Os fluxos na cidade Porto Alegre
O segundo tópico é sobre os fluxos na cidade, ou seja, o trânsito para realizar o deslocamento entre os lugares citados. Em nenhuma carta se apresentou como seria a locomoção, seja por ônibus, seja por carro, por exemplo. Entretanto, aparece em algumas a sugestão de uma caminhada para conhecer a cidade.
Outro ponto de destaque é que, na maior parte das cartas, é escrito um itinerário, do qual foi possível buscar o fluxo urbano para saber sobre a percepção entre tempo versus distância, além dos espaços escolhidos para se conhecer em 24 horas na cidade. Assim, fez-se uma análise sobre todos os fluxos citados e percebeu-se que houve uma rota mais recomendada:
Figura 3: A rota mais recomendada: Orla do Guaíba
Organização: os autores (2019)
Elaboração via Google Maps (2019)
A rota ou o roteiro que apresentou maior sugestão nas cartas foi uma caminhada pela Orla do Guaíba, com saída ou do Centro ou do Iberê Camargo, quando não perpassar pelos dois espaços. Conforme o Google Maps, a rota inteira há de ser uma caminhada por, aproximadamente, 1h30min, o que possibilita ser um fluxo viável, visto que o visitante pode conhecer inúmeros espaços entre os mais citados, circulando entre os recomendados pelos jovens pesquisados. Foi possível perceber, igualmente, rotas com um fluxo entre espaços distantes entre si.
Dicas ao visitante
Foram encontradas dicas de dois tipos: a de qualidade e a de perigo. Ao dizer qualidade, refere-se às dicas que sugerem pontos positivos, como o que se encontra de bom em Porto Alegre: churrasco e o pôr-do-sol. Conforme palavras dos sujeitos, “Aqui há o melhor churrasco do país”, e a sugestão de caminhar pela Orla do Guaíba para “ver o lindo pôr do sol de Porto Alegre”.
Entretanto, o foco é maior nas dicas sobre a violência, ou seja, em 20% das cartas, se pontua fortemente para tomar cuidado, pois Porto Alegre é violenta, com frequentes assaltos e assassinatos. Inclusive, como escreve um jovem estudante, “há uma grande frequência de roubos, mas não se assuste, depois de duas horas na cidade vai se acostumar”. Ou outro que pontua: “Não ande com objetos na mão, esconda […]”.
Considerações finais
Diante dos tantos resultados, afirma-se que os jovens pesquisados conhecem a cidade de Porto Alegre e seus espaços urbanos, sendo estes ocupados ou apenas perpassados pelos sujeitos. Entende-se que há uma marcação, circulação e ocupação da cidade pelos mesmos, sendo sujeitos que ensinam e aprendem com a cidade. Por outro lado, há a falta de percepção entre tempo e distância com espaços de zonas opostas, enquanto valorizam a zona central de Porto Alegre.
Outro detalhe reparado é a supervalorização de espaços públicos da cidade, visto que foram a maior parte dos espaços referenciados nas cartas. Estes são espaços como parques, bairros de trânsito e consumo, além da Orla do Guaíba, que é característica da capital gaúcha. A carta ao visitante, como estratégia metodológica, possibilitou ampliar o grau de análise dos espaços urbanos de pertencimento dos jovens estudados, visto que sua utilização permitiu, para além da simples nomeação de espaços, entender a relação adotada entre os jovens estudantes e os locais da cidade pelos quais transitam e desejariam apresentar para um visitante hipotético.
Conhecer os sujeitos da investigação e suas relações com a cidade, a partir de seus escritos nas cartas ao visitante, constitui-se, portanto, uma estratégia metodológica que evidencia a urgente necessidade de repensarmos as estratégias que envolvam a participação juvenil em contextos escolares. Conhecer os jovens estudantes e suas relações com os mais diversos aspectos da vida cotidiana, dentre esses, a cidade, trata-se de processo que vem colaborar com as interações tão necessárias no cotidiano escolar.
As narrativas de si e, consequentemente, de seus fluxos urbanos faz com que se possa entender melhor quem é o jovem contemporâneo que transita pela cidade e que frequenta a escola, possibilitando, assim, um maior e melhor conhecimento por parte de seus docentes, pois conhecer os alunos forma parte, igualmente, de um melhor planejamento pedagógico.
É possível, ainda, perceber nuances importantes a partir das análises dos fluxos juvenis pela cidade. As cartas auxiliaram os pesquisadores a dirigir um olhar refinado aos sujeitos de análise: as questões de segurança, por exemplo, ficam em evidência quando se trata de territorialidades dos jovens pela cidade, tanto na relação de frequentar espaços públicos ou privados, quanto na escolha por sair de dia ou de noite, bem como nas dicas apresentadas aos visitantes.
Espera-se que os gestores públicos da cidade atentem para esse transitar juvenil, pois essa construção de relação com a cidade justamente se inicia nesses processos de independência dos jovens, quando estes circulam sozinhos, ou com amigos, pela cidade. Oxalá se tenha, em um futuro próximo, uma cidade na qual os jovens possam circular sem medo e, assim, serem mais felizes.
Referências bibliográficas
BEZERRA, M. A. Por que cartas do leitor na sala de aula. In: DIONISIO, A. P. et al. Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. p. 19-36.
BORELLI, S. H. S.; ROCHA, R. d. M. Juventudes, Midiatizações e nomadismos: a cidade como arena. Comunicação, mídia e consumo, São Paulo, v. 5, n.13, p.27-40, jul. 2008.
CAMARGO, M. R. R. M. d. Cartas Adolescentes. Uma leitura e modos de ser. In: MIGNOT, A. C. V. et al. Refúgios do eu: educação, história e escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000. p. 131-150.
CARRANO, P. C. R. Juventudes e Cidades Educadoras. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.
CLARK, D. Introdução à Geografia Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.
FEIXA PAMPOLS, C. La ciudad invisible: territórios de las culturas juveniles. In: MARGULIS, M.; CUBIDES, H.; VALDERRAMA, C. Viviendo a toda: jóvenes, territórios culturales y nuevas sensibilidades. Santa Fé de Bogotá: Universidad Central; Siglo Del Hombre, 1998. p. 83-109.
IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 01 abr. 2019.
OLIVEIRA, V. H. N.; LACERDA, M. P. C. D. Culturas Juvenis e Pertencimento Urbano: Mapeando os Fluxos Juvenis na Cidade. Revista FSA, Faculdade Santo Agostinho, v. 15, p. 110-124, 2018a.
______. Jovens e Cidade: um Estudo sobre a urbanidade de Jovens Contemporâneos. In: OLIVEIRA, V. H. N. (Org.). Pesquisa em Educação e em Juventudes: Inquietações Cotidianas. 1. ed. Beau Bassin: Novas Edições Acadêmicas, 2018b. p. 127-152.
OLIVEIRA, V. H. N. Pesquisa em Educação e em Juventudes: Inquietações Cotidianas. 1. ed. Beau Bassin: Novas Edições Acadêmicas, 2018a.
______. Jovens olhares sobre a cidade: lugares e territórios urbanos de estudantes porto-alegrenses. Projeto de Tese (Doutorado em Educação) – Escola de Humanidades. Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018b.
______. (De)marcando a cidade: vivências urbanas de jovens-estudantes do Colégio de Aplicação da UFRGS. Revista Cadernos do Aplicação, Porto Alegre, v. 31, p. 71-85, jan./jul. 2018c.
______. Jovens olhares sobre a cidade: lugares e territórios urbanos de estudantes porto- alegrenses. Tese (Doutorado em Educação) – Escola de Humanidades. Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2020.
PAIS, J. M. Culturas Juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003.
______. Ganchos, Tachos e Biscates. Jovens, Trabalho e Futuro. Porto: Ambar, 2001.
REYES, P. Quando a rua vira corpo ou a dimensão pública na ordem digital. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2005.
SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Hucitec, 1997.
SIERRA BLAS, V. Escrebir y servir: las cartas de una criada durante el franquismo. Signo. Revista de Historia de la Cultura Escrita, Universidad de Alcalá de Henares, n. 10, p. 121-140, 2002.
WULFF, H. Introducting youth culture in its own rigth: the state of the art and new possibilites. In: AMIT-TALAI, V.; WULFF, H. Youth cultures: a cross-cultural perspective. London: Routledgs, 1995.
Resumo
O presente artigo busca apresentar uma técnica de coleta de dados do fluxo urbano de jovens contemporâneos a partir do que se denominou metodologia de cartas. A técnica propõe a análise do conteúdo das cartas escritas por jovens para um visitante hipotético em sua cidade, o qual teria vinte e quatro horas de convivência para apresentar seus locais de interesse e seus itinerários com o convidado. Para discutir a aplicação metodológica, realizou-se um estudo de caso com 24 jovens estudantes do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tendo como recorte espacial a cidade de Porto Alegre. Os resultados apontam que os locais públicos e de lazer predominam para os jovens participantes da pesquisa, bem como se pode constatar uma visão sobre a cidade ser perigosa e insegura. Percebeu-se, em diversas cartas, que o itinerário escrito passou por lugares em que estes jovens escolarizados circulam em sua rotina.
Palavras-chave: juventudes, cidade, metodologia de cartas, educação.
Data de recebimento: 15/02/2020
Data de aprovação: 28/06/2020
Abstract
The feature of “letter methodology” as a form of capture of urban flows of contemporary young people
This article seeks to present a technique for collecting data on the urban flow of contemporary young people from what has been called letter methodology. The technique proposes the analysis of the content of letters written by young people to a hypothetical visitor in their city, who would have twenty-four hours of living together to present their places of interest and their itineraries with the guest. To discuss the methodological application, a case study was carried out with 24 young students from the College of Application of the Federal University of Rio Grande do Sul, with the city of Porto Alegre as a spatial section. The results show that public and leisure places predominate for young people participating in the research, as well as a view of the city being dangerous and insecure. It was noticed, in several letters, that the written itinerary passed through places that these young schoolchildren circulate in their routine.
Keywords: youth, city, letter methodology, education.