O tema da participação das crianças tem sido extensamente discutido no campo da infância, quase como um tsunami provocado pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989 que, no seu artigo 12, determina que as crianças participem das questões que as afetam. O fato de ter de se assegurar a participação da criança, por via do dispositivo legal, já mostra a posição de marginalidade e de exclusão a que as crianças estão submetidas nas sociedades modernas em que a reprodução e a produção da vida em sociedade não são inflexionadas pelas perspectivas e interesses deste grupo social. Os estudiosos da infância sabem, portanto, que a discussão científica sobre a participação é enorme, ainda que, infelizmente, seus efeitos sejam bastante tímidos nas práticas sociais. O processo de vencer preconceitos e transformar as relações geracionais de poder adultocêntricas, que são hegemônicas no trato com as crianças, ainda deve percorrer um longo caminho de luta, tanto por parte das próprias crianças como de seus parceiros-na-luta que são alguns adultos militantes no campo da infância.
No entanto, como estudiosos da participação das crianças, também sabemos como a temática da participação da criança apresenta enormes desafios teóricos, conceituais e práticos, como apresentado na obra recentemente publicada pelos organizadores Thomas, Percy-Smith, o’Kane e Imoh (2023). Por exemplo, se se concebe que a representação de cada cidadão se faz por sua ‘voz’, ou seja, se a participação de qualquer sujeito é materializada por sua capacidade de expressar o que sente e pensa – a sua voz -, como compreender a posição singular da criança, ou do bebê, cujas ‘vozes’ são para os adultos enigmáticas, ininteligíveis, cifradas ou lacunares? Como assumir e atribuir voz às crianças quando sua expressão de si frequentemente se distancia do que tomamos por ‘voz’? Essa, e muitas outras questões, permanecem na agenda de debates sobre a participação das crianças em que o desenvolvimento das pesquisas científicas nesta área pode contribuir para encaminhamentos mais promissores para a vida das crianças, e de todos, nas sociedades.
A Seção Temática desta 38ª edição da DESIDADES, coordenada pelas Editoras Convidadas Andrea Szulc e Paülah Shabel, ambas da Universidade de Buenos Aires, vai na direção de aprofundar o debate sobre os desafios, as controvérsias, como também os avanços, que a temática da participação da criança na sociedade atual apresenta para o campo científico de estudos da infância. Szulc e Shabel introduzem essa seção com um artigo que sinaliza as tensões e contradições, os avanços e luzes deste debate, seguido por outras oito contribuições que discutem, a partir de questionamentos diversos, os desafios para pensar a participação infantil.
Na Seção Livre da 38ª edição, temos o artigo das pesquisadoras chilenas Peña-Rincón e Patricia Guerrero, La otredad en la clase de matemáticas: experiencias didácticas matemáticas interculturales (EDMI) para aulas inclusivas, que mostra abordagens didáticas alternativas no ensino da Matemática e seus efeitos nas próprias relações com os outros na sala de aula.
Em nosso Espaço Aberto, a temática da participação também é analisada pela pesquisadora Citlali Quecha Reyna, da Universidade Nacional Autônoma de México, em uma entrevista realizada por Hebe Montenego, Universidade de Buenos Aires, sobre “Investigar con niñeces afromexicanas. La potencialidad del trabajo con ninxs para conocer las realidades sociales”. Aqui a questão da etnia e raça, no seu cruzamento com a questão da participação, é especificamente focalizada e traz questões adicionais à discussão da participação, ainda mais vista a partir de uma perspectiva latino-americana.
Na nossa Seção de Levantamento Bibliográfico, apresentamos a resenha de Hugo César Moreno intitulada “Cinco capas de complejidad para desentrañar los estudios sobre las juventudes” sobre a obra “Young people in complex an unequal societies. Doing youth studies in Spain and Latin America”, dos pesquisadores Maritza Urteaga, Dolores Rocca e Jorge Benedicto.
E com muita satisfação incluímos também este brinde aos nossos leitores e leitoras, que é o levantamento dos livros publicados no período de janeiro a abril de 2024 obtidas nos sites das editoras comerciais e universitárias de toda a América Latina.
Foram, ao todo, 24 obras encontradas nas áreas das ciências humanas e sociais sobre infância, adolescência e juventude.
Esperamos que tenham todos e todas uma ótima leitura desta edição!
Lucia Rabello de Castro
Editora Chefe
Referência Bibliográfica
THOMAS, N.P., PERCY-SMITH, B., O’KANE, C. e IMOH, A. T-D. (eds.) The Handbook of Children and Young People’s Participation. Routledge:Londres, 2a ed., 2023.
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