“Políticas de infancia y juventud: producir sujetos y construir Estado”, de Mariana Chaves e Enrique Fidalgo Zeballos (coords.)

Resenha por María Celeste Hernández.
 

Fazer-saber: infâncias e juventudes em perspectiva

Neste livro, de criação tão coletiva, como evidenciam suas páginas, os textos surgem da inquietude para diminuir as distâncias que frequentemente separam os âmbitos denominados acadêmicos dos identificados como “de intervenção”. Movidos por esse desafio, um grupo integrado pelo Fórum Provincial pelos Direitos da Criança e do Adolescente da Província de Buenos Aires, pelo Colégio de Assistentes Sociais e Trabalhadores Sociais da Província de Buenos Aires, pelo Colégio de Psicólogos da Província de Buenos Aires Distrito IX, pela Secretaria de Pesquisa e Pós-graduação da Faculdade de Trabalho Social da Universidade Nacional de La Plata e pelo Grupo de Estudos sobre Juventudes (Laboratório de Estudos em Cultura e Sociedade) da mesma unidade acadêmica, organizou em 2009, na cidade de La Plata (Província de Buenos Aires, Argentina), um ciclo de debates. “Por outra relação do Estado com a infância, a adolescência e a juventude: interpelando práticas e construindo saberes” foi o nome deste espaço de intercâmbios, que hoje chega em versão impressa.
O ciclo foi planejado a partir de uma lista de temas adjetivados como “relevantes”, “preocupantes” ou “necessários” pelos organizadores. Foi a partir deles que se estabeleceram os encontros de intercâmbio e, posteriormente, os capítulos do livro. A obra expõe, assim, uma certa ordem de prioridades que atravessa o campo de reflexões daqueles que trabalham com crianças, adolescentes e jovens pelo pleno exercício dos seus direitos,e cujo desenvolvimento é ainda vigente, apesar dos anos que separam os debates e os artigos aos quais deram origem. E ainda que estes sejam assinados por um autor, é possível entrever em cada texto os debates entre os participantes, nos quais as palavras compartilhadas deixaram as suas marcas nas interrogações, reflexões e asseverações reeditadas nestas páginas.
É imprescindível situar este livro no contexto de sanção de uma nova normativa em matéria de infância1, aquela que procura adequar as leis da Província de Buenos Aires aos princípios reitores da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Este esclarecimento não só fornece coordenadas de leitura para o conteúdo de alguns capítulos, como também deixa claro o compromisso ético-político dos seus autores, ao se encontrarem interpelados por uma norma que os integra como atores do Sistema de Promoção e Proteção Integral de Direitos2, que ela mesma cria.
Enrique Fidalgo3 introduz o livro e, simultaneamente, o processo de idas e vindas do qual participaram diferentes atores e organizações sociais para conseguir a reforma legal em matéria de infância, aquela que estabelece as bases para as políticas, sempre em revisão, procurando que a infância “não seja um tema menor”. O primeiro capítulo dá continuidade a esta “história de tensões entremeadas”, fazendo uma radiografia da dimensão política da legalidade. A autora, Ana Laura López4, marca com agudez crítica tensões analíticas que interpelam as práticas dirigidas às crianças e jovens da nossa sociedade. A proposta é dar visibilidade à construção conjunta de um conhecimento dado, que culminou com a aprovação desse conjunto de leis e implicou, simultaneamente, a aquisição de novos saberes específicos, assim como a revisão de práticas e pré-conceitos, e a assunção de novos papéis como atores sociais ativos na realidade social e política. Este acionar é relatado em primeira pessoa nos artigos desenvolvidos pelo Fórum Provincial pelos Direitos da Criança e do Adolescente da Província de Buenos Aires, pelo Colégio de Trabalhadores Sociais e pelo Colégio de Psicólogos, nos quais se expõe o exercício de corresponsabilidade por eles assumido, respondendo à proposta do texto jurídico.
Aguçando o olhar, López aponta alguns paradoxos da forma normativa de produção de sujeitos. Ela observa as contradições postas em jogo quando as necessidades e expressões de crianças e jovens são tantas vezes interpretadas e traduzidas sem conseguir se despojar de um olhar adultocêntrico. A autora se pergunta para quais crianças as leis declaradas “para todos” acabam sendo destinadas, ou como reduzir a hipertextualidade tantas vezes distante da possibilidade de efetivar os direitos que enuncia.
Fortalecendo um eixo analítico que relaciona normas e práticas, universais e particulares, Pedro Nuñez5 aborda a educação secundária, com foco nas relações concretas entre estudantes jovens e docentes. O autor se distancia das difundidas ideias de “crise da educação” para inscrever o debate nas representações – não necessariamente compartilhadas – que atravessam a chamada “comunidade” escolar. Procurando compreender os limites que organizam a experiência escolar das novas gerações, Nuñez se centra na “vida política” tal como ela é entendida e praticada por uns e outros atores.
Silvia Elizalde6 nos convida a refletir sobre a ausência de um olhar de gênero,tanto nas produções acadêmicas,quanto nas intervenções ou políticas que envolvem crianças e jovens, e que tendem a negar a diferença ao não torná-la visível. Seu artigo analisa as lógicas que parecem operar em espaços socializadores dos jovens frente a atuações de gênero e sexualidade. A partir dessa experiência, a autora ilumina de maneira esperançosa as fendas institucionais por onde é possível problematizar práticas e concepções de gênero e questiona as dinâmicas estigmatizadoras e excludentes que se fundam em tais distinções.
Em seu texto, Laura Kropff7 relata as maneiras como as categorias etárias e de aboriginalidade se entrelaçam, produzindo identidade. A autora expõe aquelas ferramentas conceituais que, a partir da disciplina antropológica, lhe permitiram observar processos concretos de construção identitária. Este capítulo se aprofunda nas interações, colocando em evidência as maneiras assimétricas em que os limites identitários podem ser negociados, no caso de jovens mapuche que se reconhecem como mapurbes ou mapunkies.
Ariel Adaszko8 sistematiza e reflete sobre as trajetórias de vida de um grupo de jovens que cresceram com HIV, enfocando experiências distintas da doença, entendida como processo variável que afeta um corpo em um mundo social. A partir dessa compreensão, é possível pensar as práticas e representações em tensão que se manifestam em cada caso, assim como as inclinações sobre múltiplos aspectos da vida, sempre socialmente situadas. Crianças e adolescentes, considerados sujeitos ativos e reflexivos, se tornam, a partir das suas particularidades, atores fundamentais nos processos de saúde-doença-atendimento que os envolvem.
Desta perspectiva compartilhada, que aborda as próprias práticas e representações dos jovens e seus vínculos com as de outros atores sociais, se formulam também as reflexões de Mariana Chaves9. Em seu capítulo, a autora oferece, por um lado, ferramentas para refletir e trabalhar com práticas culturais dos jovens e, por outro, uma discussão em torno dos mecanismos de produção de representações sobre essas práticas na esfera pública e como elas se convertem em tema de debate ou são definidas como “problema social”. Chaves propõe alguns critérios para trabalhar a desnaturalização dos dispositivos que produzem visibilidade ou invisibilidade, construindo moralidades em torno de determinados jovens.
A aprovação da Lei de Promoção e Proteção dos Direitos das Crianças dá continuidade ao debate relatado nos primeiros capítulos do livro. O desafio a partir daí é o processo de produção social e institucional esboçado na legislação, que procura forjar novas práticas e conceituações coerentes como paradigma de direitos. Ivonne Allen10 observa este momento, em que “as mudanças na legislação são necessárias, mas não suficientes, para fazer cumprir os direitos das crianças”. A autora debate a dimensão ético-social do papel profissional, acreditando ser necessário fortalecer o potencial de reflexão, criação e intervenção que cada ator tema partir do seu lugar de trabalho e das condições reinantes.
O livro, no seu conjunto, se apresenta como uma busca de elementos que possam contribuir, a partir do saber produzido, para afirmar práticas que propiciem o exercício de direitos. Os saberes compartilhados que não respeitam fronteiras disciplinares suscitam desafios a respeito dos “novos” sujeitos de direitos. Os textos que compõem esta obra constituem um passo nesse caminho, ao considerarem formas plurais e desiguais de viver a infância, a adolescência e a juventude, fugindo de definições únicas que “negam o caráter intergeracional que as torna possível”, tal como afirma Verónica Cruz11 no prólogo da obra.
Clivagens como o gênero, a identidade étnica ou a classe social se interrelacionam com a idade, situando socialmente as pessoas e somente a partir da consideração deste lugar podem ser construídas as condições que tornam possíveis os seus direitos. É justamente aí, no propiciar intervenções que habilitem interrogações pelo próprio lugar e pelas próprias formas de fazer, que se encontram os desafios a enfrentar. Ao se afastar do objetivo tão enunciado – nem sempre cumprido na prática – de escutar as crianças e os jovens, os autores notam a imprescindível consideração da autoridade adulta, que se interpõe cada vez e torna menos visível a suposta “igualdade” de tais vozes.
Tal como enfatiza a conclusão, construir o Estado é o maior desafio apresentado pelos autores do livro. Estado em suas múltiplas escalas e apresentações, que se encontra nas práticas de intervenção social, docentes e científicas. Estado que não se esgota nelas, mas que frequentemente se forja nos vínculos em seu interior e entre este e seus cidadãos. A possibilidade de que um direito se realize para uma criança depende, em certa medida, e como demonstraram os autores aqui reunidos, da pessoa que está atrás de um balcão, de um educador ou trabalhador da área da saúde, de uma determinação de um Conselho Profissional, ou de um jornalista que cuide dos efeitos das suas notícias. Aprofundar essas práticas, analisá-las, discuti-las, difundir o conhecimento produzido e enriquecê-lo é o propósito desta obra. Tarefa que seus leitores continuarão realizando com novos diálogos entre as suas próprias disciplinas, experiências e saberes.
Com a convicção de que as ações das pessoas fazem os sistemas, dispositivos e legitimidades, o livro convida a avançar neste caminho, sendo ele mesmo uma bússola de que cada um poderá fazer uso para contribuir para forjar políticas, produzir sujeitos e construir Estados de direito para suas crianças, adolescentes e jovens.

 
1- Nos referimos aqui à Lei Provincial 13.298, que trata da promoção e proteção integral dos direitos das crianças, às modificações nela introduzidas pela lei 14.537 e às leis complementares 13.634 e 13.803.
2- A Lei Provincial 13.298 se refere, no seu artigo 14, ao Sistema de Promoção e Proteção Integral dos Direitos das Crianças, que define como “um conjunto de organismos, entidades e serviços que formulam, coordenam, orientam, supervisam, executam e controlam as políticas, programas e ações, no âmbito provincial e municipal, destinados a promover, prevenir, assistir, proteger, resguardar e reestabelecer os direitos das crianças, assim como estabelecer os meios através dos quais se assegure o efetivo gozo dos direitos e garantias reconhecidos na Constituição Nacional, na Constituição da Província de Buenos Aires, na Convenção sobre os Direitos da Criança, e nos demais tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Estado argentino” (tradução nossa).
3- Professor da Faculdade de Trabalho Social, Universidade Nacional de La Plata (FTS/UNLP).
4- Professora da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (FfyL/UBA). Integrante do Grupo de Estudos sobre Sistema Penal e Direitos Humanos (GESPyDH) do Instituto Gino Germani da Faculdade de Ciências Sociais, UBA.
5- Pesquisador do CONICET na Área de Educação da FLACSO argentina. Professor da Universidade de Buenos Aires e do Programa de Pós-graduação do Instituto de Estudos Sociais/ Universidade de General Sarmiento (IDES/UNGS).
6- Pesquisadora do CONICET e integrante do Instituto Interdisciplinar de Estudos de Gênero e da Área Queer (Faculdade de Filosofia e Letras, UBA). Professora da UBA e da UNLP.
7- Pesquisadora do CONICET com sede no Instituto de Pesquisas em Diversidade Cultural e Processos de Mudança (IIDyPCa), Sede Andina, Universidade Nacional do Rio Negro. Professora da Escola de Estudos Sociais e Humanidades da mesma universidade.
8- Professor e Pesquisador da Faculdade de Filosofia e Letras, UBA. Coordenador da Área Estudos e Monitoramento, Direção de Aids e doenças de Transmissão Sexual, Ministério da Saúde da Nação Argentina.
9- Pesquisadora do CONICET, sediada no Laboratório de Estudos em Cultura e Sociedade, Faculdade de Trabalho Social, UNLP. Professora e pesquisadora da mesma universidade.
10- Graduada em Trabalho Social no Poder Judiciário, Província de Buenos Aires, Argentina.
11- Professora e pesquisadora da Faculdade de Trabalho Social, UNLP.

 

 Referência:

CHAVES, Mariana. ZEBALLOS, Enrique Fidalgo (coords.). Políticas de infancia y juventud: producir sujetos y construir Estado. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Espacio Editorial, 2013.

María Celeste Hernández Doutoranda do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas da República Argentina (CONICET) e membro do Laboratório de Estudos em Cultura e Sociedade (LECyS) da Faculdade de Trabalho Social, Universidade Nacional de La Plata.