“Tornar-se”, como o contínuo processo de ser, demanda que os sujeitos humanos (re)-inventem permanentemente os sentidos de sua existência. Para os jovens, inseridos nas condições econômicas e culturais de vida das sociedades modernas, trata-se de buscar novas filiações simbólicas que lhes permitam reconfigurar sua posição no mundo como atores e participantes de um espaço mais amplo e complexo que o da família de origem. Assim, embarcar na aventura da existência significa, para o/a jovem, desapegar-se de referencias estáveis que até então constituíram para ele/a um mundo sólido de sentidos e valores. Como processo singular, este percurso se afirma e se realiza não necessariamente atrelado a uma lógica institucionalizada de etapas de vida com suas caracterizações típicas e pontos de chegada. “Tornar-se jovem”, como processo de ser o que se é, ou se quer ser, é sempre tentativo, imprevisível e aterrorizante para o sujeito, assim como, frequentemente, opositor e transgressor às expectativas normalizadoras da ordem vigente.
Nesta edição da DESidades, trazemos dois artigos que enfocam, sob diferentes ângulos, as vicissitudes das experiências juvenis na busca da afirmação de ser. O artigo da pesquisadora Edna Linhares Garcia e Colaboradoras, resultado de sua extensa investigação sobre o consumo de crack em Santa Cruz do Sul, Brasil, nos indica a equivocidade de se pensar o crack como o vilão das desgraças sociais, desobrigando a reflexão sobre o mal-estar social e o sofrimento individual que propiciam seu uso. As autoras iniciam o artigo com as palavras de um jovem de 14 anos para quem “a vida parou” depois que se iniciou no crack. Expressão que revela a brutal e mortífera paralisia do jovem frente às interpelações, talvez atemorizantes, de reinventar o sentido de viver e continuar sendo.
O segundo artigo, da pesquisadora cubana Yoannia Pulgarón Garzón, do Centro de Estudos sobre a Juventude, de Havana, Cuba, discute como as subculturas do hip hop e do rastafari, ainda que oriundas de outras partes do mundo, são re-sintetizadas como dispositivos de construção identitária para os jovens cubanos. Para a autora, estas culturas conseguem dispor, para os jovens, de elementos como a música ‘rap’ e ‘reggae’, valores éticos e espirituais, e ideologias, que possibilitam a (re-)elaboração simbólica da posição do jovem cubano na sociedade atual e de sua leitura da realidade social. Para os jovens, principalmente aqueles discriminados por sua cor e posição social, ser ‘rasta’ ou ‘rapper’ significa afirmar a oposição a valores vigentes, celebrando posicionalidades marginais.
Na seção Espaço Aberto desta edição, trazemos a entrevista de Lucia Lehmann com a pesquisadora Neuza Rejane Wille Lima, da Universidade Federal Fluminense, Brasil, sobre o difícil empreendimento que é tornar a ciência mais acessível às crianças e jovens. Se democratizar a sociedade implica, sobretudo, tornar o conhecimento de, e para, todos e todas, torna-se imperativo fazer chegar às crianças e jovens o que é produzido nas universidades e centros de pesquisa. Tarefa que demanda fazer com que este público possa enxergar a relevância deste conhecimento para, então, dele apropriar-se.
Duas resenhas, na seção Informações Bibliográficas, compõem este número da DESidades. A pesquisadora brasileira Jaileila de Araújo Menezes resenha o livro “Porque así soy yo’. Identidad, violencias y alternativas sociales entre jóvenes pertenecientes a ’barrios’ o ’pandillas’ en colonias conflictivas de Zapopan”, dos pesquisadores mexicanos Rogelio Marcial Vázquez e Miguel Vizcarra Dávila. Na sua apurada resenha, a autora pergunta a partir da leitura do livro: “Quais as possibilidades de escuta/mudança na condição de vida (im)posta aos jovens latino-americanos que buscam na imigração ilegal para os Estados Unidos ou na adesão ao narcomundo oportunidades de sobrevivência?” A outra resenha, elaborada pela pesquisadora argentina Gabriela Magistris, do livro coordenado por Valeria Llobet, “Pensar la infancia desde América Latina: un estado de la cuestión”, apresenta uma coletânea de artigos em que diversos pesquisadores e docentes latino-americanos discutem sobre a singularidade dos processos de “tornar-se criança” e “tornar-se jovem” nesta região do mundo.
Finalmente, brindamos o leitor e a leitora de DESidades com o levantamento bibliográfico das publicações em livro na área de ciências humanas e sociais sobre infância e juventude ao longo do período de setembro a dezembro de 2014. Trabalho dedicado e precioso da nossa equipe editorial!
Lucia Rabello de Castro
Editora Chefe