Oscar Aguilera: Para entender a onda de protestos globais que ocorreu e vem ocorrendo desde 2011 seria preciso distinguir os planos globais estruturais que permitiriam compreendê-la, e certamente o que une a maioria de todos estes processos é esse contexto neoliberal e de tensão neoliberal de políticas que provocam tensões entre formas culturais, formas específicas de vida localizadas, seja no mundo ocidental ou no oriental. Há uma variável que tem a ver com o modelo econômico neoliberal. Em segundo lugar, há questões relacionadas com os regimes políticos e aqui começo a encontrar talvez a especificidade geracional: não podemos perder de vista que, no conjunto dos protestos, o que é colocado diretamente em jogo pelas demandas juvenis é a profunda crítica a um modelo liberal representativo, ou monárquico liberal no caso dos países do Oriente, no qual as possibilidades de participação, deliberação, tomada de decisões, estão mediadas, delegadas por um conjunto de sujeitos chamados parlamentares, o chamado poder executivo, pelo qual a cidadania em termos gerais não tem grandes níveis de incidências, com exceção da participação nas eleições através do voto. Essa é uma crise muito mais política que estrutural. Seu princípio estaria fundamentado na inconformidade com o modelo democrático liberal representativo que funciona em quase todos os países que estamos relacionando à onda de mobilização de 2011. Nesse contexto de profunda crítica, a segunda questão já é muito mais crítica, que podemos traduzir em termos de que há uma subjetividade política juvenil que vai se alimentando e entrando em contradição com essa ordem e esses regimes políticos; estamos falando de uma subjetividade política juvenil que talvez não se traduza ou não esteja alimentada por algum programa forte em termos ideológicos, não há uma ideia de esquerda nestes movimentos, não há um projeto revolucionário pré-constituído, o que há é um profundo sentimento ético de indignação pela injustiça que estão experimentando as grandes maiorias de cada uma de nossas sociedades. Então, a velha ideia do reencantamento com a política a partir da ética seria o segundo momento ou esse segundo ponto em comum em boa parte destas experiências. São duas ideias provisórias e que formam parte de uma discussão que nesse momento estamos desenvolvendo junto com um grupo de pesquisadores de nove países em um projeto que se chama Geração Indignada, uma análise dos protestos globais de 2011.
Rogelio Marcial: No México também. Temos documentado a maneira como o Estado mexicano vem construindo e consolidando, há mais ou menos 15 anos, processos claros de criminalização da dissidência social. Acontece que aqui as mobilizações e protestos juvenis mais radicais se criam a partir de três processos, para mim muito claros e perversos, de controle social da juventude. O primeiro tem a ver com a criminalização do jovem. No México, desde o movimento estudantil de 1968 e seu contemporâneo relacionado com a cultura do rock, com diferentes matizes e ritmos parecidos ao movimento das ondas (vão e vem, mas não desaparecem), considera-se que se você é jovem é um criminoso em potencial, um delinquente que em qualquer momento prejudicará a paz pública e a harmonia social; por isso é preciso vigiá-lo, controlá-lo e castigá-lo. As “ondas” mais altas desse processo foram naqueles anos (1967-1975), durante um período de crise econômica e de governo (1985-1996) e durante a chegada da extrema-direita ao poder, representada pelo Partido Ação Nacional (2000-2012). O segundo processo tem a ver com a criminalização da pobreza. Desde a crise econômica dos anos 1980, se construiu um olhar mais atencioso ao pobre, que não possui o mais essencial, porque pode “arriscar tudo” a qualquer momento. Por isso também há que identificá-lo para controlá-lo e reprimi-lo através da marcação de características corporais (raciais e de vestimenta), ao estilo do racial profile nos Estados Unidos, que funciona como um “agravante” e semeia suspeita em determinados setores da população. Se bem que, na verdade, o racial afeta somente os que provêm diretamente dos grupos originários de nossa nação (o que não ocorre nos Estados Unidos, onde existe uma presença majoritária das chamadas “minorias étnicas”), junto com um olhar de desprezo que inclusive criminaliza os que com aspectos raciais (mestiços) se apresentam como pobres urbanos e rurais. Por último, temos o terceiro processo, o mais contemporâneo, de criminalização da dissidência social, que tem a ver com as medidas impostas pelos Estados Unidos e que são mascaradas como uma luta contra o “terrorismo internacional” que afeta sua “soberania” e, por isso, justifica o ataque além das suas fronteiras nacionais. Sob essa armadilha, foram consolidados os processos que criminalizam os movimentos sociais e os grupos guerrilheiros, como o Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN), que atuam de maneira fortemente repressiva e cometem delitos como “crime contra a nação”, “terrorismo”, “subversão”, “incitação à guerra”, “sedição” aos que expressam, desde seus direitos mais essenciais, sua dissidência em espaços públicos e sua possibilidade de se reunir e expressar a respeito. Tais “delitos” no México são graves e muitas vezes os que participam nas passeatas e comícios são acusados (além disso, sofrem processos judiciais cheios de armadilhas e irregularidades), podendo receber penas de prisão muito prolongadas e sem direito à fiança. Assim são as coisas, aquele jovem de baixa renda que decide, com todo direito, manifestar sua discordância é um sujeito altamente “perigoso” e merecedor da mais cruel repressão institucional. Tudo isso está blindado por meio da participação significativa dos principais meios de comunicação do nosso país, principalmente o que chamamos aqui de duopólio televisivo (Televisa y TV Azteca) e também a imprensa escrita, que constroem, difundem e naturalizam os processos de criminalização já mencionados e as ações repressivas tomadas pelo governo a respeito.
Oscar Aguilera: Em qualquer sociedade, imagino que o Estado deve tentar cumprir o mesmo papel: garantir uma relativa ordem. No entanto, existem margens de tolerância e permissão da mobilização política em termos gerais e especificamente da mobilização juvenil. No entanto, essa margem de tolerância está cada vez mais pressionada por um conjunto de políticas que já são diretamente criminalizadoras. No Chile, temos um projeto de lei custodiado pelo Executivo a respeito das mobilizações juvenis de 2011 e a violência desencadeada nesse contexto de mobilizações, que tem como finalidade garantir a ordem pública. E ali há duas questões fundamentais e que merecem uma reflexão um pouco mais profunda. A primeira delas é que o projeto de lei incluiu inicialmente como delito a ocupação nos estabelecimentos educacionais. Portanto, se penalizava e se judicializava a ocupação da escola secundária e da universidade, com o pretexto de que esses também eram atos de violência. Vinculado a isso, a atitude de cobrir o rosto com algum tipo de capuz, ou seja, o fato de cobrir o rosto no momento de uma manifestação ou de uma ocupação era considerado delito específico; portanto, esse primeiro projeto de lei continha uma reação absolutamente repressiva e criminalizadora dos movimentos juvenis e particularmente do movimento estudantil, e, por outro lado, o projeto de lei incluía uma penalização específica a todo aquele que insultasse verbalmente a polícia. É evidente que esse projeto, que está sendo discutido no parlamento e foi bastante questionado, tenha componente repressivo, limitando fortemente a liberdade de protestos e de associação. Se esse projeto não conseguiu avançar, não foi pela vontade dos parlamentares de direita, mas por haver sido interceptado no parlamento porque o próprio movimento estudantil e o conjunto de movimentos sociais se mobilizaram para tentar denunciar essa situação.
Oscar Aguilera: Com relação a isso, entendo que eu, como analista do social, não posso ignorar que no contexto das mobilizações são produzidas táticas de violência em vários níveis: violência simbólica, violência material contra propriedade privada e violência de enfrentamento de sujeitos entre si, manifestantes com a polícia etc. E, nesse contexto, em geral, a mídia tem sido muito habilidosa para nos saturar de informação sobre violência. Aqui no Chile foi muito comum que no contexto de mobilizações onde participavam cem mil estudantes em Santiago, não tenha sido noticiado que cem mil estudantes saíam às ruas de Santiago de maneira criativa, alegre, lúdica, mas que, desses cem mil, mil se dedicavam a atacar propriedades privadas, a enfrentar a polícia; ou seja, o que esse 1% fazia e realizava equivalia a 100% em termos simbólicos, e essa foi a estratégia da mídia, de maneira orquestrada a partir do sentido comum, que agravou esse tipo de situação. Tudo isso em um momento em que nossas sociedades vivem a questão da insegurança, esse tipo de prática de violência política entra também a reforçar parodoxalmente um discurso e uma ideia dominante de controle social.
Rogelio Marcial: Mais ou menos. Acho que as formas de organização coletiva e questionamento social por parte da juventude contemporânea se alimentam de uma política da vida cotidiana, os significados e as sensibilidades daquilo que consideram importante porque os afeta diretamente. É notável o desinteresse dos jovens pela política formal (sistema de partidos) porque já não acreditam nela (no México, não só os jovens deixaram de acreditar), mas a política no seu cotidiano é muito importante. Digo exatamente o que me disse um jovem punk de Guadalajara: “Para mim não importa quem nos governa, se é o PRI, o PAN, o PRD ou quem for. Todos são iguais e, além disso, eu sou anarquista. O que me interessa é que já não me detenham os policiais em cada esquina, que não me deem trabalho ou não me permitam entrar em certos lugares por causa da minha aparência, que não vigiem nosso centro comunitário porque pensam que somos delinquentes e distribuímos drogas”. A maioria não costuma participar de organizações civis que defendem o meio ambiente ou direitos humanos (tipo Green Peace, Human Rights, Amnistía Internacional), mas eles são muito sensíveis à degradação ecológica de seus ambientes ou comunidades e às ofensas contra seus contemporâneos por questões raciais, sexuais e culturais. Talvez prefiram não entender muito de macroeconomía, mas sabem que aqueles que dirigem este país estão fazendo algo errado, porque eles e elas materialmente falando não estão bem. Ou como me explicou um jovem de uma gangue de um bairro pobre e violento da cidade: “É que os governantes têm que entender que sem trabalho (emprego), não há futuro, nem sequer presente”. É essa política da vida cotidiana que permite posicionamentos daqueles que vivem em suas comunidades, e as saídas alternativas para isso ocorrem através da dissidência, só que dissidências no âmbito cultural, “politizando” a cultura, ou, no pior dos casos, na informalidade, na para-legalidade e ilegalidade. Aqui no México é possível detectar discursos contra-hegemônicos de questionamentos raciais e dissidências políticas nas expressões identitárias e culturais de alguns jovens, especificamente dos que se manifestam a respeito. O que acontece é que estes discursos dissidentes não se estruturam e se difundem por canais institucionais nos quais a sociedade pretende encontrá-los (política formal). Há que “buscá-los” e “encontrá-los” em práticas como o consumo cultural, o grafite, a música, as festas, suas identidades, expressões e referentes culturais.
Oscar Aguilera: Sem dúvida que, se há algo que está caracterizando as políticas juvenis, é seu sólido vínculo entre ética e política. A ética não funciona em um plano abstrato nem se localiza institucionalmente; a ética se vive, se experimenta. Dessa perspectiva, podemos compreender porque muitas das ações ocorrem principalmente a esse nível, intergrupal, grupal e intragrupal. Não necessariamente em termos de massa ou estrutura política, mas em termos de uma espécie de sociabilidade compartilhada em um contexto de privatização completa e de conversão da educação em um mercado específico, jovens desenvolvem pré-vestibulares populares no Chile, ou seja, jovens estudantes que têm “maiores capitais educacionais”, que puderam estudar numa universidade, preparam e auxiliam os jovens que não têm dinheiro para que estes possam ingressar em uma universidade. É um fenômeno que tem, sem dúvida, um caráter político forte: o de assumir uma questão que deveria ser um recurso do Estado, isso se faz por uma autogestão juvenil, mas está fundamentada em termos éticos. Não estamos dispostos a esperar que o Estado faça algo com relação a isso, nós o faremos. Vemos que esse tipo de práticas autogestionadas e fortemente éticas são expressas em planos distintos de luta: mais ou menos territorializada, o importante é entender que esta diversificação da forma expressiva da política não está mais ancorada exclusivamente no parlamento, na estrutura representativa, mas que começamos a experimentar diariamente em diferentes níveis. Há cinco anos, teria sido impossível que um dirigente estudantil se candidatasse a prefeito em um município ou que dirigentes estudantis decidissem participar nas próximas eleições como candidatos a deputado e isso hoje em dia é muito comum. Hoje temos cinco importantes dirigentes estudantis universitários de 2011 que são candidatos a deputados, três deles com muitas chances de serem eleitos, então, temos um leque de expressão política juvenil que vai desde o trabalho de base, o trabalho mais intergrupal, o trabalho de formação e de autoformação, até os níveis de atuação na política nacional através de estruturas representativas, ampliando a própria ideia de política e de possibilidade de outras realidades que contem essas práticas e estes discursos juvenis.
Rogelio Marcial: Acredito que podemos responder essa questão com o que mencionei sobre criminalização da juventude (particularmente, da juventude dissidente e empobrecida), cujo processo vem sendo construído pelo governo e pelos meios de comunicação de massa, e que é replicado pela sociedade em geral através da criação de estigmas e etiquetas sociais para o jovem em geral e para alguns estilos de vida juvenil em particular.