteto de seu próprio discurso?

Nesta linha, Rivas (2007) reflete sobre o significado de dar voz às pessoas que participam, não apenas de uma perspectiva descritiva de suas vidas e pensamentos, mas também motivando os(as) participantes a se questionarem a partir de seus discursos e serem capazes de contextualizar suas histórias para lhes dar um sentido social, político, moral e econômico. Assim, fornecer aos e às participantes uma ferramenta de expressão criativa, como é a câmera, nos dá a oportunidade de gerar um olhar crítico em relação ao ambiente em que vivem, a fim de fortalecer seu vínculo com ele.

Nesse sentido, Freire (1970) já tratava, em meados da década de 1990, sobre a necessidade de o “oprimido” refletir sobre sua situação e tomar consciência sobre si mesmo e seu entorno como um caminho para sua “libertação”. Tudo isso através do diálogo e a colaboração, promovendo, dessa forma, “romper a cultura do silêncio, onde o audiovisual, especialmente se utilizado pelas mesmas pessoas oprimidas, poderia ajudá-las a refletir sobre suas experiências, articulando descontentamento e esclarecendo ideias para a ação” (Singhal et al., 2007, p. 216).

Por fim, destacamos a aplicação da metodologia participativa por meio do audiovisual, tendo em vista a sua capacidade de influenciar na predisposição à participação democrática, pois contribui para sua definição como pessoas críticas, comprometidas e participativas.

1 – Tradução por Lara Pires Weissböck
Manel Jiménez-Morales manel.jimenez@upf.edu

Graduado em Comunicação Audiovisual na Universidad Pompeu Fabra (UPF), Barcelona, Espanha, em Teoria Literária (Universidad de Barcelona) e doutorado em Comunicação Social (Universidad Pompeu Fabra). Professor da Universidad Pompeu Fabra, dirigiu seu Centro de Inovação (CLIK) e atualmente é Comissário de Educação e Comunicação.

Mittzy Arciniega mittzy.arciniega@upf.edu

Formada em Jornalismo e doutora em Comunicação pela Universidad Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha. Professora graduada e mestre pela Universidad Pompeu Fabra. Investiga a representação de mulheres e jovens na mídia e participa de projetos de educação para a mídia.

Ariadna Santos ariadna.santos92@gmail.com

Graduada em Comunicação Audiovisual na Universidad Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha, e mestre em Juventude e Sociedade na Universidad de Girona, Espanha. Atualmente, é pesquisadora de pré-doutorado no grupo JOVIS.com e trabalha em questões relacionadas à juventude, redes sociais e gênero.