Uma reflexão final
A incorporação das tecnologias de comunicação e informação ao lar encerra como condição de existência prévia universos geracionais muito distintos de experiência em relação ao tempo, ao espaço, à sociabilidade, à afetividade, ao conhecimento e às formas de inclusão social, que entram em constante tensão com a necessidade dos membros das famílias de estarem comunicados, localizáveis e disponíveis uns para os outros. Como bem expressa Flichy, nos cenários do uso cotidiano das TICs, “a família é um lugar de tensão entre práticas individuais e coletivas, entre construção de si mesmo e construção do grupo” (Flichy, 2000, p.34).(tradução nossa)
Tais tensões se revelam não só na família como também em todos os espaços institucionais onde jovens e adultos convivem, alguns, como a escola ou o trabalho, onde a estrutura da autoridade e a classificação hierárquica própria das diferenças geracionais se mantêm vigentes; outros, “como o tempo livre, as associações juvenis ou o mercado, nos quais as estruturas de autoridade estão distribuídas e a hierarquia de idade se esfuma, mas o assujeitamento geracional continua sendo um referente de classificação social” (Feixa, 2005, p.4) (tradução nossa); e por último, nos espaços onipresentes dos meios de comunicação de massas, das novas tecnologias da informação do mundo dos videogames, “em que as estruturas de autoridade colapsam e as idades se convertem em referentes simbólicos mutáveis e sujeitos a constantes retroalimentações” (Feixa, 2005, p.4) (tradução nossa).
Nos termos em que se coloca a relação (ou a não-relação), “a cultura digital” não se opõe a uma “cultura não digital”, e nesse sentido chama a atenção como os adolescentes e os jovens descrevem as dificuldades dos adultos, ou de seus pais, explicando que as pessoas mais velhas têm uma relação muito mais insegura, limitada e “sofrida” com as TICs do que eles, porque eles nasceram em outra época, sem a necessidade de opor ambas experiências como os seus pais e mentores fazem.
A multiplicação dos lugares e das estratégias de capacitação por si só, e tal como estão concebidos atualmente, não são suficientes para conseguir a inclusão digital dos adultos, particularmente os dos setores sociais de menores recursos, que apesar de serem pais de crianças que aprendem rapidamente, não conseguem aprender do mesmo modo que elas. Dentro desta perspectiva, o desafio mais importante para os programas de inclusão digital é compreender as dificuldades dos pais, não a partir da sua maior ou menor facilidade para seguir os protocolos de alfabetização digital, e sim a partir do lugar onde a concepção do programa se constitui em um obstáculo para ser apreendido. Isto é, em vez de avaliar quanta facilidade ou dificuldade têm os adultos para compreender o protocolo de capacitação nos seus distintos níveis, seria necessário tratar de entender e revisar de que modo a própria concepção da direção da alfabetização introduz dificuldades para a compreensão, porque não leva em conta a experiência prévia com outros artefatos tecnológicos e as representações sociais que organizam nos sujeitos a apreciação das suas capacidades e limitações².
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Referências bibliográficas
Feixa, C. “La habitación de los adolescentes”. Em Papeles del CEIC, 2009. Disponível em: www.ehu.es/CEIC/papeles/16.pdf
Flichy, P. “El individualismo conectado. Entre la técnica digital y la sociedad”. Revista TELOS 68, Julio-sep, 2006.
Gros Salvat, B. El ordenador invisible: hacia la apropiación del ordenador en la enseñanza. Barcelona: Gedisa, 2000.
Prensky, M. “Digital Natives, Digital Immigrants”. Em “On the Horizon”, NCB University Press, 5 (9), Octubre 2001. Disponível em: www.marcprensky.com
Winocur, R. Robinson Crusoe ya tiene celular. La conexión como espacio de control de la incertidumbre. México: Siglo XXI Editores/UAM I, 2009.
Palavras-chave: TICs, jovens, crianças, gerações, conflitos.