Ao fecharmos, com a presente edição, o ano de 2024 lançamos nosso olhar para os acontecimentos que nos constituíram e projetam os sentidos, desejos e motivações das nossas vidas em determinadas direções. Ao longo de 2024, todos nós, em qualquer canto do planeta, fomos envergonhados na nossa humanidade pelo massacre genocida do povo palestino. Assistimos, quem conseguiu, às cenas cotidianas de horror, assassinato, tortura, fome e destruição que removeram de seus lares mais de dois milhões de palestinos, e mataram quase cem mil pessoas, a maioria delas, mulheres e crianças. Para muitos, a matança de crianças faz parte do projeto de eliminação do povo palestino “que visa à desaparição de toda uma sociedade”, nas palavras de Ualid Rabah, representante da Federação Palestina no Brasil[i]. E, sem dúvida, de acordo com especialistas que enfrentam o dia a dia deste genocídio, como a pediatra palestina Sabreen Akhter, “quando se jogam bombas em um lugar onde há crianças, sua intenção primordial é matar as crianças primeiro”[ii].
A eliminação sumária de crianças tem sido uma forma hedionda de extermínio de um povo levada a cabo por ódios e intolerância às diferenças e à pluralidade. Muito recentemente no Brasil, também nos encheram de vergonha e indignação o tratamento dado pelo governo do ex-presidente Bolsonaro às populações indígenas quando assistimos a cenas de morte de centenas de crianças por inanição e doenças. Apenas em 2022, o último ano desse (des-)governo, foram 835 mortes de crianças indígenas na faixa de 0 a 4 anos por omissão, fora as mortes por assassinato[iii]; mortes essas evitáveis se não fosse o descaso do poder público e a política de extermínio deste povo (Rangel e Liebgott, 2022). A intenção política de extermínio das crianças constitui o que Ann Phoenix (2024), se apoiando em Jacques Derrida, chama de ‘fantasmologias’ (hauntologies), ou seja, séries psíquicas intergeracionais que não são descontinuadas ou rompidas, mas permanecem no presente assombrando as novas e velhas gerações. No caso do Brasil, assombrando o nosso presente permanece a intencionalidade política de eliminação de crianças, jovens e adolescentes, que continuam sendo exterminados por conta da sua raça, gênero e classe. Ao se tornarem indesejados aos olhos de grupos hegemônicos, crianças, adolescentes e jovens constituem as vítimas preferenciais da necropolítica que repete um passado de dolo e iniquidades.
Um desenho de futuro(s) se faz nesse caminhar trágico. Quer o extermínio das crianças palestinas, quer o das pequenas indígenas brasileiras, por tais ações se modulam e se determinam as condições de viver e as disposições individuais e coletivas que, frequentemente, fazem esta realidade parecer imutável. No entanto, outros futuros podem ser disputados. A começar pela incansável vontade de transformar o presente. Faz parte desta disputa a contribuição que pesquisadores da infância, adolescência e juventude podem dar na construção de um conhecimento crítico e comprometido com as demandas da sociedade.
Na presente edição, trazemos oito artigos na seção Temas em Destaque que apresentam seus resultados de pesquisas sobre a infância, a adolescência e a juventude na busca de responder criticamente às questões da sociedade brasileira. Assim, se faz premente que as crianças saibam e entendam quais são seus direitos (artigo de Ilze Nobre e Marcelo Ribeiro), e possam se construir como sujeitos com liberdade através da experiência de circulação pelo território da cidade (artigo de Joelma Cerqueira e Levindo Carvalho) que muitas vezes não lhes é permitida. O cinema constitui dispositivo importante para a reflexão pública e coletiva sobre determinadas condições de se viver a infância e a adolescência (artigo de Felipe Brida e Juliana Doretto; artigo de Fabi, Gasparini e Cid). A busca de respostas à condição de ser adolescente na sociedade contemporânea é discutida em vários artigos desta edição: como a escola pode e deve preparar os jovens para a vida, as relações sociais e o futuro (artigos de Claudia Andrade e Colaboradoras e o de Jardelson Oliveira e Michelle Moreira); o desafio dos adolescentes de enfrentar as exclusões e os preconceitos (artigo de Rui Neto e Colaboradores); bem como, o desafio de se assumir como pessoa singular e/ou adoecer (artigo de Gabriela Macedo e Mariana Matos). O conjunto de artigos anuncia a vontade de, através de pesquisas e conhecimento científico, prover respostas para a complexidade das questões do presente que apontem para a construção de futuros mais auspiciosos para crianças e jovens.
Na seção das Informações Bibliográficas, trazemos a resenha de Lisandra Ogg Gomes sobre a publicação O brincar na favela da Maré: jogos de vida e resistência em território conflagrado, de Adelaide Rezende de Souza. Elza Luiza Villalva Barbosa e Nádia Conceição Lauriti escreveram a resenha do livro Vida cotidiana e microtransições: narrativas pedagógicas das escolas do Observatório da Cultura Infantil – OBECI, organizado por Paulo Fochi.
Trazemos também aos nossos leitores o levantamento de livros publicados no período de setembro a dezembro de 2024, cujas informações puderam ser obtidas nos sites de suas respectivas editoras. Ao todo foram 17 obras encontradas nas áreas das ciências humanas e sociais dos países da América Latina sobre infância, adolescência e juventude.
Boa leitura a todas!
Lucia Rabello de Castro
Editora Chefe
Referências Bibliográficas:
PHOENIX, A. Accounting for ourselves and others: Living psychosocial hauntologies. PINS (Psychology in Society), v. 66, n. 1, p. 80-100, 2024.
RANGEL, L. H.; LIEBGOTT, R. A. Sob Bolsonaro, o genocídio dos povos indígenas foi naturalizado. Em Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil. Brasil: CIMI, 2022. p.13-17.
[i] Depoimento de Ualid Rabah na Câmara de Deputados no Brasil. Crianças e mulheres são as maiores vítimas da guerra em Gaza, ressaltam debatedores. Portal da Câmara dos Deputados. Acesso em: <https://www.camara.leg.br/noticias/1056658-criancas-e-mulheres-sao-as-maiores-vitimas-da-guerra-na-faixa-de-gaza-ressaltam-debatedores/>, em: 11 janeiro 2025.
[ii] Ver: When children are present in a genocide, Mondoweiss, março 2024. Acesso em: <https://mondoweiss.net/2024/03/when-children-are-present-in-a-genocide/>, em 16 janeiro 2025.
[iii] Ver: Sumário Executivo: Em 2022, intensificação da violência contra povos indígenas refletiu ciclo de violações sistemáticas e ataques a direitos. Em: Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil. Dados 2022. Brasil: CIMI, Conselho Missionário Indígena. Acesso em: <https://cimi.org.br/observatorio-da-violencia/edicoes-anteriores/>, em: 16 janeiro 2025.
Lista de Pareceristas 2024
Amanda Cristina Ribeiro da Costa – Brasil, Universidade Federal do Pará
Ana Luz Minera – México, Universidad Nacional Autónoma
Anderson de Andrade Silva – Brasil, Universidade Potiguar
Beatriz Takeiti – Brasil, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Bruno Vieira dos Santos – Brasil, Universidade Federal de Pernambuco
Carolina Trapp de Queiroz – Brasil, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Citlali Quecha – México, Universidad Nacional Autónoma
Conceição Seixas – Brasil, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Cristina Mansferrer México – Universidad Nacional Autónoma de México
Elisete Tomazetti – Brasil, Universidade Federal de Santa Maria
Esmael Alves de Oliveira – Brasil, Universidade Federal de Grandes Dourados
Fábio Giorgio Santos Azevedo – Brasil, Universidade Federal da Bahia
Fátima Flórido Cesar – Brasil, Pontíficia Universidade Católica-SP
Felipe Salvador Grisolia – Brasil, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Florencia Gentile – Argentina, Universidad Nacional de General Sarmiento
Gabriela Magistris – Argentina, Universidad Nacional de Mar del Plata
Geraldo Leão – Brasil, Universidade Federal de Minas Gerais
Giovanna Marafon – Brasil, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Heloisa Dias Bezerra – Brasil, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Iván Pascual – España, Universidad de Huelva
Jamile Guimarães – Brasil, Universidade de São Paulo
Karine Barbosa – Brasil, Universidade Federal de Ouro Preto
Kátia Lacerda Meira Menezes – Brasil, Universidade Federal de Pernambuco
Larissa de Pinho Cavalcanti – Brasil, Universidade Federal Rural de Pernambuco
Laura Cristina Eiras Coelho Soares – Brasil, Universidade Federal de Minas Gerais
Lis Albuquerque Melo – Brasil, Universidade Estadual do Ceará
Lisandra Ogg – Brasil, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Luciana Gageiro Coutinho – Brasil, Universidade Federal Fluminense
Luiza Teles Mascarenhas – Brasil, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Luziane Zacché Avellar – Brasil, Universidade Federal do Espírito Santo
Marcia Aparecida Gobbi – Brasil, Universidade de São Paulo
María Adelaida Colangelo – Argentina, Universidad Nacional de La Plata
María Celeste Hernández – Argentina, Universidad Nacional de La Plata
Maria da Graça Silveira Gomes da Costa – Brasil, Universidade Federal do Sul da Bahia
Maria Fernanda Barboza Cid – Brasil, Universidade Federal de São Carlos
María Isabel Jociles Rubio – España, Universidad Complutense de Madrid
Maria Madalena Gracioli – Brasil, Universidade Estadual Paulista
Mariana García Palacios – Argentina, Universidad de Buenos Aires
Marta Cruz Rodríguez – México, Instituto de Investigaciones Antropológicas de la UNAM
Monique Aparecida Voltarelli – Brasil, Universidade de Brasília
Neyra Alvarado – México, El Colegio de San Luis – Potosí
Noelia Enriz – Argentina, Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y técnicas
Olga Grijalva Martínez – México, Universidad Autónoma Benito Juárez de Oaxaca
Paula Kwamme Latgé – Brasil, Grupo de Estudos de Gestão e Ensino em Saúde- GEGES – ISC-PROPPi-UFF(GP CNPq)
Paula Shabel – Argentina, Universidad de Buenos Aires
Paulo Roberto da Silva Junior – Brasil, Faculdade Arnaldo e Faculdade Anhanguera Barreiro
Pedro Nuñez – Argentina, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales
Pía Leavy – Argentina, Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
Rachel Fontes Baptista – Brasil, Pontifícia Universidade Católica – RJ
Roberta Gracyelle de Lima Ferreira Cunha – Brasil, Universidade Federal de Pernambuco
Sabrina Pereira Paiva – Brasil, Universidade Federal de Juiz de Fora
Stallone Abrantes – Brasil, Centro Universitário de Valença
Tereza Correia da Nóbrega Queiroz – Brasil, Universidade Federal da Paraíba
Thaize de Souza Reis – Brasil, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Wanderlei Abadio Oliveira – Brasil, Universidade de São Paulo
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