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É um bebê! Olhares das Ciências Sociais sobre os primeiros anos de vida

Palavras finais

No livro In a different voice, Carol Gilligan (1982) percebeu que, nos discursos cotidianos das mulheres, era possível reconhecer formas de compromisso e de responsabilidade pelos outros que eram singulares dessa posição de gênero, que essas formas só podiam ser vistas e compreendidas ao se escutarem as vozes que usualmente não eram ouvidas. Essa chave interpretativa, acreditamos, pode ajudar a dar sentido ao que foi apresentado até aqui.

A perspectiva antecipatória, baseada principalmente em contribuições das disciplinas médicas, psicológicas e jurídicas, mostrou uma enorme capacidade instrumental, enquanto contribuiu para delimitar e resolver problemas que afetaram e afetam as vidas dos bebês com uma efetividade inédita antes do século XX. O foco no crescimento e no desenvolvimento fez dos bebês um potencial a proteger, acompanhar, modelar, regular e assistir. As disciplinas “psi” ofereceram modelos e conceitos que iniciaram e expandiram a nossa compreensão sobre os aspectos subjetivos do desenvolvimento do bebê, com efeitos práticos no cuidado e na criação. Embora ambos os tipos de saberes venham principalmente de pesquisa e prática em âmbitos delimitados (consultórios, laboratórios, gabinetes), estes tentaram estender o seu alcance para além desses limites. Esses saberes e os valores e critérios aos quais deram lugar foram construídos e legitimados sobre a base do estudo de bebês, na verdade, bem mais atípicos, em termos de sua representatividade da variabilidade humana. O reconhecimento das contribuições dessas pesquisas não impede destacar que essa abordagem teve dificuldades para compor com maior pluralismo a construção dos seus saberes. Apesar de seu destaque, outras vozes precisam ser ouvidas.

As práticas, as metodologias, os espaços e os objetivos das pesquisas em Ciências Sociais, de maneira crescente e consistente nos últimos 30 anos, fizeram emergir e circular novos discursos sobre os bebês. Os bebês queridos e perdidos; os bebês próprios e os apropriados; os bebês que vivem à margem; os bebês que crescem em qualquer lugar. As suas mães, os seus pais, os seus irmãos, os seus outros; os seus choros, os seus balbucios, são “vozes diferentes” que dão conta do fato de que os bebês não ficam só doentes, eles comem, dormem ou morrem. Que também (se) alegram, maravilham, desorganizam, desejam, abraçam, reclamam, desconcertam.

É assim que falar sobre os bebês em Ciências Sociais conduziu, entre muitas outras coisas, a falar das pessoas ao seu redor, a problematizar a distribuição do trabalho, de papéis e de recursos para o cuidado, do peso relativo entre biologia e cultura nas trajetórias dos bebês, das desigualdades de gênero e de idade, dos vínculos, do jogo, das emoções e da sua história. Isso não é produto de um mero discorrer por temas a partir dos bebês: aquela frase “é preciso uma aldeia para criar uma criança” destaca os múltiplos aspectos que atravessam as vidas dos bebês, e como a pesquisa disciplinar e interdisciplinar deve ecoar esta multidimensionalidade.

Os enfoques apresentados tensionam a compreensão desta etapa vital, partindo de pólos que parecem antagônicos: universalidade e particularidade, objetividade e subjetividade, biologia e cultura, indivíduo e sociedade, presente e futuro. Esses pares, no entanto, não devem ser vistos sob um ponto de vista reducionista como opostos. Ao contrário, em prol de reconhecer a complexidade desse campo de conhecimento ainda em consolidação, eles podem ser repensados, contextualizados, interrogados e postos em relação. Ali, onde nos vemos mais pequenos e mais estranhos, ali, onde as nossas vidas e as dos outros começam, se desdobram preocupações, motivações e sentidos individuais e coletivos que ainda precisam, em boa medida, serem atendidos.

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Resumo
A presença dos bebês na pesquisa social foi tardia e continua sendo marginal. A sua incorporação seguiu lógicas vinculadas aos atores, aos saberes, aos sentidos e às práticas que por ela ganharam visibilidade. Neste artigo, reconhecemos duas aproximações que emergiram da preocupação por problematizar a primeira infância e os bebês e que transcendem os limites disciplinares: o enfoque antecipatório e o enfoque vivencial. No primeiro, o olhar sobre os bebês está posto no seu futuro, no segundo, no seu presente. Descrevem-se ambos os enfoques, dando conta do seu objeto e alcance, das perspectivas e práticas disciplinares das quais se nutrem, dos âmbitos e dos atores envolvidos. Refletimos sobre os seus contrastes e pontos de articulação, as suas contribuições e limitações, em prol da construção de um campo interdisciplinar que abranja a diversidade, a complexidade e o caráter histórico-cultural das vidas dos bebês.

Palavras-chave: bebês, ciências sociais, abordagens disciplinares.

Data de recebimento: 16/09/2019
Data de aceite: 31/10/2019

It’s a baby! Social Science perspectives on early childhood
Abstract

The presence of babies in social research has come late and continues to be marginal. Its incorporation has followed logics linked to the actors, knowledge, senses and practices that by it gained visibility. In this article we recognize two approaches that emerged from the concern to problematize early childhood and babies and that transcend disciplinary boundaries: the anticipatory approach and the experiential approach. In the first, the look on babies is set in their future, in the second, in their present. Both approaches are described, giving account of their subject and scope, the disciplinary perspectives and practices from which they are nurtured, the areas and actors involved. We reflect on their contrasts and points of articulation, their contributions and limitations, in pursuit of the construction of an interdisciplinary field that accounts for the diversity, complexity and historical-cultural nature of babies’ lives.

Keywords: babies, social sciences, disciplinary approaches.

Pablo De Grande pablodg@gmail.com

Doutor em Ciências Sociais e Humanidades pela Universidad de Quilmes, Buenos Aires - Argentina. Graduado em Sociologia pela Universidad de Buenos Aires. É pesquisador do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) e trabalha com temáticas vinculadas à infância no Instituto de Investigación en Ciencias Sociales (IDICSO) da Universidad del Salvador, Argentina, onde é professor titular da carreira de Sociologia. É colaborador do Centro de Estudios Desigualdades, Sujetos e Instituiciones (CEDESI) da Universidad de San Martín, Argentina.

Carolina Remorini carolina.remorini@gmail.com

Doutora em Ciências Naturais e Graduada em Antropologia pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP), Argentina. Professora Titular de Etnografia I (América do Sul) na Faculdad de Ciencias Naturales y Museo da UNLP. Pesquisadora Adjunta do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET). Integra o Laboratorio de Investigaciones en Etnografía Aplicada (LINEA)  da UNLP. Desenvolve pesquisas etnográficas em contextos rurais e indígenas principalmente, orientadas ao estudo da criação, do cuidado da saúde e do desenvolvimento infantil.