Elementos para reflexão
O conceito de risco nas Ciências Humanas e Sociais assume um viés em que os jovens são logo pensados como os atores sociais neste assunto, considerando, inclusive, as três tradições discursivas sobre o risco, elaboradas por Spink (2011). Encontramos na literatura a aproximação entre essas três categorias – juventude, vulnerabilidade e risco –, que pode levar a um caminho de pensá-las como interdependentes e determinantes entre si.
Retomando o objetivo principal da nossa discussão neste artigo – problematizar uma possível visão naturalizada da relação juventude, vulnerabilidade e risco –, percebemos, nas pesquisas que abordam juventude, a tendência a se falar de vulnerabilidade social associada a condições precárias em termos econômicos e de suporte de políticas públicas e, frente a tal vulnerabilidade, os jovens se encontrariam em risco. Nesse entendimento, o olhar se volta para uma juventude específica, homogeneizando-a e a percebendo como problemática. Ou seja, fazer uma associação direta dessas três categorias tende a ratificar a visão de jovens das camadas populares como problema social e desvia o debate sobre suas condições de vida e sobre a violação de direitos da qual são vítimas cotidianamente. Neste sentido, a não intervenção do Estado, a violência pelo preconceito e a naturalização da exclusão social, chegando inclusive à subtração da própria vida desses jovens, encontra justificativa e aceitação popular.
Partimos de pressupostos que sustentam a construção histórica e cultural de todos nós humanos, portanto, entendemos que, ao falar de juventudes, não estamos traduzindo uma ideia ou concepção unificada ou generalizada, muito menos vislumbrando homogeneidade nos personagens reais que habitam esse conceito. Por esse pensamento, também compreendemos que os conceitos de vulnerabilidade social e risco não detêm uma relação de interdependência com o signo “juventudes”. São múltiplas as experiências, os sentidos dados a elas e as circunstâncias em que ocorrem as interações humanas. Por conseguinte, são singulares os jovens, ao mesmo tempo em que fazem parte de coletivos culturais que os caracterizam e identificam.
Em síntese, nosso alerta neste texto é para evitarmos uma unanimidade e vinculação reificada ao tratar dessas três categorias, especialmente para não cairmos no equívoco de usarmos o termo “juventudes”, falando da pluralidade que representa a descrição do que seja “ser jovem” nos diferentes tempos e lugares, sem nos atentarmos para associações simplistas que estabelecemos entre conceitos distintos.
Esta questão também aparece ao adentrarmos o campo das práticas sociais e do estabelecimento de políticas de juventudes. Temos de orientar nossas lentes para a transversalidade entre as políticas sociais, pela consideração à diferença, o que também identifica outros grupos específicos da população – crianças, mulheres, grupos étnicos, terceira idade e imigrantes, entre outros. Tal orientação pede nova formatação de políticas e pode ter repercussões relevantes.
Também, nessa perspectiva geracional-juvenil, as políticas públicas para as juventudes precisam ser repensadas em novos parâmetros que evoquem autonomia e participação juvenil. Parâmetros que levem em consideração os diversificados contextos macro e microssociais, a rede de proteção pessoal e social, entre outros elementos que são específicos aos jovens e que tenham por objetivo, como já proposto pela UNESCO (2004), articular políticas específicas como parte de um conjunto de políticas públicas gerais.
Alguns questionamentos suscitados por estas reflexões nos inquietam e com eles finalizamos este texto, na perspectiva de inspiração para novos estudos e intervenções. Que lugar ocupam, nas pesquisas sobre e com juventudes, as resistências e enfrentamentos protagonizados por jovens nos contextos variados de vulnerabilidades e riscos? Como são visibilizadas as omissões do Estado, quando se reivindica da juventude o controle e a adequação à ordem social? Em que medida os trabalhos de pesquisa podem favorecer espaços de participação juvenil na proposição de políticas que contemplem seus anseios e necessidades? E, na pluralidade que advogamos acerca desse conceito, como estão sendo escutadas as vozes que destoam do entendimento das juventudes como problema social?
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Resumo
Nos estudos sobre juventude, é comum que categorias como vulnerabilidade e risco sejam mencionadas, estabelecendo-se uma relação direta, como se houvesse um determinismo entre elas. A problematização desses conceitos pode nos levar a alguns questionamentos sobre a construção social do significado de “juventude” e também sobre aproximações entre esses conceitos que orientam formas de nomear e compreender as características culturais relacionadas a esse período da vida chamado juventude. O presente artigo tem como objetivo levantar alguns pontos de convergência e de distanciamento entre as categorias “risco” e “vulnerabilidade” nos estudos sobre juventudes, não admitindo como natural essa relação, mas buscando problematizá-la, compreendendo seu movimento histórico. Além disso, discutimos conceitualmente as categorias envolvidas na problemática, considerando as diferentes concepções de vulnerabilidade e de risco, pensando não apenas suas negatividades, mas também as potências que promovem nas discussões atuais, tal como vêm sendo compreendidas nos estudos das Ciências Humanas e Sociais.
Palavras-chave: risco, vulnerabilidade, juventude.
Data de recebimento – 02/06/2016
Data de aprovação – 10/12/2017