Alexandre Bárbara

Conflitos e diferenças geracionais no uso das tecnologias digitais

Novas rivalidades, novos conflitos de poder

A Internet se “naturalizou” na vida cotidiana porque se instaurou como uma necessidade, mas esta necessidade se vive subjetivamente de maneira diferente. Enquanto os jovens incorporaram as TICs como parte da experiência vital de serem crianças, adolescentes e jovens nesta sociedade, os adultos viveram esta experiência, na maioria dos casos, como uma dramática imposição que violava a forma conhecida e instituída de fazer as coisas. Trata-se de uma experiência que se incorporou como produto do temor à exclusão: ser deslocado de certo lugar afetivo, laboral, cultural ou intelectual. Em uma investigação realizada no ano de 2007 com famílias de distintas condições socioculturais que tinham um computador em casa e acesso à Internet no lar ou no trabalho, todos os entrevistados de mais de 40 anos relataram os seus processos de incorporação e socialização de tais tecnologias a partir das demandas surgidas no trabalho, da pressão dos filhos ou das mudanças na vida cotidiana. Todos estes adultos viveram a iniciação como uma espécie de duelo de vontades, no qual geralmente a máquina ganhava. A perda de um arquivo, a invasão de um vírus ou a dificuldade de usar um programa implicavam – e ainda implicam – uma considerável carga de angústia e um atentado à autoestima.
Na maioria dos casos, a iniciação dos adultos maiores de 40 anos na Internet foi propiciada ou apoiada pelos filhos, a quem eles recorriam permanentemente para solicitar ajuda e “paciência”. Este fenômeno de inversão da autoridade, que também é comum nas escolas (Gros Salvat, 2000¹)  , gera conflitos inéditos nas relações filiais e uma reorganização simbólica do poder dentro do lar, que afeta não só o lugar do conhecimento, mas também os códigos morais e normativos que regulam a comunicação doméstica. No caso dos professores as dificuldades para usar as novas tecnologias costumam provocar sentimentos ainda mais profundos de ansiedade e insegurança porque questionam diretamente a sua autoridade diante dos alunos.

“(…) eu via que os meninos da minha escola falavam que encontravam textos muito bons de algumas matérias na Internet e eu na verdade me traumatizava porque nem utilizar estes processadores de palavras eu sabia, então me senti de pés e mãos atados, de repente me sentia como um dinossauro revivendo na época moderna. (Guadalupe, 51 anos, psicóloga, diretora de escola secundária técnica) (tradução nossa)
“Os alunos te procuram acreditando que você sabe mais do que eles, mas nestas coisas acaba que você está aprendendo com eles. Sempre é uma situação incômoda e complicada. Quando instalaram a sala de informática, os alunos se queixavam do professor, porque, segundo eles, ele não sabia o suficiente e portanto não explicava, então eles chegavam a me contar as aulas e eu não entendía qual era o problema. Isso era muito angustiante, porque os alunos fizeram toda uma revolução e eu era incapaz de entender os seus argumentos e também os do professor (Juan, 48 anos, vice-diretor de escola secundária, Estado de México)

Os filhos, que, em geral, mostram no começo uma boa disposição para iniciar ou auxiliar os pais a usarem as TICs, com a demanda constante acabam se aborrecendo. Este aborrecimento se explica não só pela falta de perícia dos pais e dos professores em aprender algo que para eles é tão óbvio, mas também porque coloca os adultos em um lugar de extrema dependência na relação, o que emocionalmente acaba sendo difícil de processar. De repente, os pais se infantilizam: se convertem em demandantes, dependentes, e têm muito pouca capacidade de frustração. E isso se traduz – segundo manifestam os jovens – em que não fazem nenhum esforço para aprender ou resolver as coisas por si mesmos.
Por outro lado, a autoridade tradicional dos pais se assentava na inquestionabilidade do que sabiam e valorizavam, que provinha das tradições familiares e comunitárias, ou da cultura oral e livresca. Mas a incorporação das novas tecnologias de comunicação ao lar contribui para corroer subjetivamente as fontes de legitimação destes saberes. Este poder tradicional de administração do saber se exercia na seleção dos relatos e se reforçava simbolicamente com a compra de dicionários, enciclopédias, livros de arte, de cozinha, de profissões, de literatura para os filhos – mesmo que os pais nunca os lessem – e, também, na designação de espaços e tempos para fazer as tarefas, ver  televisão ou brincar. Neste esquema de poder, a escola era uma aliada incondicional, porque muito deste capital simbólico estava vinculado à educação como reprodução do status quo ou como estratégia de mobilidade social.

1- Segundo Gros Salvat as causas geradoras das atitudes negativas dos professores são as deficiências no conhecimento das ferramentas, a falta de tempo e meios para incorporá-las, o medo de evidenciar carências frente aos alunos, e a ideia de que o computador pode substituí-los.
Rosalía Winocur rosaliawinocur@yahoo.com.mx

Rosalía Winocur é professora e pesquisadora do Departamento de Educación y Comunicación de la Universidad Autónoma Metropolitana de México. É antropóloga, especializada nos usos cotidianos das tecnologías de informação e comunicação em diferentes segmentos socio culturais. Seu último livro, “Robinson Crusoe ya tiene celular” foi publicado por “Siglo XXI México”.