Oscar Aguilera: Ao analisar o ano 2006, o início mais público deste ciclo de mobilização juvenil, utilizei a noção de acontecimento, que é uma noção teórica de Michel de Certeau, etnólogo francês, historiador da cultura e antropólogo. Quando ele falava de acontecimento, precisamente se referia à posição dos sujeitos em assumirem a voz no discurso que deixa em evidência a estrutura simbólica de uma sociedade, e o que ocorreu em 2006 é precisamente isso. Os estudantes secundários começam a se posicionar, a falar, estudantes de 15, 16 anos, que inclusive não são cidadãos políticos e nem maiores de idade. E despojaram o rei. Isso foi o que aconteceu em 2006. Deixou claro o modelo, o sistema e a sociedade em que estávamos. E os que fizeram isso foram precisamente os mais subalternos dos subalternos. E também estudantes secundários de distintos lugares, não somente de colégios que aqui chamamos emblemáticos, importantes, mas de colégios que ninguém sabia que existiam então. Dessa perspectiva, sem dúvida que houve uma recuperação da palavra no discurso por parte dos jovens atores e especificamente dos atores estudantes do movimento secundário. Esse processo seguiu se desenvolvendo no tempo, com distintos ritmos, com distintas intensidades. Em 2011 se preocupa em homenagear geracionalmente esta tomada de palavra, porque quem participa em 2011 são os de 2006 com cinco anos a mais de experiência política no corpo. Portanto, já não despem o rei, o deixam desnudo como em 2006, mas agora se está tentando construir uma peça de roupa, ou seja, uma forma de sociedade, elaborar um discurso sobre uma melhor forma de sociedade que a que temos e esse é o projeto e essa é a discussão que temos hoje em dia. É uma discussão em que o que está em jogo é fundamentalmente a possibilidade de construir hegemonia com respeito ao tipo de sociedade em que se quer viver. Aí, efetivamente, os líderes estudantis e movimento de estudantes secundários são atores e a discussão presidencial hoje entre as candidatas e os candidatos à presidência da República está caracterizada por se quem faz a política é a rua e os movimentos sociais ou se são eles, a classe política. Portanto, a pergunta não é se o subalterno pode falar. Parece que hoje em dia devemos perguntar como o subalterno está conseguindo a hegemonia. Há cinco anos era impossível pensar na ideia de gratuidade da educação. Hoje não somente podemos pensar, mas há um consenso na opinião pública de que a educação gratuita e de qualidade é necessária para o país. Nisso falamos dos trânsitos, da capacidade de articulação discursiva, do amadurecimento do projeto político que os movimentos juvenis desenvolveram e o que em seis, sete anos conseguiram ampliar e ultrapassar limites que não poderíamos ter previsto. Já não estamos discutindo se é necessário ou não, agora estamos discutindo como implementá-lo e isso marca uma diferença radical.
Rogelio Marcial: A meu ver, as instituições mais importantes (educativas, religiosas e políticas) são desafiadas fortemente pelos jovens (mas não só por eles e elas). Hoje as escolas servem somente para que muitos jovens encontrem seus cuates (amigos). Não representam para eles segurança alguma para uma ascensão social, graças à obtenção de matrículas e pedagogias existentes, para eles a escola é extremamente chata e totalmente desvinculada da realidade em que vivem cotidianamente. Apesar de praticarem crenças religiosas, muitos jovens costumam se distanciar das igrejas e de seus representantes, não coincidem com suas valorizações morais explícitas e se afastam cada vez mais do recinto dedicado aos rituais sagrados. Os partidos políticos, os sindicatos e boa parte das associações civis costumam gerar desconfiança e desinteresse. É evidente um processo de desinstitucionalização juvenil em muitas das esferas de sua vida cotidiana – por imposição, no que se refere à oportunidade de se inscrever na educação formal e aceder a empregos com contratos e prestações de lei, e por eleição, no que se refere às relações amorosas em coabitação, sem necessidade de casamento, e em participações de redes informais de apoio e expressão cultural e política. As pessoas em geral estão cada vez mais distantes destas instituições sociais, mas são os jovens que tornam este processo mais constante na conjuntura atual.
Oscar Aguilera: Há várias considerações a serem tomadas sobre as relações dos jovens com as instituições sociais. Há um primeiro dado que é importante assinalar que é o movimento pela educação, que evidenciou, precisamente, uma busca por uma melhor qualidade de vida para todos seus integrantes, para todos os que compõem e estão aos cuidados desse Estado, todos os cidadãos. E essa crítica aponta diretamente a desigualdade, que no país se manifesta também frente ao sistema de trabalho. Não é por acaso que o movimento de trabalhadores e o movimento sindical onde existe maior participação dos jovens tenha se desdobrado nessa forma contemporânea de trabalho, que é o trabalho precário e o trabalho terceirizado; e aí estamos falando de duas instituições básicas. Está sendo questionado o sentido de trabalho e o sentido da educação. Hoje em dia neste modelo de sociedade, portanto, há uma profunda crítica ao conjunto de instituições sociais; há mudanças menos perceptíveis, mas que são igualmente potentes: a instituição social chamada família que conhecemos há alguns anos, está mostrando signos evidentes de modificação, não somente em suas características, ou seja, já é muito difícil encontrar casais com filhos, com vários filhos, mas também está mudando o sentido e o tipo de relação específica que existe dentro dessas novas unidades familiares. O quanto está mudando é que haveríamos que investigar, quer dizer, quão diferente em termos qualitativos é essa família de hoje em relação à de ontem. Haveria que averiguar, mas aí há três instituições sociais básicas que estão em pleno processo de mudança e não poderia ser de outra maneira. A sociedade não é nunca a mesma, as sociedades se movem também a partir dos sujeitos que a compõem e, nesse contexto, as novas gerações, os jovens de amanhã, vão produzindo certos efeitos na organização social mais ampla. E já se viveu na educação, se está vivendo no trabalho, está experimentando na família, isso como uma primeira consideração de que sociedade está mudando sem dúvida. Seja o que acontecer com a proposta de educação que reivindicaram os estudantes com as reformas educacionais, se o próximo governo enfrenta essas reformas, se as desenvolve, isso será um ponto muito forte para que em outras instituições sociais as críticas que vêm sendo desenvolvidas também sejam produzidas.
Oscar Aguilera: Cada vez que alguém quer enviar a juventude para o futuro, sinto que estou na presença de um fenômeno adultocêntrico. Porque não enviamos um adulto ao futuro, somente enviamos os jovens e as crianças, e se suspende tudo em função de um futuro. O que está acontecendo hoje em dia é que muitos jovens se dão conta de que o futuro é uma construção ideológica um pouco perversa, que os impede de viver da melhor forma o presente, sendo assim muitos estão nesta tensão de saber que o que estão fazendo é vital hoje e não para o futuro. É vital hoje para eles, já descobriram perdão, vida, potencial vital hoje em dia e também percebem e assumem que muito dessa potência vital e essa capacidade do presente, da transformação do presente, poderia permitir um futuro compartilhado, não só para eles, mas para outros que virão depois; mas o principal, na minha opinião, é que a desconfiança no futuro, o não futuro dos punks, está mais vivo que nunca. Do ponto de vista dos sujeitos jovens, é um recurso ideológico derivar no futuro tudo que por impotência não podemos concretizar no presente e os jovens se revoltam profundamente contra essa ideia. Acredito que o que estamos vendo no Chile, e no nível global, é uma profunda rebelião ética frente a essa impotência de ter no presente uma vida melhor e uma melhor sociedade para todos e todas.
Rogelio Marcial: Na verdade, este é um dos discursos que sustentam a relação de custódia para a juventude. Porque se encontram em uma “etapa de transição” da vida e porque devem “semear” para “colher” no futuro. Em sua qualidade de “etapa”, todas as fases do desenvolvimento do indivíduo são transitórias (qualidade própria das etapas). Se somente é uma moratória social que cobrará sentido no futuro, então se impõe um critério de que o jovem é incapaz de decidir sobre seu presente. E o pior, realmente não é suscetível de direitos humanos, sociais e culturais até chegar à etapa adulta. De alguma forma isto preocupa muitos grupos de jovens em Guadalajara. Não é que visualizem isso nesses termos, mas expressam isso quando argumentam que como jovens querem viver e experimentar sua juventude de acordo com seus gostos culturais. É uma preocupação central em muitos destes jovens de hoje que é em sua juventude que precisam e querem ter acesso a diferentes questões e não quando forem adultos e precisarem enfrentar compromissos de outra índole. Ainda que em muitas políticas do governo se possa ler nas entrelinhas esta concepção do século XIX de moratória social e sujeitos do futuro, para os jovens isso não está de acordo com o que vivem.
Claudia Mayorga: Para mim está claro que na América Latina estão ocorrendo perspectivas críticas muito interessantes sobre tudo o que se relaciona à juventude e política, e o trabalho de vocês é um exemplo disso. Acredito que nós que nos interessamos por esse tema temos bons problemas que exigiram reconfigurações do campo de estudo sobre a juventude e a política com caráter de urgência. O que é urgente, diferente de tudo que falamos, é a reflexão sobre como produzimos, comunicamos e tornamos público o conhecimento científico. Estamos em um momento muito importante. Muito obrigada aos dois.
Rogelio Marcial: Obrigada, você!
Oscar Aguilera: Obrigada, Claudia.