Entrevista de Heloisa Dias Bezerra Com Dijaci David de Oliveira
Heloisa Bezerra: Fale um pouco sobre a sua formação e sua história pessoal, como você começou a se interessar pela temática da violência contra jovens?
Dijaci Oliveira: Eu sou sociólogo e fiz a minha tese de doutorado sobre o desaparecimento de pessoas, passando por temas como direitos humanos, segurança pública e, sobretudo, a violência policial e a violência contra jovens. Sempre trabalhei com o desaparecimento de pessoas. Nos últimos tempos, eu comecei a notar, particularmente aqui no estado de Goiás, denúncias muito fortes sobre o desaparecimento forçado de jovens que não são investigadas porque boa parte da sociedade tem uma indisposição muito veemente contra os jovens, ao mesmo tempo que se queixa da violência contra eles. Essas contradições me levaram ao debate sobre o problema da redução da maioridade penal.
Heloisa Bezerra: Na sua tese de doutorado você já trabalhava com juventude?
Dijaci Oliveira: Quando trabalhei com o desaparecimento de pessoas, eu constatei que no Brasil existe um preconceito arraigado contra os jovens. Por exemplo, no caso de adolescentes, toda vez que as mães chegavam às delegacias para relatar o desaparecimento de um filho, os policiais diziam: “Ah, não vamos perder tempo com eles não”. Então, dá para perceber que há um discurso fortíssimo dentro da polícia de que o jovem é irresponsável, que ele desaparece porque resolveu sair para uma festinha, que não está nem aí pra família. Mas nós percebemos, na pesquisa do doutorado, um alto índice de desaparecimento de pessoas na adolescência, principalmente mulheres. O desaparecimento de garotas entre 12 e 15 anos, certamente relacionado à exploração sexual dessas adolescentes, chega a quase 40% do total de desaparecimentos. No Pará, a polícia constatou que elas desapareciam de suas cidades, eram levadas para municípios próximos, presas em prostíbulos durante meses ou anos, dois, três anos, depois reapareciam em outras cidades, abandonadas.
Heloisa Bezerra: Tem aí uma questão de gênero, além da faixa etária: não é qualquer desaparecimento, são os sujeitos mais vulneráveis.
Dijaci Oliveira: Agora, aqui no estado de Goiás, a gente percebeu não somente a prática do desaparecimento, mas também a da violência letal contra os jovens.
Heloisa Bezerra: Nos últimos anos, a sociedade brasileira viu crescer significativamente o número de homicídios de jovens, especialmente daqueles oriundos das famílias de baixa renda, negros ou pardos. A que se deve essa situação?
Dijaci Oliveira: Houve uma redução das mortes em geral no Brasil. Quando a gente pega os dados, percebe que as chamadas mortes “naturais” foram reduzidas, pois melhorou o sistema de saúde, saneamento, habitação. Mas, por outro lado, houve um aumento das mortes chamadas violentas ou de causas externas, homicídios, suicídios, acidentes trânsito. E com algumas características incômodas. Quem é que está morrendo? São os jovens da periferia, são jovens pobres, negros. Só para se ter uma ideia, nos últimos 20 anos, o número de homicídios de jovens negros dobrou em relação ao de jovens brancos. Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho não os acolhe, os espaços culturais não os atendem e há, de fato, uma incidência muito significativa de mortes violentas entre jovens da periferia.
Heloisa Bezerra: Você está falando do crescimento do número de mortes entre jovens em um segmento muito específico, de jovens de famílias de baixa renda. Tem aí um corte econômico e também racial?
Dijaci Oliveira: Sim, quando a gente observa quem são esses jovens, vê que, de fato, há um recorte racial, muito significativo, de mortes de jovens negros e de baixa renda. A gente vê que realmente quem está morrendo são os jovens pobres e negros, vítimas de violência por armas de fogo. Os negros ainda estão longe dos direitos dados aos brancos.
Heloisa Bezerra: Você está dando destaque a um tipo de homicídio envolvendo armas de fogo.
Dijaci Oliveira: Há homicídios cometidos com uso de facas, pedras, espancamentos, diversas formas de violência física. Mas, no Brasil, a maior parte dos homicídios envolve o uso de armas de fogo. E o segmento jovem está muito envolvido com o uso de arma de fogo. Pensa bem, em um conflito, se uma pessoa tem uma arma de fogo em casa, vai lá, pega a arma e pronto. Se não tem a arma, principalmente em casa, aumenta a probabilidade do conflito não resultar em morte.
Heloisa Bezerra: Então, há mais homicídio por arma de fogo do que outras ocorrências.
Dijaci Oliveira: Realmente, as mortes por arma de fogo estão superando até mesmo os acidentes de carro. E os jovens são as vítimas potenciais.
Heloisa Bezerra: Quem são os principais autores dessas mortes? As vítimas são essas pessoas vulneráveis, jovens de baixa renda, negros?
Dijaci Oliveira: Nós temos os jovens como vítimas e os jovens como autores. Aí vem aquela pergunta bem capciosa: se os jovens são os maiores perpetradores, então evidentemente que os jovens são perigosos. Não, isto não é fato, os jovens são as vítimas. Os dados estatísticos mostram que a maior incidência de violência é contra os jovens. Eles são perpetradores de violência? Sim, mas é preciso distinguir, pois a taxa de violência entre jovens adolescentes é de cerca de 2% a 3%, mas, no debate sobre a redução da maioridade penal, entra tudo na mesma conta, na mesma faixa de classificação: os jovens na faixa etária de 16, 17 anos, são colocados entre os jovens mais velhos, de 18 a 25 anos. No caso de homicídios entre adolescentes, a taxa chega a cair para 1%.
Heloisa Bezerra: Como a polícia e as forças de repressão, em geral, vão aparecer no debate sobre a prática de homicídios contra jovens?
Dijaci Oliveira: Nós temos um modelo de socialização que exige dos jovens uma constante demonstração de força, de virilidade, então, de certo modo, o mundo adulto instiga os jovens a resolverem os conflitos por enfrentamento, com violência. E, quando isto ocorre, o Estado e as forças repressivas, entendem que devem tratar toda forma de conflito também com uso de violência. No estado de Goiás, presenciamos as queixas das mães, especialmente no caso de jovens e adolescentes desaparecidos, de que em vários casos havia indícios de que as forças policiais estavam envolvidas diretamente em ações de violência contra os jovens. Nós temos recentemente dois casos sendo investigados e há indícios claros de que a polícia participou do desaparecimento dos jovens.