Entrevista de Paulo Cesar Pontes Fraga com Germán Muñoz González
Paulo Fraga – Gostaria de saber mais sobre sua trajetória como militante, professor e pesquisador sobre o tema infância, adolescência e violência na Colômbia.
Germán Muñoz – Sou professor na Universidade de Manizales, uma província perto de Bogotá, a capital, onde eu moro. Sou coordenador de uma linha de pesquisa chamada “Jovens, Culturas e Poderes”, no Doutorado em Ciências Sociais, Infância e Juventude, que é muito importante por sua produção científica na área de estudos sobre juventude. Na nossa linha de pesquisa, temos nos voltado mais recentemente para os debates e temas de pesquisa relacionados com duas grandes categorias que são importantes hoje, no mundo em geral, e em particular na América Latina e Colômbia: necropolítica e juvenicídio. Os temas relacionados à infância e juventude estão ligados. Na Colômbia e na região latino-americana, falamos do impacto da violência sobre crianças, adolescentes e jovens, pois esta problemática se encontra diretamente relacionada com os temas infância e juventude. Eu me ocupo mais com o tema “jovens” e nesse campo se situa minha pesquisa atual.
Paulo Fraga – A Colômbia,como outros países do continente, tem atravessado muitos problemas relativos à violência nas últimas décadas, mas, no caso colombiano,existem particularidades relacionadas com a questão da guerrilha e do narcotráfico. Sabemos que, nos últimos anos, há avanços nas negociações de paz, mudanças da política do governo. Como está a situação do conflito armado na Colômbia atualmente e que impacto tem sobre crianças, adolescentes e população em geral?
Germán Muñoz – Quando falamos da Colômbia e do tema da guerra, do conflito armado, estamos falando de uma longa história de um pouco mais de 60 anos, que principalmente tem antecedentes, por razões muito diversas,na luta pela terra. Outras causas mais recentes, desde os anos 1970, têm sido a irrupção do narcotráfico e, posteriormente, da paramilitarização. A pobreza, precariedade, situação de injustiça e o lugar que o Estado tem ocupado neste conflito armado, mesmo que de diversas formas influenciem diretamente toda a população, afetam de maneira particular as crianças, adolescentes e jovens.
A guerra tem atingido mulheres e homens, tem traumatizado e prejudicado as famílias e comunidades, e segue sendo parte da vida da comunidade nacional, apesar de estarmos num processo de negociação de paz em Havana, onde se encontram na mesa de negociações representantes da guerrilha das FARC(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo nacional. A negociação já dura mais de dois anos e ainda não foi concluída, encontra-se num ponto crítico. Já se alcançaram avanços significativos, porém,há muitas forças obscuras da economia e da política nacional que não estão interessadas em que o processo tenha sucesso.
As marcas da guerra têm sido muito destrutivas, masa população civil tem sido a mais vulnerável, especificamente as crianças, que têm sofrido danos e consequências segundo suas idades,experiências de vida e condições do entorno. É preciso dizer que a guerra na Colômbia tem causado a morte de milhares de crianças, algumas nos massacres, outras nos enfrentamentos armados. As crianças têm falecido também por causa de campos minados, por incursões e ataques nos seus povoados, têm sido vítimas de quase todas as modalidades de violência. Podemos dizer que,aproximadamente,dois milhões e meio de crianças têm sido deslocadas; 70.000 têm sido vítimas de violência sexual, desaparecimentos forçados, homicídios, minas anti pessoas e recrutamento forçadonas facções da guerrilha e paramilitares.
As crianças têm experimentado a violência de maneira dramática e crua, porque têm sido testemunhas de fatos atrozes,como o assassinato e tortura de seus pais, mães, familiares e vizinhos, incêndio e destruição de seus lares, animais e objetos pessoais. Elas têm ficado com marcas permanentes em seus corpos, têm tido seus membros amputados por minas anti pessoas;têm sofrido abuso sexual, tortura, recrutamento ilícito, treinamento para a guerra por parte dos grupos armados;têm sido recrutadas por esses grupos armados,entregues para serem criadas pelas famílias de seus capturadores, arrancadas de suas famílias e comunidades; e os que sobrevivem,fogem da guerra em condição de deslocamento forçado. Tudo isso faz parte de uma história que ainda hoje se vive em muitos territórios do país.
Paulo Fraga – Duas questões que você mencionou chamaram minha atenção. Primeiramente, a questão dos deslocamentos forçados. Sabemos que a Colômbia foi durante muito tempo o país do mundo com maior número de deslocamentos forçados de pessoas internamente no seu território; hoje, qual é a situação a esse respeito? Quais são os territórios com maiores conflitos neste sentido? Depois, qual é a situação das crianças e adolescentes nesses territórios que historicamente têm sofrido maior violência?
Germán Muñoz – Quando mencionamos deslocamentos forçados,falamos de aproximadamente cinco milhões de colombianos que têm vivido esta grave situação.Quem sofre deslocamentos, abandona tudo: suas casas, amigos, sua história, biografia etc. Cerca de 70% dos deslocados são menores de 18 anos. É uma situação muito grave, que também se apresenta nas cidades, não somente nos territórios da periferia ou áreas rurais. Dentro das cidades, acontecem também, permanentemente, deslocamentos forçados, porque,quando estes camponeses e indígenas deslocados chegam às cidades, não encontram acolhida, nem atenção. Não existem programas coerentes nem políticas públicas estruturadas para atendê-los e,nos bairros da periferia onde vão morar, seguem recebendo o fustigamento de forças armadas de diferentes tipos, que consideram que, como fugiram,faziam parte de algum grupo armado;assim, os deslocados continuam marcados e segregados.
Quando as crianças deslocadas vão às escolas, são identificadas como os filhos de deslocados e sofrem igualmente essa discriminação. É uma situação que continua fazendo parte da vida nacional e, embora exista uma unidade de restituição de terras e de atenção a vítimas por parte do governo de Juan Manuel Santos, o atual presidente, não é claro que os camponeses conseguirão receber de volta as terras que lhes foram furtadas porque há muitos interesses implicados e, quando eles voltam a seus territórios, ainda existe a possibilidade real de serem novamente vitimizados por quem se apoderou ilicitamente das terras.
Os impactos diretos do deslocamento em crianças e adolescentes são o desenraizamento, degradação da qualidade de vida, amontoamento, fome, enclausuramento nos lugares onde se estabelecem de forma precária, porque a vida nas cidades os confronta com muitas humilhações, exclusões, discriminações raciais, étnicas, de classe etc.Enfrentam humilhações por sua origem étnica, cor da pele, costumes camponeses, modos de falar, tudo o que implica degradação em situações que são geralmente de extrema pobreza. Isto incide sobre a identidade,a autoestima de crianças e adolescentes e o desenvolvimento de suas personalidades, que se encontram em processo de formação. Sem dúvida, trata-se de fatos que têm um grande impacto na vida do país.Apesar disso, não parecem ser objeto de atenção.
Em quais territórios há conflito armado? A guerra, com todas as suas implicações de violência permanente, bombardeios, perseguição, enfrentamentos nos quais a população civil fica no meio do fogo, acontece com mais frequência nas áreas da periferia afastadas das grandes cidades. Fala-se que, na Colômbia,metade do território, ou seja, o sul do país, tem sido desde há muito tempo território da guerrilha, e o norte, aproximadamente a outra metade do país, tem sido território de paramilitares, exércitos de contingência patrocinados por pecuaristas, grandes latifundiários e, inclusive, pelo próprio Estado, em franca conivência com as ações violentas. Então, não existe uma única faixa do território na qual a guerra está acontecendo, porque ela acontece em quase todo o território nacional e, dentro das cidades, existem igualmente disputas territoriais. Em geral, as consequências do conflito armado afetam todo o país.
Não obstante,no caso de você vir de férias a cidades como Bogotá, Cali, Medellín e/ou Cartagena, usualmente não vai perceber o conflito armado. De fato, esta área de proteção urbana praticamente se encontra à margem do conflito armado, porque se tenta não enxergá-lo; porém, é um conflito que afeta transversalmente toda a vida nacional.