O projeto ActiFem
Um dos objetivos desse projeto era o de as jovens passarem por um processo de autorreflexão e pensamento crítico que as empoderasse através do audiovisual. Para isso, 4 meninas entre 21 e 24 anos foram selecionadas, 3 eram de Barcelona, Espanha, e uma de Lleida, Espanha, a 200 km de Barcelona, e todas participaram de 2 grupos culturais de jovens diferentes.
Amira, que é de uma família marroquina, nasceu na Catalunha, trabalha como monitora para crianças pequenas e, no momento do estudo, se torna independente da casa da família. Leyla, por sua vez, nasceu no Uruguai e chegou a Barcelona aos quatro anos de idade. Desde então, não mora com o pai e atualmente vive com sua família, que é bastante matriarcal. Por outro lado, Laura mora em um bairro de classe média em Barcelona e estuda arquitetura. Finalmente, Audrey tornou-se independente de sua família em Tarragona, Espanha, para estudar em Lleida e abandonou os estudos universitários para fazer treinamento profissional.
As 4 selecionadas fizeram uma peça audiovisual de 3 a 5 minutos, em que as autoras retratavam seu cotidiano, especialmente ligado à sua experiência como jovem. A metodologia audiovisual participativa buscou coletar alguns aspectos das histórias de vida das mulheres jovens e detectar como as dialéticas entre seus discursos micro, meso e macro sobre feminismo são transformados em manifestações de empoderamento feminista, além de analisar o que é a autopercepção feminina e o que são os principais aspectos que contribuíram para essa percepção. Por exemplo, podemos ver como Leyla, através de suas fotos e vídeos de família, celebra cada uma das mulheres de sua família. Laura, com sua coleção de jornais, desenhos e vídeos, mostra um esboço de si mesma, criando relações entre teatro, política, suas reflexões e os desejos do passado. A peça de Amira, representando as longas viagens diárias que faz para chegar a seus três empregos, mostra sua vocação para curar e ensinar meninos e meninas. Finalmente, Audrey reflete a admiração que sente por Nuria, sua amiga e colega de quarto. Audrey reflete sobre o que é essencial em sua vida.
Nesse sentido, a obtenção da cápsula audiovisual foi possível porque as jovens passaram por um processo de treinamento prévio. Foram realizadas oficinas teórico-práticas nas quais foram abordados aspectos essenciais da linguagem audiovisual.
As oficinas foram divididas em quatro sessões de quatro horas cada. Além disso, as jovens tiveram consultorias individuais durante todo o processo.
1. Oficina 1: Imagens diárias
Nessa sessão, as participantes aprenderam como combinar as potencialidades da imagem estática com o movimento interno da foto, descobrindo como o ambiente é transformado, escolhendo um determinado quadro e a duração da foto.
2. Oficina 2: Som e voz
Nessa sessão, foram estudados os potenciais expressivos do som e da voz como o fio condutor das imagens. As participantes escolheram alguns dos planos trabalhados anteriormente para fazer uma sequência organizada pela voz e pelo som.
3. Oficina 3: Montagem
Nessa sessão, trabalhamos em relacionar imagens diferentes com sons. A montagem surgiu das afinidades formais entre as imagens que foram filmadas e escolhidas e as emoções ou pensamentos dos participantes.
4. Oficina 4: Visualização das peças finais
Sessão em que as peças finalizadas foram visualizadas, refletindo-se a partir delas e discutindo-se todo o processo como uma experiência pessoal e em grupo, além de debater alguns tópicos apresentados pelos próprios participantes, por exemplo: “O cuidado está sempre relacionado às mulheres porque as mulheres têm esse poder, têm essa energia, têm isso… não apenas isso, mas o que eu sei… existem empregos… o trabalho que me foi dado por ser uma garota, também” (Amira).
Protagonismo especial na discussão tiveram as idéias que Audrey expressa em sua narração em voz em off do vídeo:
Sinto-me frustrada, fechada em um lugar do qual não posso sair. Eu ouço tantas vozes ao mesmo tempo em que ouço silêncio. Não ouço o que quero, não consigo ouvir o que gostaria e há algo que ainda não descobri que me impede. Fecho os olhos e tento me concentrar, ouço um sussurro e não consigo entender nada (Audrey).
Tudo o que foi expresso e vivido pelas participantes no processo de criação e as histórias capturadas nas cápsulas nos permitiram refletir sobre os seguintes pontos:
A heterogeneidade dos mundos interiores. O fato de não começar a partir de um roteiro pré-estabelecido, mas iniciar o exercício vagando, filmar tudo o que chama a atenção, os lugares que frequentamos… permite que as participantes façam um mapeamento de sua própria complexidade, da multiplicidade de traços de identidade que são fundamentais para elas. Também as obriga a fazer um exercício de síntese e pensar nos elos que unem as diferentes partes de suas vidas diárias. Nas palavras de Audrey, ao comentar seu próprio processo criativo:
O fato de especificar uma única coisa, um único fato, uma única pessoa, me concentrei apenas em Nuria e, claro, minha vida diária vai muito além de Nuria, mas o fato de escolher foi um ponto muito importante, tem sido difícil… e na hora não, só utilizo o de Nuria, mas gravei muitas coisas em vídeo e muitas coisas em minha mente que também levo comigo e estou feliz (Audrey).
O privado é político. A reflexão sobre a vida cotidiana levou algumas participantes a questionar aspectos da política e do feminismo como ideologia. Por exemplo, no caso de Amira, ela declarou várias vezes na frente de seus colegas que seu novo apartamento e seu trajeto diário para o trabalho expressavam sua própria idéia de feminismo, na medida em que eram uma amostra de que alcançou sua independência da maneira que desejava.
A construção da expressividade. A importância de formas de expressão como dança, voz ou corpo é mostrada em todos os vídeos. Para todos os participantes, esses momentos de libertação da ordem estabelecida são essenciais: “Eu danço, danço muito”, Amira diz sobre seu trabalho; Laura inclui os trechos de seus ensaios de teatro, Leyla inclui um plano ensaiando uma coreografia, de seus primos dançando na frente da família; Audrey filma Nuria dançando no carro e cantando na sala de jantar de seu apartamento.
As redes de afeto e companhia. Os vídeos feitos também são um retrato dos companheiros dos participantes, principalmente familiares e amigos. A imagem que eles constroem de si mesmos é mediada por quem os acompanha, pela maneira como as outras pessoas os percebem.
Conclusões
A metodologia participativa, trabalhada em ambos os projetos, é um exemplo de como o audiovisual e a tecnologia digital são apresentados como ferramentas empoderadoras da personalidade do indivíduo, pois permitem a autorreflexão, o pensamento crítico e a expressão de seu próprio crescimento pessoal. O uso dessas ferramentas também confere um grau adicional de empoderamento aos indivíduos, pois fornece a eles um treinamento técnico, criativo e artístico através do qual eles recebem novos recursos. Por outro lado, a tomada de consciência que significa o processo de relato pessoal e autoexpressão através do audiovisual e da tecnologia digital é um elemento adicional no empoderamento das pessoas que participaram dessas experiências.
Nesse sentido, o fato de registrar a própria vida cotidiana, sem partir de um roteiro pré-estabelecido, permite que os participantes tomem consciência de sua própria complexidade, da multiplicidade de traços de identidade e os obrigue a fazer um exercício de síntese e pensar sobre os diferentes vínculos que unem as distintas partes de suas vidas diárias. Nesse exercício, a memória histórica de suas próprias vidas – incorporada na forma de fotos, vídeos, memórias etc. – torna-se fundamental para definir o que são hoje.
Por outro lado, destacam os espaços, os caminhos e deslocamentos e as formas de expressão artística como protagonistas na forma de momentos de reflexão, empoderamento e de escuta de suas vozes interiores. Como consequência dessas interseções, em alguns casos, as reflexões sobre a vida cotidiana permitiram questionar a incidência das decisões políticas em suas vidas e a necessidade de envolvimento e mudança.
Por último, do ponto de vista da transferência de conhecimento e impacto social, essas ditas ferramentas facilitam uma comunicação mais tangível de processos complexos e abstratos, os quais ajudam na disseminação da própria experiência pessoal e na conceituação de determinados processos vinculados ao empoderamento, o que contribui para uma dinâmica de geração da ciência cidadã.
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Resumo
A presente comunicação expõe dois projetos de pesquisa, Hebe e ActiFem, nos quais a metodologia participativa foi aplicada e, especificamente, o audiovisual como ferramenta de empoderamento no trabalho com jovens. A aplicação da pedagogia audiovisual significou, em ambos os casos, uma breve formação técnica com o objetivo de ajudar os e as participantes a descobrir diferentes formas expressivas e questionar de que forma é possível gerar narrativas audiovisuais mais próximas da nossa maneira única de ver o mundo. Nos dois projetos, o audiovisual é apresentado como uma ferramenta empoderadora, tanto no nível individual, quanto possibilitando a autorreflexão, o pensamento crítico e a expressão de seu próprio crescimento pessoal, bem como na construção da identidade coletiva e de uma cidadania mais crítica, comprometida e participativa.
Palavras-chave: metodologia participativa, audiovisual, empoderamento, jovens.
Data de recebimento: 15/02/2020
Data de aprovação: 28/06/2020
Abstract
Audiovisual as a tool for empowerment in research with young people.
Case studies: HEBE and ActiFem projects
This communication presents two research projects, Hebe and ActiFem, in which participatory methodology has been applied and, specifically, audiovisual as a tool for empowerment in youth work. The application of audiovisual pedagogy has involved, in both cases, prior technical training in order to help participants discover different expressive ways and question how it is possible to generate audiovisual narratives closer to our unique way of seeing the world. In both projects, audiovisual is presented as an empowering tool at the individual level, while enabling self-reflection, critical thinking and the expression of their own personal growth, but also in the construction of collective identity and a more critical, committed and participatory citizenship.
Keywords: participatory methodology, audiovisual, empowerment, youth.