Resenha por José Weinstein
A difícil sustentabilidade da melhoria da escola. Um estudo realizado no Chile, em escolas carentes.
Este livro deve ser tratado como parte de uma trilogia em que os autores têm procurado, com persistência rigorosa, a compreensão da melhoria da qualidade da educação em escolas que atendem alunos de setores desfavorecidos da sociedade chilena. Assim, “Nadie dijo que era fácil” (“Ninguém disse que era fácil“) é complementado por “¿Quién dijo que no se puede? ” (“Quem disse que não se pode?”) (2002), um estudo realizado nas mesmas escolas – que foram avaliadas como eficazes no início da década passada-, e por “Lo aprendí en la escuela” (“Aprendi na escola”) (2014) – pesquisa que, com uma metodologia mista, analisa a trajetória de melhoria das escolas ao longo do tempo e centra-se em analisar especialmente aquelas escolas que alcançaram suster sua melhoria.
O estudo observa a diversidade dos percursos das escolas: metade das catorze escolas que foram consideradas eficazes há uma década já deixaram de sê-lo, enquanto a outra metade segue sendo eficaz ou até mesmo tornou-se mais eficaz ainda. A pesquisa visa a relevar precisamente quais são os fatores e circunstâncias que levam as instituições a se encaminharem em uma direção ou outra. Nesta análise são identificados diferentes macro e micro fatores que estão ligados à sustentabilidade das melhorias, desde o contexto que rodeia a escola e as políticas educacionais das quais a escola participa, até o que acontece na privacidade da sala de aula – passando pela gestão educacional e institucional do contexto escolar.
Um fato relevante em termos do ambiente escolar e particularmente pertinente no funcionamento do quase-mercado educacional chileno – com um sistema de financiamento baseado na concorrência das instituições pela inscrição – relaciona-se com a composição do corpo discente. As escolas que conseguem sustentar a melhoria ao longo do tempo também são aquelas que promovem uma participação ativa das famílias, que se comprometem com o seu projeto educativo. Por outro lado, as escolas de baixa sustentabilidade tendem a ter dificuldade em recrutar ou manter os alunos, tendo uma elevada rotação, ou, ainda, uma perda significativa de estudantes. O estudo reconhece que as causas desta situação nem sempre devem ser procuradas dentro das próprias escolas, documentando casos que vão além delas, como, por exemplo, a dinâmica de despovoamento nas zonas rurais.
É também visível como as instituições que conseguem manter ou aumentar a sua eficácia são capazes de usar as diferentes políticas educacionais em função do seu projeto educativo. Neste sentido, destacam-se três iniciativas do governo: extensão da jornada escolar (JEC) – desde a dupla jornada do passado até a jornada estendida atual –, subsídio escolar preferencial (SEP) – com contribuição de substanciais e permanentes recursos adicionais às instituições que atendem a alunos vulneráveis, para que desenvolvam programas de melhoria –, e o programa de integração escolar (PIE) – que fornece mais recursos para as escolas no caso de elas integrarem crianças com necessidades educativas especiais. JEC, SEP e PIE tornaram-se suportes significativos em termos de tempo, novos profissionais ou recursos didáticos, mas isso só aconteceu quando a escola teve a capacidade de aproveitar a oportunidade que lhe ofereceram.
Embora o estudo se concentre em considerar cada escola individualmente, é fundamental para a sustentabilidade da eficácia a ação desenvolvida pelo financiador – seja o município, no caso das escolas públicas, ou donos laicos ou religiosos, no caso das instituições privadas subsidiadas –, que são hoje a maioria no Chile, representando quase 60% das matrículas escolares. As escolas que conseguiram sustentar as melhorias mobilizaram um conjunto de apoios significativos, começando pelo financiador, e alcançaram alguma autonomia na utilização dos recursos humanos e materiais, bem como nos processos de gestão institucional e pedagógica, por exemplo, nos processos de contratação de novos professores. A aliança escola-financiador permitiu a partilha de metas e responsabilidades, criando o financiador as condições para um bom trabalho da escola. Pelo contrário, os titulares das escolas de baixa sustentabilidade tendem a focar no curto prazo, têm mudanças frequentes em suas prioridades e proporcionam poucas – ou intermitentes – possibilidades de participação aos funcionários da escola na tomada de decisões que lhes concernem.
A liderança dos diretores é confirmada como um elemento determinante para a melhoria sustentável. Sabe-se que as escolas eficazes requerem lideranças educacionais fortes, com foco na qualidade da aprendizagem e formação dos alunos, assim como capacidade de desenvolver ao máximo as competências profissionais, individuais e coletivas dos professores. Este estudo traz luz sobre a importância da adequada sucessão na direção e o realce da fragilidade das escolas perante processos de renovação de seus líderes. Casos de sucesso documentados mostram não só a existência de um planejamento bem pensado para a substituição do diretor (a), mas também a alta influência de contar com equipes de direção estáveis e fortalecidas. Escolas de baixa sustentabilidade, no entanto, muitas vezes, “perderam o ritmo” quando houve a substituição de um diretor (a) e, usualmente, não contam com uma forte equipe de direção para apoiar a transição entre as autoridades que se sucedem.
De qualquer forma, a influência dos diretores está inevitavelmente ligada aos professores e seu trabalho. Portanto, escolas que conseguem sustentar sua eficácia ao longo do tempo, o fazem, em grande medida, pela capacidade do diretor em atrair, treinar e reter bons professores, o que equivale a desenvolver e incentivar uma boa docência. Em tais escolas, os professores tendem a permanecer por longos períodos, sem que processos frequentes de substituição ou abandono aconteçam, o que requer, nesses ambientes pobres, a existência de uma ampla “motivação intrínseca”, um clima profissional estimulante e um alto compromisso ético com as crianças e seu futuro. Também foram instalados modos de trabalho que estimulam a socialização das práticas dos professores, permitindo a abertura à reflexão coletiva e ao apoio dos parceiros, fortalecendo-se os grupos de aprendizagem profissional entre os professores. Outras características relevadas são o apoio especial e individualizado que é oferecido aos novos professores que se juntam à escola, especialmente se eles são iniciantes ou novatos, e a existência de uma cultura compartilhada de altas expectativas sobre a capacidade de aprendizagem dos alunos. Em escolas de baixa sustentabilidade estas características dos professores e do ensino não estão presentes ou expressam-se de maneira fragmentada ou esporádica.
Tal como no caso das políticas JEC, SEP e PIE, o estudo constata que as mudanças existentes na última década em torno da gestão do ensino e do currículo foram vivenciadas de forma diferente pelas escolas de alta e de baixa sustentabilidade. Neste sentido, as maiores mudanças ocorridas no Chile foram três: de forma gradual adquiriram maior importância as avaliações de aprendizagem dos alunos, aumentaram os equipamentos e recursos de aprendizagem disponíveis para os professores, e novos profissionais – psicólogos, assistentes sociais, psicopedagogos – foram contratados para integrarem o staff das escolas. Enquanto algumas escolas foram capazes de fazer com que esses novos recursos se tornassem oportunidades valiosas para potencializar sua eficiência outras não os usaram corretamente e, ainda, suas dinâmicas de funcionamento foram afetadas negativamente (reduziram seu currículo ou seu compromisso docente enfraqueceu devido à pressão das avaliações externas padronizadas).
Em suma, o livro relata uma pesquisa detalhada e documentada da trajetória de catorze escolas consideradas eficazes no passado, sobre as quais os autores voltam a colocar seu olhar uma década depois. A inclusão detalhada da história de cada um dos casos estudados é um acerto, uma vez que permite aprofundar na especificidade das diferentes escolas analisadas e ilustrar os incidentes críticos que influenciaram de uma maneira ou de outra. O fato de ter um quadro analítico que inclui diferentes níveis de análise (contexto-política-liderança-direção-gestão do ensino, etc.), permite um olhar amplo, que combina os contextos macro e micro e não reduz artificialmente os fatores, condições e atores que explicam a sustentabilidade de determinada escola.
Um desafio que permanece para futuras pesquisas diz respeito à análise da dinâmica existente dentro da sala de aula e como ela foi mantida ou alterada na década considerada. Na verdade, embora sejam listados fatores de bom ensino – tais como a importância do planejamento de aulas, a avaliação posterior do trabalho escolar, o trabalho em equipe entre professores nos conselhos de professores, a cultura escolar ou a presença de uma liderança distribuída nas escolas de alta sustentabilidade – nem sempre se sabe bem o que acontece dentro das salas de aula dessas escolas, na dinâmica entre professores, conteúdo e estudantes, que Richard Elmore com razão chamou de “núcleo pedagógico”. Em outras palavras, há um conjunto de questões que precisam ser levantadas: como é realmente este núcleo técnico do trabalho de ensino em ambos os tipos de escolas? Como os professores usam o tempo? Que formas de aprendizagem promovem entre seus alunos e quanto trabalho individual, de grupo e de grupo-curso incluem nas atividades? Como motivam seus alunos e fazem com que as matérias estejam ligadas aos seus interesses e gostos geracionais? Como, na prática, ocupam os maiores recursos educacionais disponíveis? E, acima de tudo, o quanto mudou nessas instituições a dinâmica educativa dentro da sala de aula em dez anos? Se se quer continuar a busca de elementos que possam explicar melhor a sustentabilidade da melhoria da escola dentro das escolas chilenas, parece aconselhável colocar o foco investigativo na direção da sala de aula.
Referências bibliográficas
BELLEΪ, C. et al. ¿Quién dijo que no se puede?: Escuelas efectivas en sectores de pobreza. Santiago de Chile: UNICEF, 2004.
_____. Lo aprendí en la escuela ¿Cómo se logran procesos de mejoramiento escolar? Santiago de Chile: LOM, 2014.
_____. Nadie dijo que era fácil. Escuelas efectivas en sectores de pobreza, diez años después. Santiago de Chile: LOM Ediciones, 2015.
Palavras-chave: melhoria escolar, eficácia escolar, sustentabilidade, Chile.
Data de recebimento: 27/05/2016
Data de aprovação: 30/05/2016