“’Porque así soy yo’. Identidad, violencias y alternativas sociales entre jóvenes pertenecientes a ’barrios’ o ’pandillas’ en colonias conflictivas de Zapopan”, de Rogelio Marcial Vázquez e Miguel Vizcarra Dávila

 

 

A honra ou dignidade afirmada pelos jovens homens na relação com outros homens ganha conotação distinta na relação com as mulheres, que têm participado cada vez mais da dinâmica das violências locais. A feminilização das ‘pandillas’ aponta uma tentativa delas de também desenvolver autodefesa; ocorre, no entanto, que comumente não são aceitas nos grupos por questões que marcam as dinâmicas das relações de gênero, a clara cisão casa e rua que continua a operar e estabelecer para elas as tarefas domésticas. Por outro lado, o aumento da violência de gênero contra as mulheres tem funcionado, nesse cenário, como recurso de afirmação, às avessas, de uma outra honra dos jovens homens, associada à afirmação de masculinidade, o que coloca em pauta a urgência de se refletir sobre processos diferenciados de subalternização. O ajuste dessa lente faz-se fundamental para o estudo das culturas juvenis na contemporaneidade.
Do ajuste da lente à apuração da audição, retornemos ao Brasil de 1997, onde as estatísticas sobre altas taxas de homicídio e desemprego entre jovens pobres ganharam uma vocalização diferenciada. Ao invés de especialistas, acadêmicos, foi pela rima do grupo de Rap Racionais MC´s que a razão governamental da exclusão e marginalidade adquiriu importante visibilidade social na narrativa crua sobre o cotidiano dos/das moradores de periferia. A faixa 8 do disco “Sobrevivendo no inferno” tem como título a afirmação “Periferia é periferia (em qualquer lugar)”. O título tornou-se bandeira ético-politico entre manos e minas, que se (re)conhecem nos detalhes de cada palavra e verso de um estilo musical que não pretende agradar a ouvidos ditos sensíveis. Certa vez, escutei de um dos jovens hip hoppers que a beleza do Rap é que ele age como uma bala e corta o pensamento. Corta o pensamento porque produz uma diferença e depois da palavra posta não há mais como olhar aquela realidade da mesma maneira. A poesia em rima parece operar uma incisão no processo de dominação, interrompe, mesmo que parcialmente, seu fluxo e produz prazer na possibilidade de dizer da própria dor e revolta daqueles/daquelas que se consideram filhos e filhas de uma mesma periferia.
No estudo em tela é significativa a adesão de jovens de diferentes idades (dos 10 aos 36 anos) ao Rap que, por sua vez, foi utilizado na pesquisa-intervenção como produto cultural fundamental ao processo de mediação das práticas de violência entre ‘pandilleros’, sendo estes convocados a elaborar propostas e autocríticas à violência generalizada em suas comunidades.
Algumas apostas da equipe foram fundamentais aos méritos alcançados pelo trabalho de pesquisa-intervenção empreendido: compreender a participação dos jovens na dinâmica da violência a partir de seus referentes artísticos e culturais, entendendo assim que práticas criminosas e atividades ilegais não esgotam a multiplicidade e complexidade de expressões da violência; identificar atividades que, a partir de suas próprias práticas culturais, possam representar possibilidades de ganho financeiro fundamentais à sua sobrevivência. Fazer do veneno o antídoto através da utilização dos meios de comunicação de massa como importante aliado para a reconstrução da imagem dos jovens de um ponto de vista das suas possibilidades e não das suas faltas, falhas e carências.
Retornando ao nosso personagem Garnizé, o outro complementar a Helinho, ao invés de crimes, ele carrega nas costas tatuagens de Malcolm X, Martin Luther King e Che Guevara5, importantes referentes na luta contra as desigualdades sociais. O investimento do projeto de pesquisa no campo das relações interpessoais entre jovens e no seu potencial para construção de leituras críticas sobre suas realidades intentou também que os jovens artistas de ‘barrios’ ou ‘pandillas’ se tornassem exemplo a seguir, a partir de uma outra relação com suas comunidades, com o Estado, com a academia.
O livro de Rogelio Marcial e Miguel Vizcarra é uma importante referência de pesquisa-intervenção decolonial pelo seu compromisso com a ressignificação ético-estética e política da vida de jovens subalternizados. Com certeza, uma obra inspiradora para o campo-tema juventude.
Boa Leitura!

5 – Ver em http://www.almirdefreitas.com/almir/Rap_do_Pequeno_Principe_contra_as_Almas_Sebosas___Paulo_Caldas_e_Marcelo_Luna.html. Acesso em 31 de outubro de 2014.

Referências bibliográficas

Hardt, Michael; Negri, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001.
Haraway, Donna. Manifesto Ciborgue: Ciência, Tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. Em: Tadeu, T. (org). Antropologia do Ciborgue – as vertigens do pós-humano. 2ª edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
Vázques, Rogelio Marcial; Dávila, Miguel Vizcarra. “Porque así soy yo”, Identidad, violencias y alternativas sociales entre jóvenes pertenecientes a “barrios” o “pandillas” en colonias conflictivas de Zapopan. Zapopan: H. Ayuntamiento de Zapopan y El Colegio de Jalisco, 208 páginas.
Palavras-chave: culturas juvenis, contextos de violência, produção artístico-cultural.
Data de recebimento: 31/10/2014
Data de aceitação: 10/11/2014

Jaileila de Araújo Menezes jaileila.araujo@gmail.com Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia, Professora do Departamento de Psicologia e Orientações Educacionais do Centro de Educação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia (Universidade Federal de Pernambuco, Brasil). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas (GEPCOL) desta universidade.