Resenha por Sandra M. Arito.
Uma obra polifônica
Sobre polifonia referimo-nos à simultaneidade de vozes diferentes que formam uma harmonia. Além da independência de vozes diferentes, o ouvinte as percebe em conjunto, como um todo. Por que “polifônica”? Acontece que, depois de ler a obra, é extremamente difícil realizar uma crítica sem prestar atenção, por um lado, à diversidade de tons e nuances que a compõem; e em segundo lugar, à sua orquestração polida, o que permite ao leitor contemplar sua essência, o que se quer dizer, a melodia.
Trata-se de um livro cujo campo de estudo e análise são chaves para a compreensão das transformações sociais em qualquer país, porque dá voz e considera a perspectiva de um setor da população historicamente caracterizado por promover e reforçar as várias mudanças sociopolíticas. A compiladora e responsável pelas pesquisas subsequentes sobre o assunto, Dra. Graciela Yolanda Castro, tem uma importante trajetória em pesquisa, ensino e trabalho de campo com os jovens, além de incorporá-los profissionalmente em sua equipe de trabalho. Um percurso que está presente no rigor científico e robustez acadêmica que reflete o livro em cada uma de suas páginas.
Neste caso, a pesquisa foi conduzida no âmbito da chamada do Fundo de Pesquisa Científica e Tecnológica (FONCYT), através da Universidad Nacional de San Luis (UNSL), num projeto intitulado “Juventude e cultura: a construção de identidades juvenis na intersecção entre populismo e cidadania ativa”. O seu objetivo geral foi “analisar como se manifestam nas representações e práticas sobre os jovens as tensões entre as políticas do governo e os valores tradicionalmente atribuídos à educação para a formação de cidadania ativa” (Castro, 2014, p. 23).
Esta publicação originou-se na primeira pesquisa empírica sobre o assunto, realizada numa província da Argentina, o que é muito importante porque abre o caminho e cria um precedente valioso para estudos de jovens na Argentina e na região. Também é notável outra característica que claramente assinala a Dra. Castro:
Outro aspecto de interesse refere-se ao fato de levar em conta como variável do estudo o contexto sociocultural e político. Este aspecto não deve ser interpretado como meramente dado anedótico ou descritivo. Sua consideração, pelo contrário, baseia-se na interpretação de que o território, o espaço, vai para além das questões geográficas e demográficas para ter a sua relevância epistêmica e para a construção de significados que fazem a identidade e subjetividade de seus habitantes. A importância do simbólico constrói indivíduos com características diferentes a partir da incidência do contexto cultural, social e político. Esta situação foi um elemento de motivação para a apresentação do projeto ao considerar que a informação e análise que surgiu dele poderia fornecer contribuições de dados empíricos e aportes teóricos para conhecer e compreender aspectos das culturas juvenis na província de San Luis (Castro, 2014, p. 23-24).
Hoje sabemos que os problemas contemporâneos nos interpelam como região, numa América do Sul que compartilha muito mais do que apenas traços identitários; compartilha lutas, conquistas, dores e dificuldades. É interessante, então, fazer circular livremente todos os trabalhos e produções universitárias da região, e este livro é um deles.
Os jovens são frequentemente citados nos meios de comunicação e, repetidas vezes, de maneira preconceituosa, são colocados sob a lupa de uma opinião pública que só destaca os conflitos, distúrbios e transgressões, estigmatizando o seu apego a certos gostos e culturas particulares e ligando-os a posições radicais associadas com violência. Poucas vezes a juventude salienta-se por suas realizações e desempenhos destacáveis.
“Con voces propias” torna possível que essas vozes sejam ouvidas, ressaltadas, consideradas ou estudadas sem serem distorcidas. Isso se alcança com uma abordagem humano-social que, através do seu rigor científico, se libera de todos os tipos de preconceitos estigmatizantes e moralizantes.
Outro aspecto importante do trabalho é a abordagem interdisciplinar do objeto. Profissionais que trabalharam na pesquisa vêm de diversas áreas: psicologia, direito, comunicação social, economia, ciência política, serviço social, administração e educação. Esta pluralidade de pertencimentos profissionais converge para trazer à luz um livro que não apenas investiga vozes juvenis, mas o faz com diferentes olhares, desde diferentes ângulos.
Polifonia feita a rolar… Após situar o contexto provincial e suas circunstâncias particulares, a autora faz uma interpretação geral dos dados que determinam a situação de San Luis, uma província atravessada por políticas que foram cruciais para sua composição social, demográfica e cultural. Este estudo permite desvendar a trama de complexas relações nas quais se dá a gênese e o desenvolvimento do olhar dos jovens de San Luis e entender suas peculiaridades.
Graciela Castro particulariza um contexto extremamente interessante, que permite ao leitor compreender de onde nascem esses olhares dos jovens, emergentes de uma província inevitavelmente transformada a partir da Lei de Promoção Industrial, na década de 80. Além disso, na seção intitulada “Sagas Políticas”, a autora aponta algumas circunstâncias que necessariamente condicionam o cotidiano provincial e caracteriza sociodemograficamente alguns aspectos-chave da cultura jovem de San Luis pertencente ao espaço urbano e rural, tais como gênero, atividades, leitura, uso do computador, entre outros.
Os autores acompanham o leitor ao longo de um caminho composto por diferentes itens, entre eles o uso de Tecnologia da Informação e da Comunicação ligado aos consumos culturais, educação, trabalho e participação da juventude rural da província – que lhes permitem entender de forma coerente, mas sempre inacabada, um olhar que emerge, muda, adapta-se e evolui.
Um tema hoje imprescindível para qualquer estudo sobre olhares da juventude, é “o ciberespaço e a vida cotidiana”. Este é abordado a partir da realidade da província de San Luis, em conexão com o advento da internet e computadores em contextos sócio históricos de ruralidade, incorporando alguns dados que falam sobre as reformas e transformações da vida cotidiana em sua relação com a tecnologia. Da mesma forma, a juventude e o mundo do trabalho são aportes importantes do tema trabalhado, analisando-se as condições de trabalho da juventude da província de San Luis.
Além disso, a participação dos jovens é mais uma contribuição interessante que permite o acesso ao problema das tensões teóricas e metodológicas características do processo de investigação. Finalmente, ao término do livro é nomeada em particular a “educação” como um tema que atravessa a população jovem, a partir de duas perspectivas muito interessantes: por um lado, o acesso à universidade dos setores sociais desfavorecidos, a entrada por uma “porta giratória”, título que desnuda através de uma metáfora triste e dolorosa uma realidade palpável; por outro, aborda as culturas juvenis e culturas escolares, focalizando os processos de inclusão e exclusão na educação da juventude na província de San Luis.
Vale ressaltar que os gráficos ilustrativamente claros e as fotografias completam atraentemente uma obra rica e, sem dúvida, polifônica.
Referencias Bibliográficas
CASTRO, Graciela (Comp.). Con voces propias: miradas juveniles contemporáneas en San Luis. Villa Mercedes (Argentina): Editorial El Tabaquillo, 2014.
Palavras-chave: juventude, vida cotidiana, participação.
Data de recebimento: 28/03/2016
Data de aprovação: 18/05/2016