Resenha por Teresa Cristina de Carvalho Piva
Sagrado e profano
O objeto de estudo da pesquisa é a figura do aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro, levando em consideração muitas informações que, para muitas pessoas da Sociedade Carioca, passariam despercebidas e que talvez sejam inacessíveis aos olhos dos observadores. A obra é composta de uma introdução, cinco capítulos e conclusão. Entre o segundo capítulo e o terceiro, existe um interlúdio, no qual o autor descreve as emoções e reações sentidas quando ainda era aluno da Escola Preparatória para Cadetes do Exército (EsPCEx), ao participar de uma cerimônia à Bandeira Nacional.
O primeiro capítulo é dedicado aos referenciais teóricos e, com a finalidade de fundamentar seus argumentos nas teorias sociais e filosóficas, o autor lançou mão de diversos autores renomados, a saber: Bruno Latour, Michel Foucault e Giorgio Agamben.
A história do centenário Colégio Militar do Rio de Janeiro, inicialmente chamado de Imperial Colégio Militar, criado no ano de 1889, foi apresentada no capítulo 2, com o objetivo de mostrar ao leitor a origem da instituição de ensino, bem como a ideologia e o funcionamento do ensino no Exército Brasileiro. O autor utilizou uma linguagem própria para apresentar a forma pedagógica que o colégio utiliza nos seus 128 anos de existência e a qual nomeou de “pedagogia patronímica”, ou seja, o emprego de patronos e outros vultos ilustres como “totens”. Esta colocação é motivada pelas referências de caráter e de comportamentos desejados para os componentes das Forças Armadas Brasileiras.
A trajetória histórica do Colégio Militar foi relatada com olhares diferenciados, pois o autor, além de ser Mestre em Educação e Doutor em Ciências Sociais, não deixou de se apresentar como Oficial Superior do Exército Brasileiro e relatou que por muitos anos atuou na Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA), órgão que possui atribuição de planejar, coordenar e supervisionar o ensino, não só no Colégio Militar do Rio de Janeiro, como também em todos os Colégios Militares do Brasil.
O terceiro capítulo foi dedicado a relatar um evento comum nas escolas militares, a cerimônia de recebimento da boina, um adereço pertencente ao uniforme dos alunos. Esta solenidade é um marco na vida estudantil dos alunos. Trata-se do ato da entrada pelo portão principal da escola, em que todos os alunos, de forma protocolar, desfilam e se encaminham a um pátio em que, formados e em uma cerimônia, recebem de um padrinho ou madrinha a sua boina. Esta foi a primeira análise etnográfica do autor que, ao longo dos capítulos, irá aprofundar e se aproximar mais deste e de outros componentes importantes para os que usam um fardamento. Serão apresentadas as diferentes interpretações acerca da importância e da utilização da boina pelos alunos, e o olhar atento do autor não passou despercebido em nenhum dos relatos feitos pelos estudantes.
O capítulo 4 é, sem dúvida, o que mais demonstra o envolvimento e o amor transmitido nas emoções de pertencimento dos alunos e ex-alunos dos Colégios Militares. O aniversário de criação do Colégio Militar do Rio de Janeiro é comemorado no dia 06 de maio e este acontecimento é marcado por um grande encontro de alunos, professores, ex-alunos, ex-professores, familiares, amigos e todos os que desejarem participar. Na praça principal do colégio, nomeada de Praça Tomás Coelho, em homenagem ao Conselheiro do Imperador D. Pedro II, considerado o criador do Imperial Colégio Militar, os alunos se organizam e se preparam para o momento solene: “a formatura”. Após a leitura de textos alusivos à criação do colégio e a premiação dos melhores alunos, todos os alunos e ex-alunos desfilam entoando a canção do Colégio Militar e, ao final, executam uma saudação colegial que para muitos é considerada um grito de guerra. Esta festividade é descrita com riqueza de detalhamento pelo autor e toda a emoção que é sentida pelos alunos e ex-alunos é transmitida neste capítulo, intitulado “ao chorarmos a saudade do Colégio Militar”, um fragmento retirado da Canção do Colégio Militar do Rio de Janeiro.
O capítulo 5 é o mais consistente e o de maior tamanho, possuindo 129 páginas. Nesta parte, o autor se dedica ao emprego da Teoria do Autor-Rede com maior rigor. Muitas foram as entrevistas e observações visando a fazer um perfeito e o mais realista possível mapeamento das apropriações, releituras e novos significados feitos pelos alunos, levando em consideração os adereços e elementos identitários que são utilizados nos uniformes e que muitos dos entrevistados chamaram de fardas. Estes diferentes olhares e interpretações são relatados pelo autor, apresentando as necessidades de os alunos cumprirem as regras exigidas pela instituição e, também, visando ao melhor convívio com os membros que coordenam e comandam a organização de ensino.
Finalmente, no fechamento do autor, a conclusão, o autor Fábio Facchinetti Freire retoma a proposta inicial da pesquisa e responde a vários questionamentos iniciais, fundamentado nas observações e teorias utilizadas.
A obra possui uma leitura agradável e instigante, fazendo com que o leitor se mantenha atento às informações. Certamente, será de interesse dos alunos, ex-alunos e futuros candidatos a serem alunos de Colégios Militares. Os professores e militares, acredito, gostarão de ler a obra, tendo em vista terem vivenciado muitos dos relatos dos textos.
A formação inicial do autor Fábio Facchinetti Freire é oriunda da Academia Militar das Agulhas Negras, posteriormente, fez outras especializações dentro da área militar que o tornaram Oficial Superior do Exército Brasileiro. Atuou como militar em várias instituições militares, mas em especial, na Seção de Ensino da Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial – DEPA, órgão militar que muito o auxiliou nos olhares desta pesquisa, pois este órgão é o responsável por planejar, coordenar, controlar e supervisionar o ensino em todos os Colégios Militares. Posteriormente, como civil, obteve o título de Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em adição, obteve o título de Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC.
Foi muito agradável a leitura do livro, fluiu saborosamente, até porque a presente leitora foi ex-professora titular atualmente aposentada do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Em vários momentos, a emoção aflorou e, com isso, foi possível relembrar passagens marcantes como educadora da Casa de Tomás Coelho.
Referências Bibliográficas
FREIRE, Fábio Facchinetti. Estamos alunos: um estudo sobre a identidade contemporânea dos alunos de Colégio Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma Livraria e Editora, 2017.
Palavras-chave: colégio militar; sociologia dos militares; antropologia da educação.
Data de recebimento: 25/09/2017
Data de aprovação: 06/10/2017