Nas sociedades democráticas modernas a igualdade é um valor que precisa ser verificado nas práticas sociais. É na atualização de modos de existência e sociabilidade mais justos que alcançamos concretizar o valor da igualdade, mesmo que persistam as disputas e os desacordos sobre as formas de verifica-lo.
A inclusão de crianças, todas as crianças, na escola regular foi, desde as reformulações legais ocorridas em 1996, uma provisão que almejou promover a verificação do princípio de igualdade. Oferecer uma educação universal para todos, e, sobretudo, fazer que ela se realize através da convivência de todas as crianças entre si – por mais especiais e diferentes que sejam – foi uma maneira de atualizar na educação brasileira o princípio da igualdade.
Na entrevista que trazemos na seção Espaço Aberto desta edição, com a educadora e pesquisadora Cristina Maria Carvalho Delou, são discutidos os impasses e as dificuldades de se implementar a inclusão de crianças especiais nas escolas regulares. Como diz a pesquisadora, “o nível de consciência da necessidade de inclusão não atinge a todos”, nem mesmo os profissionais que trabalham em educação. As resistências não são apenas de ordem prática, por exemplo, como as professoras vão lidar com alunos autistas, cegos ou outros que sejam portadores de necessidades especiais junto com todos os outros trinta ou quarenta alunos e alunas de sua sala de aula. Existe, segundo nossa entrevistada, uma lentidão em assimilar como a inclusão é importante no sentido de construir uma sociedade mais justa e democrática. Sem dúvida, as dificuldades práticas para incluir crianças de todos os tipos em um processo regular de ensino são inúmeras, a começar pela falta de preparação e formação docente. No entanto, a pesquisadora aponta que não dá mais para retroceder: seria injusto a esta altura se perguntar se a política de inclusão está correta. A pesquisadora denuncia que uma sociedade justa não é aquela que provê aposentadorias precoces para todos aqueles que são considerados inaptos, por força das suas diferenças em relação a um padrão de normalidade, mas aquela que provê oportunidades reais para que todos participem da vida em sociedade de acordo com suas possibilidades.
Os embates em torno de efetivar a inclusão como um valor que torna mais igualitárias as práticas de convivência entre as crianças nos interrogam sobre a distância entre princípios e práticas. Cabe, portanto, pensar como a morosidade e as resistências de implementar a inclusão no cotidiano adverso das escolas pode ser um elemento para interrogar e discutir a relação complexa entre os valores professados de igualdade e justiça e as formas mais adequadas de atualizá-los.
O que a cidade contemporânea faz com seus jovens? Como os jovens fazem a cidade? No artigo da seção Temas em Destaque, a antropóloga mexicana Maritza Urteaga nos instiga com seu artigo sobre três formas juvenis atuais de habitar a cidade do México: a dos jovens indígenas migrantes, a dos trendsetters e a das gangues juvenis de bairros. Dispondo de recursos diferentes – culturais, políticos, econômicos e educacionais -, estes três subconjuntos juvenis têm que negociar constantemente suas formas de aparecer, criando estratégias variadas para se relacionar com seus múltiplos outros. Neste processo, argumenta a autora, se descortina o cenário de desigualdades vigentes entre os jovens que, habitando uma cidade mundial como a do México, mesclam aspectos globalizantes, de um lado, e locais, de outro, produzindo efervescência e heterogeneidade cultural nos modos de vida urbana.
No entanto, são as gangues de jovens de bairro que vão fazer da marginalidade, produzida pela exclusão da cidade mundial, um estilo de vida. “Imersa em um empobrecimento profundo”, como diz a autora, esta população de jovens está circunscrita territorial e socialmente à vida do bairro, sem que tenha acesso a outros lugares da cidade e outros tipos de vivências. Ao mesmo tempo, ser do bairro expressa para estes jovens seu pertencimento a uma cultura local que pretende, a despeito de seu ostracismo e exclusão de acesso a outros bens simbólicos e materiais da cidade, se afirmar mesmo que por meio da escolha de práticas ilegais.
Se a cidade aparece como o território de produção de diferenças e desigualdades entre jovens, o livro resenhado nesta edição focaliza o campo como o lugar de produção de infâncias. Fernanda Almeida Leal nos contempla com a resenha da obra Infâncias do campo, organizada por Isabel Oliveira e Silva, Ana Paula Soares da Silva e Aracy Alves Martins. Área que carece de um maior número de estudos e pesquisas, as infâncias do campo retratadas neste livro pertencem às várias regiões do Brasil habitando, seja os assentamentos rurais de reforma agrária, seja as regiões ribeirinhas e as comunidades indígenas. A autora destaca as relações das crianças do campo com a escola, e o fato de estas sofrerem com a dificuldade e, muitas vezes, a impossibilidade de acesso aos bens culturais. Assim, as infâncias do campo se singularizam também por se produzirem a partir de um estreitamento de oportunidades que delineiam modos de vida específicos. Esta obra nos oferece uma leitura importante para refletirmos sobre os “ideais de infância”, em geral atrelados à vida da cidade e aos modos de vida das crianças urbanas. Afinal, qual o lugar que as crianças do campo – e suas infâncias – ocupam no imaginário brasileiro? Seria ele apenas aquele das crianças trabalhadoras, que “não têm infância”, ou o daquelas que usufruem de uma infância mais próxima da natureza, e portanto, mais feliz e saudável? Entre um e outro extremo, há muito ainda o quê conhecer – e pesquisar – sobre as infâncias do campo. Esta obra é uma contribuição importante para diminuir o desconhecimento sobre as crianças do campo e suas infâncias no Brasil contemporâneo.
Finalmente, na seção Levantamento Bibliográfico trazemos as publicações do trimestre – março a maio – nas áreas das ciências sociais e humanas dos países da América Latina sobre infância e juventude. Os livros, listados em ordem alfabética, em português e em espanhol, foram aqueles possíveis de serem encontrados nos sites das respectivas editoras. O trabalho dedicado da equipe técnica da DESidades permite oferecer aos leitores e interessados na área um panorama recentíssimo dos temas que têm sido objeto de estudo e reflexão.
Lucia Rabello de Castro