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O recurso da “metodologia de cartas” como forma de captura dos fluxos urbanos de jovens contemporâneos

Um estudo de caso da aplicação da “metodologia de cartas”

A investigação baseou-se em resultados extraídos das cartas escritas por estudantes de uma turma do segundo ano do ensino médio do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ao total, foram 24 cartas escritas, das quais se analisaram três eixos básicos: a) os lugares citados; b) o fluxo na cidade e c) as ““dicas”” ao visitante.

Análise quantitativa dos resultados

É importante destacar que a análise foi de complexa realização, visto que havia cartas escritas de maneira sucinta, ou seja, em poucas linhas, abordam o que foi solicitado. Há algumas que citam lugares de maneira genérica, sem identificação específica do local, por exemplo: “eu levaria ao shopping”. Logo, algumas frases foram excluídas para a análise quantitativa da qual se elaboraram gráficos. Também, quando a generalização dos espaços é extrema, encaixa-se apenas no debate de análise geral das cartas, como quando os sujeitos escreveram “diversos lugares”. O foco se deu, portanto, numa avaliação sobre os locais citados e, em dados numéricos, apresentam-se os mais referidos e algumas características acerca desses espaços.

Foram retirados das cartas todos os espaços urbanos de Porto Alegre citados pelos sujeitos da pesquisa, como espaços com nomeação genérica. Houve lugares referenciados de uma relação íntima, como as casas das famílias ou outros espaços de intimidade que não puderam ser incluídos na análise quantitativa, pois se buscou os locais que mais foram citados dentre a lista de tantos outros referidos. Assim sendo, por meio de um empate com a porcentagem e referência nas cartas, a análise foi feita a partir de onze espaços.

Figura 2: Mapeamento do fluxo urbano dos jovens pesquisados

Organização: os autores (2019)
Elaboração via Google Maps (2019)

Conforme a imagem do mapeamento, os espaços de Porto Alegre destacados foram: Usina do Gasômetro, Estádio Beira-Rio, Parque da Redenção, Casa de Cultura Mario Quintana, Museu de Ciências e Tecnologias da PUCRS, Parque Germânia, Jardim Botânico, Fundação Iberê Camargo, Orla do Guaíba e os bairros Cidade Baixa e Centro.

Gráfico 1: Relação Público – Privado dos Espaços Citados

Organização: os autores (2019)

Em relação ao gráfico, é preciso ressaltar que, para este primeiro, a citação dos bairros foi excluída, pois são entendidos como espaços de trânsito. É possível perceber, dessa forma, grande diferença porcentual entre os eixos, sendo 78% dos espaços citados espaços públicos. Percebeu-se que há uma valorização e ocupação dos jovens pelos locais públicos, sendo esses mencionados inúmeras vezes. Reparou-se que há um forte conhecimento entre os jovens estudantes sobre esses espaços, visto que foram nomeados em maioria, além de que, em algumas cartas, foi escrito que são ocupados durante a rotina. Repara-se que, em maior parte, os espaços públicos citados também são locais abertos por serem parques ou espaços da Orla do Guaíba. O que se pode afirmar é que, além de serem locais públicos, os sujeitos da pesquisa ocupam locais abertos. Sobre os lugares privados, que compõem 22% do gráfico, esses são espaços de cultura como museus, nos quais há de pagar a entrada, como o Museu de Ciências e Tecnologias da PUCRS. Entretanto, há de se afirmar que a frequência a este museu cabe em boa parte a estudantes de escolas quando vão a passeios estudantis, ou os estádios de futebol, onde também há de se pagar a entrada para ter direito de ver os jogos, sendo exemplificado pelo estádio Beira- Rio.

Gráfico 2: Características dos Espaços Urbanos citados

Organização: os autores (2019)

Sobre os lugares referenciados, há uma diversidade característica entre eles, visto que não foi selecionado apenas um tipo de espaço urbano para ir junto ao visitante, o que possibilita afirmar que houve uma preocupação, por parte dos sujeitos, com que o visitante pudesse conhecer diferentes lugares de Porto Alegre, não ficando apenas em um passeio entre parques ou museus, por exemplo. Assim, repara-se que há uma divisão entre espaços concretos e de trânsito, estes sendo os bairros, a Cidade Baixa e o Centro Histórico. São espaços de trânsito porque os jovens pesquisados os escreveram como espaços urbanos abertos, no sentido de conhecer as ruas e os seus prédios. Sobre a movimentação acerca do Centro, foi recomendada como um trajeto durante o dia para conhecer a arquitetura e a história de Porto Alegre, enquanto a Cidade Baixa é apontada, preferencialmente, para um movimento noturno em busca de bares e festas para levar o visitante.

Acerca dos locais concretos em si, são citados em maior parte os espaços de lazer, dos quais entram na classificação os parques ou espaços que compõem a Orla do Guaíba. Por segundo, ficam os espaços de cultura, sendo a Casa de Cultura Mario Quintana o mais citado. Sobre a Alimentação, em poucas cartas citou-se algum local de alimentação, e quando citados foram espaços únicos, demonstrando a pouca percepção pelos jovens pesquisados em parar em um momento do fluxo para comer.

Gráfico 3: Os Espaços Urbanos mais citados de Porto Alegre

Organização: os autores (2019)

Em disparada, a Usina do Gasômetro se fez a moda, com referência em 58% das cartas analisadas. O Gasômetro é uma construção que antigamente era usada como uma usina de geração de eletricidade. Dentro do prédio, encontram-se salas para peças de teatro ou exposições e um espaço aberto no segundo andar. No entanto, a Usina fica em frente ao Guaíba, sendo parte de sua orla. E é nela que se concentram os jovens, visto que na orla há espaço para sentar e conversar, além de poder caminhar, atividade que é citada em algumas cartas como “vamos dar uma caminhada no Gasômetro”.

A Redenção, nome popular para o Parque Farroupilha, é um espaço grande na zona central de Porto Alegre no qual há a convivência de todas as gerações e de animais. É um espaço de lazer que costuma ficar cheio principalmente nos finais de semana, sendo inclusive um cartão-postal da cidade. A Redenção é espaço de eventos musicais e políticos.

Como espaço cultural mais citado, apareceu a Casa de Cultura Mário Quintana, que chama a atenção pela sua arquitetura diferenciada. É um espaço no Centro de Porto Alegre que valoriza a arte, com exposições artísticas e peças de teatro, além de um cinema no primeiro andar. Ao seu redor, encontram-se bares e cafeterias.

Gráfico 4: Outros Espaços Urbanos citados de Porto Alegre

Organização: os autores (2019)

Sobre o gráfico 4, destacam-se os outros espaços urbanos mais citados na lista do mapeamento, os quais ficaram com uma frequência de 17% e 21% de referência nas cartas. Aparecem juntos no gráfico porque tiveram o mesmo número de citações.

O Parque Germânia é um local de lazer, situado na zona norte e encontrado perto de bairros nobres, por ser um parque fechado por grades e portões. No entanto, aparece como sugestão nas cartas, inclusive, logo depois de conhecer os shoppings por perto. É um parque mais novo na cidade, cuja movimentação partiu das construções no bairro.

O Jardim Botânico configura-se como um espaço urbano da cidade que fica mais distante da zona central. É um espaço fechado com grades e portaria, visto que também é um museu botânico. Portanto, há um espaço ao ar livre com pequenos lagos e fontes, junto com espécies da botânica. A entrada nesse espaço é de baixo custo para os estudantes, e permite que possam circular por todos os subespaços internos. Sua presença nas cartas aponta um diferencial em relação aos outros espaços urbanos citados, visto que é sugerido para que o visitante possa conhecer junto com os jovens, porque há uma curiosidade pelo sujeito da pesquisa, que transita por perto, mas nunca entrou no local.

Percebe-se que os espaços da zona central da cidade são os mais visitados e ocupados pelos jovens, além de ser uma sugestão dada por eles. Conforme os gráficos, são poucas citações para além da zona central. Sendo assim, em ordem do eixo horizontal do gráfico, os próximos espaços fazem parte da zona central de Porto Alegre.

O Iberê Camargo é uma fundação cultural, sendo um museu diferenciado. A arquitetura chama a atenção por ser diferente dos outros museus da cidade, que são de formato mais clássico, sendo o Iberê uma arquitetura de estilo contemporâneo. Entretanto, a maior movimentação se faz na sua área externa, visto que há a orla do Guaíba. Na cidade de Porto Alegre, é comum, principalmente no final de semana, que os cidadãos saiam para caminhar ou pedalar pelos parques e pela Orla. É por isso que a Orla do Guaíba é conceituada como um espaço urbano pelos próprios sujeitos da pesquisa. Contudo, apesar de ser um lugar longo, por ser uma orla desde a zona central até a zona sul da cidade, o foco dos sujeitos coube nesse espaço mais central, sendo iniciada pela Usina do Gasômetro até o Iberê Camargo.

A Orla do Guaíba é um espaço urbano de lazer, sendo de movimento ou para relaxar. Ou seja, podem-se praticar esportes ou apenas ficar sentado na grama. É um local que permite a sociabilidade com diferentes grupos da sociedade, visto que é ocupado com diferentes objetivos, podendo ser, por exemplo, fazer um piquenique enquanto aprecia-se a vista do Guaíba, pedalar pela Orla, fazer uma festa aberta etc. Logo, diante dessa diversidade de pessoas, como dos próprios jovens da cidade, e dessa pluralidade de atividades possíveis, a Orla do Guaíba na zona central é movimentada, principalmente nos finais de semana.

Sobre os bairros citados, os mais evidentes são: Centro e Cidade Baixa. Reparou-se que o Centro foi referenciado para que o visitante pudesse conhecer a História de Porto Alegre e sua antiga arquitetura. Também foi situado como um espaço de passeio turístico, sendo que os sujeitos da pesquisa apontaram que estariam circulando com o visitante através de uma caminhada. Com uma movimentação diurna, ambos circulariam em busca de conhecer Porto Alegre por locais culturais, como os museus da Praça da Matriz ou a Casa de Cultura Mário Quintana. Entretanto, percebeu-se que haveria de ser uma movimentação rápida, visto que, quando o Centro foi apontado, apareceu como mais um espaço urbano importante de conhecer, mas como um local transitório para o próximo espaço sugerido.

O bairro Cidade Baixa já é apresentado como um espaço urbano para se permanecer por mais tempo, visto que a referência ao bairro sugere uma movimentação noturna, justamente em busca de bares ou festas para o jovem e o visitante. Conforme palavras dos próprios sujeitos, a ida para esse bairro à noite é para “fechar com chave de ouro”. Aqui, não foram nomeados por quais locais fechados seria a circulação, porque iriam descobrir na hora, ou passear pelas ruas, apenas.

Victor Hugo Nedel Oliveira victor.juventudes@gmail.com

Doutor em Educação (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS), Professor do Departamento de Humanidades, Colégio de Aplicação,Universidade Federal do Rio Grande do Sul,UFRGS, Brasil.

Andreia Mendes Dos Santos andreia.mendes@pucrs.br

Doutora em Serviço Social (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS)
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PUCRS), Brasil.

Miriam Pires Corrêa De Lacerda miriam.p.c.lacerda@gmail.com

Doutora em Educação (Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS)
Professora da Universidade La Salle-Canoas/RS,Brasil.