De um lado, o imaginário social fantasioso de que nada pode ser mais importante do que ser jovem; de outro, a condição real da juventude marcada por relações violentas e desumanizadas com os adultos. De um lado, a sedução de não precisar crescer e envelhecer, ter que assumir responsabilidades e o cuidado com os outros – permanecer suficientemente jovem! De outro, as inquietações provocadas pelas perdas e escolhas inevitáveis ao longo da vida que asseguram o sentido inexorável da incompletude da existência. Adultos e jovens enredam-se em um jogo de imagens que distancia ambos da construção de uma reciprocidade geracional afinada com as demandas da vida atual. À idealização do ser jovem parece corresponder o terror do envelhecimento e o empobrecimento de significados do lugar de adulto na sociedade contemporânea. Como aguentar ser adulto frente à negatividade que esta posição carrega hoje? Como colocar em suspenso a perfeição mítica imputada à juventude para poder enxerga-la como demandante aos adultos de iniciarem o processo de construir conjuntamente com os jovens o laço geracional? O assassinato de jovens no Rio de Janeiro, e em todo o Brasil, principalmente os negros e pobres pelo aparato policial e com a conivência de todas e todos, expõe como a sociedade adulta brasileira está respondendo a estas questões. Antes de morrer, o jovem Marcus Vinicius da Silva, morador do Complexo da Maré no Rio de Janeiro, atingido e morto na operação das forças policiais militares que invadiram este bairro no dia 20 último, quando ele estava a caminho da escola, pergunta para sua mãe: “Eles não viram que eu estou usando o uniforme da escola?”
A pergunta de Marcus Vinicius é para todos nós, e não apenas para sua mãe. Ela consiste em uma convocação para pensarmos sobre as relações presentes na sociedade. Ela fere a altivez tacanha das elites brasileiras porque expõe como nossa sociedade resiste abraçar a justiça, a equidade e a democracia, tornando estes ideais também brasileiros, parte original da nossa cultura e de nós mesmos. Marcus Vinicius, um brasileiro, se pergunta, e a nós todos, até quando vamos manter a impostura de proclamar ser o que não somos? Porque falamos em justiça, mas não a tornamos realidade nas nossas práticas sociais, falamos em futuro, mas matamos nossos jovens estudantes… Nos pensamos “modernos”, mas aceitamos e concordamos com o atraso brutal das desigualdades. Até quando disfarçaremos a nossa estupidez com o discurso complacente da nossa cordialidade?
Nesta edição, os artigos publicados na Seção Temas em Destaque jogam luz, de diferentes maneiras, sobre a dinâmica intergeracional enfocando as dificuldades com que os jovens se deparam para construir, frente às oportunidades que lhes são oferecidas, um futuro para si. As pesquisadoras Irene Rizzini e Renata M. B. do Couto, da Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil, analisam a complexidade de tornar-se mãe em contextos de alta vulnerabilidade, como o estar na rua. No artigo, “Maternidade adolescente no contexto das ruas”, apontam a escassez de serviços para atendimento destas jovens que poderiam ajuda-las a dar conta do exercício responsável da maternidade em condições tão adversas. No artigo das pesquisadoras Thais A. Andrade e Albenise Lima, intitulado “”Violência e namoro na adolescência: uma revisão da literatura”, as autoras discutem a temática da violência como um elemento frequente nas relações amorosas entre adolescentes. Salientam a necessidade de políticas de prevenção cuja pertinência no contexto escolar é ainda muito pouco explorada. Neste sentido, os adolescentes parecem estar sós para lidar com as questões e dificuldades que emergem nas relações entre pares sem que se faça presente alguma mediação dos adultos seja para acolhe-los, seja para orientá-los. No artigo coordenado pela equipe da pesquisadora Adriana Domingues, intitulado “As principais violações de direitos de crianças e adolescentes em Heliópolis, SP, Brasil” também nos deparamos com o desamparo, em termos da falta de garantias de direitos e da ausência de assistência em saúde e educação, que atinge essas crianças. As autoras concluem que é urgente a ação de consolidação de políticas que visem suprir tais garantias mínimas para que as crianças possam usufruir dos direitos que lhes são assegurados constitucionalmente. Ou estamos apenas construindo boas leis que não tem força nenhuma para mudar nossas práticas?
Na seção Espaço Aberto, a entrevistada é a pesquisadora e docente Electra Gonzalez, que nos brinda com uma discussão interessante, a partir dos questionamentos colocados pela docente e pesquisadora Simone Peres, sobre Adolescência e Saúde Sexual Reprodutiva no Chile. Gravidez na adolescência, namoro e iniciação sexual, relações de gênero, a questão do aborto, são alguns temas abordados e discutidos na entrevista. Ainda, na mesma linha de discutir sobre as questões que afetam a vida dos adolescentes, publicamos a resenha do livro de Sara Munhoz, “O governo dos meninos: liberdade tutelada e medidas socioeducativas”, feita por Alexandre Barbosa Pereira. Como coloca este autor, o livro nos traz de forma pujante como as tramas institucionais governam os corpos dos meninos que estão submetidos à medida socioeducativa, e como eles “resistem às tentativas de gerenciá-los, prendê-los ou mesmo fazê-los amadurecer”.
Finalmente, brindamos os leitores com o levantamento bibliográfico de publicações recentes – os últimos três meses – sobre infância e juventude no âmbito das ciências humanas e sociais. O levantamento é realizado em sites das editoras de toda a América Latina. Algo de suma importância para ficarmos em dia com o que foi publicado e acessarmos as leituras de nosso interesse no espaço da América Latina.
Lucia Rabello de Castro
Editora Chefe