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Análise da produção bibliográfica em livros sobre a infância e a juventude na América Latina

3.2 Como se caracterizam as publicações em livro sobre infância e juventude na América Latina?

Algumas análises foram feitas sobre o conteúdo dos títulos divulgados pelo Periódico. Interessou-nos saber, por exemplo, sobre o tipo de publicação, se versavam sobre infância e/ou juventude, a que campo disciplinar estavam preponderantemente associadas e, ainda, quais temáticas abordavam. Neste sentido, podemos obter um panorama mais qualitativo sobre o que tem sido publicado em infância e juventude na forma de livros nos países latino-americanos.

Para tal, foram organizadas as informações considerando os seguintes eixos: ‘a) Título do livro’; ‘b) País onde o livro foi publicado’; ‘c) Tipo de editora’, em que as editoras brasileiras foram discriminadas entre universitárias, isto é, que eram vinculadas a alguma universidade, e editoras comerciais. As editoras de outros países também abarcavam comerciais e universitárias, mas não foram discriminadas. ‘d) Campo abordado pela obra’, o qual foi classificado, exclusivamente, pela menção declarada no título e/ou resumo da obra pelos seguintes termos, “infância”, “juventude” e/ou “adolescência” ou “crianças”, “jovens” e/ou “adolescentes”. Algumas das obras selecionadas não mencionaram ‘explicitamente’ tais campos, mas continham debates e reflexões sobre temas julgados relevantes sobre a infância e a juventude. Estes casos foram classificados com a sigla ND – Não Declarado. ‘e) Área de conhecimento da obra’, classificada, primeiramente, a partir da informação da própria editora. Em muitos casos, entretanto, essa informação não era declarada, cabendo às autoras do presente artigo a realização da classificação, segundo o conteúdo do resumo da obra e seu sumário e/ou área de formação do autor. A classificação realizada seguiu a Tabela de Áreas do Conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Brasil2. Entretanto, pareceu-nos relevante o acréscimo da área nomeada como Psicanálise como área específica e não subposta à Psicologia. Livros que possuíam mais de três áreas do conhecimento simultâneas foram classificados como multidisciplinares. ‘f) Tipo de produção’, classificação embasada no agrupamento normalmente realizado por periódicos científicos. Incluíram-se, assim, as categorias Pesquisa Empírica, Coletânea de Textos, Relato de Experiência, Pesquisa Teórica e Metodologias e Práticas de Ação e Intervenção, classificação feita a partir da leitura do resumo e do sumário, quando este estava disponível para consulta. As categorias Relato de Experiências e Metodologias e Práticas de Ação e Intervenção, embora possam se remeter a conteúdos empíricos, se distinguem da categoria Pesquisa Empírica pelo fato de que, de acordo com o resumo apresentado, não são resultados de pesquisa, mas relatos sobre experiências e intervenções. A categoria Coletânea diz respeito a uma coleção de textos de diferentes autores sobre uma temática, podendo contemplar pesquisas teóricas e/ou empíricas. A Figura 4 apresenta a distribuição de obras divulgadas pelo Periódico segundo o tipo de produção.

Figura 4: Distribuição percentual das publicações segundo o tipo de produção

grafico 4
Interessa aqui, principalmente, destacar a preponderância das pesquisas de cunho exclusivamente teórico, com 91 publicações, equivalente a 43,33% do total. A produção bibliográfica do tipo pesquisa empírica aparece com um percentual relativamente baixo, quase a metade da teórica, com 45 publicações, 21,43% do total, embora devamos levar em conta que as coletâneas possam estar também contemplando pesquisas empíricas.

Sobre a primazia da produção da pesquisa teórica em livros, supomos que exista a tendência, nas áreas de Ciências Sociais e Humanas, em se privilegiar a publicação de pesquisas teóricas em livros, em relação à publicação de pesquisas empíricas. Em geral, as discussões teóricas envolvem espaço e podem alcançar uma extensão considerável que vai além do que é geralmente permitido sob a forma de artigos nos periódicos – em torno de 20 páginas. Neste sentido, alongar-se sobre um assunto pode ser melhor contemplado pela amplitude permitida por meio da publicação em forma de livro. Além disso, a publicação em periódicos tem sido cada vez mais valorizada pelo sistema produtivista vigente, o que leva muitos autores e autoras a optar por escoar sua produção empírica, mesmo que parceladamente, sob a forma de artigos em periódicos, e não esperar a finalização de todo o processo empírico de uma investigação, que pode levar muito tempo, para ser, enfim, publicada sob a forma de livro. Neste sentido, as coletâneas, em que alguns capítulos podem incorporar também pesquisas empíricas, se apresentariam como mais interessantes segundo as demandas do atual sistema de avaliação de docentes do que a escrita de livros inteiros dedicados à discussão de uma determinada investigação empírica.

Na Figura 5, interessou-nos mapear a distribuição dos títulos publicados em relação aos campos infância, adolescência ou juventude, ou levando em consideração a junção destes campos a partir do conteúdo e título das próprias publicações. Nas publicações em que estes campos não foram explicitamente declarados no seu título ou resumo, classificou-se o campo da publicação como “Não Declarado”, embora a obra tenha sido considerada relevante para a infância e/ou juventude.

Figura 5: Distribuição percentual das publicações por campo – Infância, Juventude, Adolescência e combinações
grafico 5

A Figura 5 nos mostra o campo da infância como aquele que detém o maior percentual de títulos levantados nas seis edições do Periódico, levando-se em conta as publicações de todos os países, com 47 obras encontradas, representando 22,38% do total. Este dado assinala o destaque que as questões referentes à infância e às crianças têm ganhado nos últimos anos. Segundo Sirota (2006), o campo da infância está passando por uma redescoberta após, por muito tempo, manter-se às margens das ditas Ciências Sociais. Este “pequeno objeto”, como caracteriza a autora, encontra-se na encruzilhada de diversas disciplinas canônicas, situando-se como um campo em disputa nas diversas tradições disciplinares das Ciências Humanas e Sociais. Neste sentido, as crianças e suas infâncias parecem se inserir em um cenário de mudanças que está se reconfigurando como um campo de interesse específico de estudos científicos na contemporaneidade.

Destaca-se também nesta tabela o elevado número de obras categorizadas no campo “Não Declarado” (ND), com 49 obras identificadas, apresentando 23,33 % do total. Este dado aponta que tais obras não fazem referência a crianças, adolescentes e/ou jovens, ou infância, adolescência e/ou juventude, mesmo que abordem problemáticas e questões em que estes sujeitos estão subsumidos como objetos de investigação, ou que se destinem a eles. Esta situação pareceu-nos revelar a pouca importância dada aos sujeitos crianças e jovens, que se tornam “invisíveis” aos próprios olhos dos pesquisadores/as que os envolvem nas pesquisas realizadas, e lhe destinam seus resultados sem sequer reconhecer sua presença na produção destas investigações. Assim, como destinatários invisíveis de um grande número de investigações, as crianças e os jovens são sequer mencionados como aqueles que delas participam ou vão sofrer o impacto de seus resultados. Interessou-nos saber quais eram estas obras que não mencionavam a infância e/ou a juventude, e/ou seus cognatos, mesmo que destinadas a elas. Uma análise específica destes títulos, que não tiveram o campo da infância e/ou juventude explicitamente declarado, revelou que 100% destas publicações correspondiam à área da Educação, ou à área da Educação em interface com outras áreas.

A nomeação conjunta dos campos da infância e juventude, com 19,52% das obras publicadas, também se destaca. Para alguns (Sposito e cols., 2009), este resultado pode refletir uma imprecisão quanto à delimitação de campos e problemáticas específicas. No entanto, por outro lado, a junção destes campos tem a ver com sua constituição histórica em algumas tradições disciplinares como, por exemplo, a Psicologia, em que infância e adolescência/juventude foram considerados na sua articulação e contiguidade sob um paradigma desenvolvimentista. Além disso, do ponto de vista da institucionalização destes campos, é bastante frequente sua conjunção no âmbito de Centros de Estudo3, publicações (como as citadas no início deste artigo) e Comitês de Pesquisa em associações científicas internacionais4. Portanto, consideramos que a junção destes campos ainda reflete o processo de consolidação de ambos que, por vezes, requer sua separação e, por outras, demanda sua junção. Todavia, as questões conceituais e teóricas que se colocam, seja ao juntá-los, seja ao separá-los, ainda requerem maior aprofundamento.

Na Figura 6 encontramos a distribuição das publicações divulgadas por área do conhecimento, seja na condição de área principal ou em combinação com outra. Publicações com mais de três áreas declaradas foram classificadas como multidisciplinares.

Figura 6: Distribuição percentual das publicações segundo a área do conhecimento: principais áreas e combinações

grafico 6

A Educação aparece como a área que detém o maior percentual de títulos divulgados pelo Periódico no período, com 33,33%. É ela que também aparece em maior proporção em combinação com outras áreas, 21,43%. Seguem-se, como áreas únicas, a Psicologia, com 8,09%, e a Sociologia, com 6,19%. Dois outros aspectos relevantes emergem nestes resultados: primeiro, cerca de 52,85% dos títulos divulgados associam-se a duas ou mais áreas do conhecimento, o que expressa a significativa transdisciplinaridade dos campos de estudos da infância e da juventude. Em segundo lugar, e convergindo com este aspecto, destaca-se o elevado percentual de títulos considerados multidisciplinares, 13,33%, em comparação com áreas tradicionais de pesquisa sobre infância e juventude, como a Psicologia, cuja contribuição como área única é bem menor. Estes aspectos refletem a emergência de perspectivas cada vez mais sistêmicas, interdisciplinares, que reconhecem a natureza complexa das problemáticas relativas a esses campos insuficientemente compreendidas desde uma ótica disciplinar única.

A Figura 7 que segue abaixo aborda, de outra perspectiva, o que tem sido publicado nos títulos levantados. Nela aparece a classificação dos títulos divulgados segundo temáticas amplas, com o objetivo de destacá-las para além dos encaixes disciplinares. Essas temáticas foram geradas a partir de uma análise dos resumos das publicações e de seus sumários, quando estes se encontravam disponíveis.

Figura 7: Distribuição percentual das publicações segundo Temas

grafico 7

Destacam-se significativamente as publicações que versam sobre temáticas em educação, com 59,04% dos títulos levantados, cobrindo uma variedade de conteúdos: ensino e aprendizagem, a instituição escolar, educação e sociedade, educação infantil, ensino médio e superior, educação inclusiva, educação e tecnologia, dentre outros. Este resultado converge com os anteriormente analisados que mostravam o predomínio da área da Educação no tocante ao número de publicações sobre infância e juventude.

O predomínio de temáticas relacionadas à educação também pôde ser verificado ao se analisar as publicações da editora comercial brasileira CRV a qual, conforme já mencionado, foi a editora que mais se destacou pelo número de publicações em Infância e Juventude, com 28 títulos levantados no período. Destes, 23 (82,14%) tratam de temas relacionados à educação.

A temática que, em seguida, aglutinou o maior número de títulos abrange as obras sobre ‘Infância, Juventude e Sociedade’ que representam 11,43% do total. Em terceiro lugar, temáticas relacionadas exclusivamente à Juventude abarcaram 10% das publicações.

2 – http://www.cnpq.br/documents/10157/186158/TabeladeAreasdoConhecimento.pdf
3 – Por exemplo, Centre for the Study of Childhood and Youth, Universidade de Sheffield, Reino Unido; Centro de Niñez y Juventud, Universidade de Manizales, Colombia; Childhood & Youth Research Institute, Cyri, Universidade de Turku, Finlândia.
4 – Por exemplo, o Committee of Childhood and Youth, da IUAES (International Union of Anthropological and Ethnological Sciences) e a International Childhood and Youth Research Network (ICYRNet).
Lucia Rabello de Castro lrcastro@infolink.com.br

Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Pesquisadora Senior do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Brasil. Editora Chefe da revista DESidades.

Isa Kaplan Vieira i.kaplanvieira@gmail.com

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação em Psicologia pela mesma Instituição. Integra o Núcleo de Pesquisa para Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Juliana Siqueira de Lara j.siq.lara@gmail.com

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação em Psicologia pela mesma Instituição. Integra o Núcleo de Pesquisa para Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Karima Oliva Bello koliva2009@gmail.com

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Psicologia pela Universidad de la Habana, Cuba (UH) e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Professora Assistente da Universidad de la Habana. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Sabrina Dal Ongaro Savegnago sabrinadsavegnago@gmail.com

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.