Wilfred Paulse

Entre músicas e rimas: jovens pesquisando jovens

A confecção de rimas e sonhos possíveis

Ir sem rima pronta para confeccionar novas rimas. Eis o exercício! Um exercício cujo percurso é feito de labirintos e de todas as suas paisagens. Paisagem híbrida, desassossegada (Pessoa, 1982) e que, por isso mesmo, constrói, no processo de pesquisar, sonhos possíveis.

No caso de nosso plano de pesquisa, uma paisagem periférica que se faz não obstante da força de segregação às camadas pobres da população, na invenção de periferia em devir. Periferia a qual, apesar dos processos de exclusão às formas materiais e sociais de existência vigentes, comporta forças minoritárias que escapam e, ao mesmo tempo, criam outras maneiras de sentir, viver e estar no mundo.

Para afirmar a dimensão periférica em seu sentido minoritário e, por isso, dissidente, nos firmamos em procedimentos éticos e estéticos que atravessam o ato de pesquisar. Éticos porque referendados na criação de uma rede de sustentação baseada em alianças (políticas, institucionais, familiares, entre outras) capazes de abrigar os jovens que sofrem um contínuo processo de ruptura com o vínculo social. Estéticos porque toma essa produção, histórica, de suscetibilidades das mais diferentes ordens (econômica, social, familiar entre outras) como matéria a ser transformada em atitudes e movimentos que intervenham nesse processo contemporâneo de subjetivação dominante, dando passagem ao novo.

Contudo, agenciar ética à estética requer, num primeiro momento, separar ética da moral colocando-a não mais ao lado do dever, mas ao lado da potência de poder ser, sentir, agir e de pensar, da potência capaz de travar um combate perpétuo contra tudo que subordina o corpo aprendiz a valores contemporaneamente referidos e encaixados aos ditames do mercado.

Nesta direção, o Espaço Cultural da Grota se torna um lugar de um valor inestimável quando inventa formas de convivência e de passagem com seus ritos de iniciação para crianças e jovens aprendizes. Sobretudo para o adulto jovem das periferias, incluso, quase exclusivamente, em um processo de iniciação que visa adaptá-lo e transformá-lo, o mais cedo possível, em um corpo apto para o trabalho secundário, que não exige qualquer tipo de formação especializada e se dá, comumente, em condições indignas e precárias. A música emerge como uma possibilidade de transpor a instituição do trabalho precário que persegue a vida como se fosse “aquela cerca viva” que condiciona seus passos.

Além disso, vemos o quanto desempenhar e desenvolver atividades marcadas pela interferência da arte e da cultura comporta um trabalho imaterial, já que neste campo não se trata apenas de executar tarefas, mas, sobretudo, concebê-las, criá-las. As matérias criadas produzem, por conseguinte, coisas imateriais: sons, ritmos, performances, imagens, serviços, incidindo sobre algo imaterial: a subjetividade humana. Ao ampliarmos essa análise, assinalamos que a condição de trabalho imaterial, assim como o seu conteúdo e resultado, consiste na própria produção de subjetividade que atravessa tanto o processo de trabalho como o seu produto.

Somos, enfim, todos permeados por essa potência imaterial. Jovens aprendizes de música e jovens pesquisadores num plano de afetações mútuas sem rimas prontas, instaurando caminhos desviantes, uma morada coletiva e expressiva consistente que pode comportar o inusitado e disparar novos movimentos.

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Resumo

Este artigo situa alguns desafios frente à construção coletiva de um trabalho de pesquisa voltado a jovens residentes de uma região periférica da cidade de Niterói-RJ. Trata-se do Espaço Cultural da Grota, que trabalha com a formação musical desta população específica. Neste percurso, discorremos acerca dos labirintos e das saídas possíveis que povoam o encontro entre os aprendizes de música e o aprendiz-pesquisador, em especial a partir de um trabalho de pesquisa que escolheu chegar a campo sem a rima pronta. Como ferramenta metodológica, elegemos a pesquisa-intervenção (Rocha; Aguiar, 2003), que privilegia uma maneira de pesquisar interessada em partilhar coletivamente os impasses vividos por jovens de modo a localizar saídas frente às formas de vida vigentes. Nesta partilha, instaurou-se tanto para os aprendizes de música como para os aprendizes pesquisadores um trajeto com encontros consistentes que comportaram o inusitado e os desassossegos disparadores de novos movimentos.

Palavras-chave: juventudes, periferias, devir, arte, música.

Data de Recebimento: 29/04/15
Data de Aceite: 13/12/15

Ana Carolina Videira Sant`Anna anavideira@hotmail.com

Graduada em Psicologia e Bacharel pela Universidade Federal Fluminense, Brasil. Especialista em Assistência a Usuários de Álcool e Drogas no Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas – PROJAD/IPUB. Psicóloga na ONG Movimento de Mulheres, em São Gonçalo, e no Programa NACA - Núcleo de Atenção às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência, Brasil.

Silvana Mendes Lima sm.lima1960@uol.com.br

Doutora em Ciências da Saúde pela FioCruz e Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil

Suanny Nogueira de Queiroz suannysales@gmail.com

Graduada em Psicologia e Bacharel pela Universidade Federal Fluminense, Brasil. Psicóloga Clínica. Atua em Instituição de Acolhimento infanto-juvenil e no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)/Rede SUAS (Sistema Único de Assistência Social), Brasil.

Vanessa Monteiro Silva vanessams_psi@yahoo.com.br

Psicóloga clínica e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, Brasil.