É com enorme satisfação que, em nome de toda a Equipe Editorial, trazemos ao público leitor o primeiro número do periódico DESidades. Com vistas a privilegiar o campo da infância e juventude, o periódico pretende, não somente difundir o conhecimento científico destas áreas, como também introduzir discussões que ensejem a reflexão necessária sobre questões pertinentes a esses segmentos sociais. Caracterizada por relativa invisibilidade, a contribuição de crianças e jovens à construção da sociedade desfruta de parco reconhecimento de onde resulta a visão de que somente os adultos devem e podem traçar os destinos comuns. Criar espaços públicos de discussão de modo a problematizar perspectivas tão solidificadas, é a aposta que fazemos ao lançar este periódico.
DESidades é um periódico de divulgação científica avaliado por pares de periodicidade trimestral. Publicado em português e em espanhol, e contando com dois Conselhos Científicos, um nacional e outro internacional, o periódico lança o desafio da interlocução sobre as questões da infância e juventude no espaço latino-americano. Agradecemos a toda(o)s a(o)s renomada(o)s Colegas que, com muito entusiasmo, aceitaram o convite de fazer parte desta iniciativa e sua disponibilidade para o trabalho futuro.
A caracterização de divulgação científica deste periódico atende à demanda de tornar mais democrática a difusão do conhecimento científico sobre a infância e a juventude, principalmente as pesquisas desenvolvidas nas universidades e centros de investigação. Embora haja uma diversidade de veículos que difundem conhecimentos e informações sobre estas áreas, nem sempre os temas são tratados com a profundidade que merecem. A proposta da revista é aliar o tratamento profundo das questões com a comunicação escrita acessível a um público de não especialistas. Assim, pretendemos ampliar as fronteiras das discussões envolvendo aqueles que trabalham com crianças e jovens e os que os têm como alvos de suas práticas. A relevância de esgarçar as fronteiras entre especialistas e não especialistas pode contribuir para que novos imaginários sociais se produzam impactando políticas para, e realidades de, crianças e jovens.
Da mesma forma, o esgarçamento de fronteiras disciplinares se faz necessário ao tomarmos a infância e a juventude como foco de discussão. Hoje, a contribuição de todas as disciplinas humanas e sociais se faz presente no estudo da infância e juventude que necessita incorporar a pluralidade de perspectivas para alcançar compreensões amplas e multifacetadas. O periódico DESidades se respalda na concepção multidisciplinar da área e no diálogo fecundo das disciplinas em torno da temática da infância e da juventude, o que se reflete na composição de ambos os Conselhos Científicos, nacional e internacional. Contamos que, por meio desse espaço de escrita e de difusão de ideias o debate acadêmico possa se dar de modo a realizar, de fato, a prática transdisciplinar do pensar.
A iniciativa do periódico coube ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como parceiros dessa iniciativa estão o Instituto de Psicologia, o Programa de Pós-graduação em Psicologia, a Faculdade de Educação, o Instituto de Psiquiatria e o Centro de Ciências Humanas, todos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Contamos com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) do Ministério de Ciência e Tecnologia/Brasil, e da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
De modo a propiciar uma abordagem diversa das questões da área, o periódico DESidades apresenta três seções diferentes: “Temas em Destaque”, para os artigos; “Espaço Aberto” para entrevistas; e “Informações Bibliográficas” para a divulgação de publicações da área ao longo do período em questão, assim como para resenhas. Com isso, configuramos um espaço mais heterogêneo de circulação e debate de ideias.
Neste número inaugural do periódico, o Espaço Aberto traz a entrevista conduzida pela Professora Claudia Mayorga da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, com os Professores Oscar Aguilera, da Universidade Católica del Maule, Chile, e Rogelio Marcial do Colegio Jalisco, Universidade de Guadalajara, México, sobre as manifestações juvenis que tem sacudido nossas sociedades assumindo clamores e reivindicações não apenas juvenis, mas de toda a população. Como uma configuração nova de forças, discursos e formas de ação que demanda compreensão mais profunda, estes três estudiosos do campo da juventude e política discutem as semelhanças e as diferenças desses movimentos nos três países. Além disso, os três investigadores buscam dar conta de quais especificidades marcam tais manifestações em relação a outras ocorridas em décadas passadas, ou mesmo aquelas contemporâneas, como a da Primavera Árabe, que têm surgido em outros países. No entanto, mais do que focalizar apenas nas mobilizações como um fato que clama por novas chaves de entendimento, os debatedores buscam contextualizá-las na discussão mais ampla sobre juventude: quem são e como são os jovens de hoje? O que querem? Que diferenças existem dentro desse grupo social? Como eles entendem a política e a ação política? Que projetos societários defendem e por que? Deste modo, cremos que o encaminhamento da discussão garante o aprofundamento necessário indo na contramão de perspectivas aligeiradas em que falta a visão totalizadora de como este fenômeno está imbricado em outros aspectos relevantes.
A seção Temas em Destaque traz dois artigos. O primeiro “Controle e medicalização da infância” das Professoras Maria Aparecida Affonso Moysés, Titular de Ciências Médicas, e Cecília Azevedo Lima Collares, livre-docente da Faculdade de Educação, ambas da Unicamp, Brasil, analisa o processo crescente de controle da infância por meio da medicalização. As autoras partem do questionamento da naturalização dos comportamentos e da normatização decorrente utilizada para transformar as dificuldades do viver em distúrbios físicos e psicológicos. Neste sentido, a medicina exerce hoje o papel de legisladora dos comportamentos adequados, úteis e relevantes à ordem social embasada em uma concepção determinista. A medicalização recai de forma assustadora sobre a infância que se quer legislar e conter: as crianças são, crescentemente, vistas como padecendo das doenças do não-aprender que podem ser corrigidas pelo uso dos medicamentos. Como nos informam as autoras, são cada vez mais numerosas as síndromes da infância, assim como crianças que delas padecem: nos EUA em 2007 quase 5 milhões de crianças eram medicadas com Ritalina. O que tais números dizem da sociedade em que vivemos? O que mostram a respeito da infância com que se quer conviver?, perguntas que não podemos deixar de fazer sob pena de estarmos entregando o destino da convivência com as crianças às indústrias farmacêuticas. As autoras fornecem indicações sobre a cientificidade das evidências e, indo mais além, indagam sobre a restrição auto-imposta de possibilidades de futuro da nossa sociedade medicalizada.
O segundo artigo “Sobre a invisibilidade social das juventudes rurais” do Professor Nilson Weisheimer, coordenador do Núcleo de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, Brasil, analisa como as juventudes rurais têm permanecido invisíveis no debate acadêmico sobre juventude, e por outro lado, como tal invisibilidade se manifesta em práticas excludentes, preconceituosas e estigmatizantes que fazem dos jovens rurais sub-cidadãos que não gozam de seus direitos políticos e sociais. O autor aponta a complexidade e a singularidade da posição de ser jovem rural que, diferentemente de outras juventudes, mantem no raio das relações familiares os modos prevalentes de interação social, e uma condição de subordinação clara à geração mais velha. No entanto, como discute o autor, será que podemos pensar um projeto de Brasil moderno sem incluir os jovens rurais como atores estratégicos de desenvolvimento do campo? A perspectiva de modernização centrada no urbano, que determina uma certa dicotomia entre urbano e rural cristalizando o imaginário sobre a juventude deve ser problematizada de modo a poder incluir outros modos de ser jovem. Além disso, como adverte o autor, a própria concepção de ser jovem no campo deve permanecer plural de modo a acolher a diversidade de tantas e diferentes condições de vida e modos de ser dos jovens rurais.
Finalmente, na seção de Informações Bibliográficas publicamos duas resenhas. A Professora Edwiges Carvalho Corrêa apresenta o livro Juventude no século XXI: dilemas e perspectivas, organizado por Heloisa Dias Bezerra e Sandra Maria Oliveira. A segunda resenha, da Professora Mariangela da Silva Monteiro, apresenta o livro O futuro da infância e outros escritos de Lucia Rabello de Castro.
Sabemos das dificuldades que cercam qualquer projeto que altere o status quo. Desde que iniciamos há mais de um ano atrás o projeto da DESidades muitos foram os percalços a serem vencidos, e outros, certamente, virão. Por outro lado, esse tem sido um projeto coletivo cuja equipe é dotada de uma combatividade alegre e dedicada que a fez chegar ao final desta edição inaugural. Sem querer prever o futuro, ousamos crer que outras edições se seguirão a cada três meses. E, esperamos que, trimestralmente, a DESidades traga uma contribuição relevante ao campo da infância e da juventude. E o tempo, que um dia se acumulou em “idades”, e solidificou concepções de “ser”, possa ser questionado e seus efeitos etários possam ser indagados.
Lucia Rabello de Castro