Editorial

A revista DESIDADES inicia sua sequência de publicações em 2022 com a 32a edição. Neste primeiro volume do ano, apresentamos um conjunto de 16 artigos e uma entrevista, além de três resenhas e um levantamento bibliográfico. Começamos com a seção temática intitulada “Agora eu era o herói”: brincadeiras e cultura lúdica nas infâncias e juventudes latino-americanas, composta de 11 artigos. Trata-se, antes de tudo, de um convite à reflexão sobre a relevância da ludicidade na manutenção dos laços, das tradições da cultura, das memórias e de expressões, promovendo segurança existencial, conexão com os pares e com o mundo.

Ao mesmo tempo, essa coleção de artigos traz a ideia de ludicidade como possibilidade de transgressão, superação, recriação, permitindo a construção de novas relações e mundos possíveis. Desse modo, falar de culturas lúdicas em tempos pandêmicos e de guerra, é um grande desafio porque é justamente em momentos como esses que se torna fundamental transcender, imaginar, propor, pensar e elaborar outras realidades. Desafio este que foi respondido nesta seção temática com a participação de pesquisadoras e pesquisadores que atuam em estados brasileiros das regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul, além de Argentina.

Os trabalhos escolhidos para esta edição oferecem contribuições oriundas de pesquisas teóricas e empíricas, produzidas no âmbito da antropologia, da sociologia, da educação, da psicologia e da história, abordando a religião, o gênero, a comunicação, a formação docente, o ambiente escolar e as territorialidades. O caráter interdisciplinar das abordagens nos ajuda a compreender como crianças e jovens latino-americanos atravessam e são atravessadas e atravessados por múltiplos repertórios de jogos e brincadeiras, recriando, reinventando e produzindo sentidos e pertencimentos em diferentes contextos e espaços.

As reflexões que seguem a esta apresentação são tributárias de uma literatura crescente. São conceitos, teorias e enquadramentos que favorecem o entendimento sobre como diferentes contextos históricos, sociais, políticos e econômicos podem engendrar diferentes ludicidades. Além disso, elas iluminam o franco e constante diálogo das culturas lúdicas de crianças e adolescentes latino-americanos com as sociedades em que estão inseridas e inseridos.
O primeiro artigo da seção temática é uma contribuição de Aristeo Leite Filho, Lisandra Ogg Gomes e Rita Ribes Pereira. Um convite ao lúdico! Perspectivas teóricas e formação docente apresenta uma discussão sobre as relações entre o lúdico, a educação e a formação docente, abordando algumas questões a serem priorizadas na relação entre ludicidade e academia. Em Abrir el juego: la juegoteca comunitaria como dispositivo para la formación docente, Analía Paola García e Marina Inés Visintin continuam a discussão em uma pesquisa empírica, interpelando a infância, o brincar e as possíveis formas de intervenção/participação em sua relação com o processo de formação de professoras e professores.
“Memórias de Lucia”: as brincadeiras nos livros escolares do Maranhão na Primeira República, de Rosyane de Moraes Martins Dutra, traz análise documental que identifica a atribuição de comportamentos, espaços e atividades específicos a meninos e meninas, marcando desigualdades capazes de as acompanharem até a idade adulta. Ainda tratando as relações de gênero, o artigo “Vem todo mundo! Vamos fazer a capoeira juntos!”: relações de idade e gênero e cultura lúdica na Educação Infantil, assinado por Patrícia Dias Prado, se valeu de uma perspectiva interseccional para elencar alguns elementos da diversidade na cultura lúdica de crianças no início da vida escolar.
Em Jogos, brincadeiras e práticas pedagógicas nos anos iniciais do ensino fundamental: perspectivas em destaque, Paula Mika Kasai, Ivan Gimenes Lima e Elaine Prodócimo apresentam uma revisão de literatura que critica a tendência de privilegiar o caráter utilitarista dos jogos e brincadeiras, nos ambientes escolares, em detrimento de uma prática lúdica. A instrumentalização do lúdico como modo de direcionar comportamentos aparece em mais um texto, desta vez no âmbito da publicidade. O artigo “Criança, a alma do negócio”: as influências midiáticas no brincar das infâncias urbanas e contemporâneas, de José Fernandes Pontes, Marco Antônio Soares Arruda, Luciano Silveira Coelho e Cássia Danielle Monteiro Dias Lima, analisa documentário que joga luz sobre as estratégias publicitárias empenhadas em cativar crianças e adolescentes.
Indo dos mais novos para os mais velhos, Fabricio de Souza, Bianca Becker e Ilka Dias Bichara escreveram Grandes demais para brincar? Brincadeiras, lugares e territórios lúdico-interacionais na cultura lúdica adolescente. O texto aborda as pouco investigadas culturas lúdicas adolescentes, em pesquisa que os ouviu nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste sobre do que brincam, com quem e onde. A territorialidade também está presente em Brincar com (a) propriedade: crianças em movimentos de ocupação, trabalho assinado por Raissa Menezes de Oliveira e Antonádia Borges, em que apresentam resultados de estudo etnográfico que investigou a experiência lúdica de crianças em ambientes de ocupação.
Dois artigos trazem a temática quilombola em sua relação com a ludicidade. Beatriz Pérez Corsino e Estefani Souza, autoras de “Como é bom brincar, cafuringar”: transmissão intergeracional e apropriação do território pelas crianças quilombolas aplicam uma pesquisa-intervenção para compreenderem como a brincadeira compõe o que é ser quilombola na comunidade de Cafuringa, localizada no norte do Rio de Janeiro. Já o artigo Infância e saberes quilombolas: participação das crianças e cultura lúdica no quilombo de Ariquipá-MA, de Raylina Silva, Hellen Ferreira, Layna Madeira e Rosyane Dutra, objetiva discutir a contação de histórias como atividade de valorização cultural e de resistência em comunidades quilombolas no estado do Maranhão. Ainda na temática de infâncias negras, O estado de erê como experiência lúdico-transformacional encerra a seção. Os autores, Ana Maria de O. Urpia e Leandro dos Santos Conceição, enfatizam a visibilidade da cultura negra-brasileira, em meio a lutas antirracistas, a partir da vivência do “estado de erê”, no contexto dos cultos de matriz africana.
Na Seção Livre de Temas em Destaque, a revista traz cinco contribuições. Os artigos Linguagem tecnológica e experiências na educação infantil: o engajamento em projetos e a construção de visibilidade, de Mariane Falco, e O uso das mídias móveis por crianças atendidas pelo programa Primeira Infância Melhor (PIM) em Pelotas – RS, de Marcos Roberto Silva de Souza, Giovana Fagundes Luczinski e Renata Cristina Rocha da Silva, discutem a relação entre infância e o uso das tecnologias, nos primeiros anos de vida. Os textos seguintes abordam a saúde e a vida das crianças sob diferentes aspectos. Bruna Myrla Ribeiro Freire e Jurema Barros Dantas assinam Infâncias patologizadas: um estudo epidemiológico sobre o fenômeno da medicalização infantil em centros de atenção psicossocial de Fortaleza. Já o artigo Narrativas em saúde: com a palavra o irmão da pessoa com deficiência é uma contribuição de Sumaia Midlej Pimentel Sá e Elaine Pedreira Rabinovich. Encerrando a seção, o trabalho de Luciano Silveira Coelho, Singularidades do tornar-se etnógrafo a partir de uma etnografia com crianças indígenas, faz um paralelo entre o processo de aprendizagem do fazer etnografia e o processo de aprendizagem de crianças indígenas.
A seção Espaço Aberto, nesta edição, abordará o impacto da reforma do Ensino Médio sobre a juventude brasileira. O professor Fábio de Barros Pereira, que atua na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, entrevista a pesquisadora bolsista de produtividade (CNPq) da área de currículo profa. Maria Luiza Süssekind Verissimo, atualmente Cientista do Nosso Estado/FAPERJ e professora do Departamento de Didática da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Na sequência, três resenhas compõem a seção de Levantamento Bibliográfico. Em Saberes produzidos nas trilhas de infâncias do Sul Global, Luciana Martins Quixadá discute alguns aspectos da coletânea Infâncias do Sul Global: experiências, pesquisa e teoria desde a Argentina e o Brasil, organizada por Lucia Rabello de Castro. A complexidade das infâncias sul-americanas: entre direitos e políticas é o título da resenha de Bruna Breda sobre o livro South American Childhoods: Neoliberalisation and Children’s Rights since the 1990s, organizado por Ana Vergara del Solar, Valeria Llobet e Maria Letícia Nascimento. Por fim, María Laura Osta Vázquez assina El problema crónico del secuestro infantil mexicano, acerca do livro Robachicos. Historia del secuestro infantil en México (1900-1960), de Susana Sosenski. Encerramos a seção com levantamento de 28 obras encontradas nas áreas das ciências humanas e sociais dos países da América Latina sobre infância, adolescência e juventude, publicadas no período de dezembro de 2021 a abril de 2022.

Adelaide Rezende de Souza
Daniela Finco (Editora Convidada)
Renata Tomaz
Editoras