Verônica Bem dos Santos

O que será o amanhã? Expectativas de jovens sobre futuro, política e trabalho

Conclusão

A partir da convergência de informações das três etapas metodológicas, foi possível afirmar que estamos diante de um grupo heterogêneo. Os jovens ouvidos na pesquisa equilibram descrença no futuro com confiança em dias melhores para si. Entretanto, divergem nos meios para alcançar essas melhoras. Pensam em política, mas a atuação ainda é tímida.

O ano eleitoral suscitou narrativas de descrença com o sistema político. No questionário e nas pesquisas nacionais, menos da metade dos jovens se interessa pelo tema da política, ainda que o julgue importante. Embora se reconheçam num contexto democrático, os jovens pesquisados não se sentem representados por pessoas ou instituições. Embora citem outras formas de organização como possibilidades de ação, poucos afirmam participar de movimentos nesse sentido. As mobilizações sociais que marcaram o ano de 2013 também não pareceram representar uma forma de manifestação política ou de exercício da cidadania na qual eles se reconheçam. De modo geral, houve silêncio ou desdém em torno das possibilidades e razões do evento. O cenário político, econômico e social do país os desagrada, mas há uma aparente passividade em relação ao tema e uma evidente desesperança.

Nesse sentido, a partir dos depoimentos dos jovens dessa pesquisa, foi possível perceber que não são as questões de cunho coletivo e social que estão mobilizando os jovens, mas, de modo inverso, é o seu universo pessoal que os angustia e mobiliza. A maioria dos jovens consultados revela uma profunda preocupação com seu futuro profissional e financeiro. O desemprego, o alto custo de vida e a dependência financeira dos pais ou responsáveis despontam como principais fatores de inquietação e angústia. Os jovens se preocupam com o porvir, mas têm dificuldades de nomear os meios para interferir em suas realidades. Nesse sentido, narram-se quase como que fadados a uma realidade desconfortável ou precária. No entanto, paradoxalmente, eles acreditam num futuro melhor para as suas vidas, mas não para as esferas coletivas. Parece haver uma esperança individual baseada nas próprias qualificações e esforço pessoal, demonstrando como o discurso da meritocracia está presente na ideologia amplamente difundida no campo social e revelada na fala dos jovens.

Nesse ponto, é possível afirmar que o contexto sociopolítico do Brasil e do mundo, na esfera mais ampla, dialoga de forma direta com esses mal-estares. Desde 2008, o mundo passa por crises econômicas severas. A Europa, que foi sempre modelo de conforto e prosperidade, se recupera com dificuldade das sucessivas crises e ainda experimenta altas taxas de desemprego entre os jovens. Itália, Portugal e França veem seus governantes9 alterarem seus estatutos trabalhistas, impondo perdas de seguridades sociais históricas. Na América Latina não é diferente. Ainda que o Brasil tenha experimentado um contexto de aumento do emprego formal, os jovens ainda constituem a faixa etária mais vulnerável ao desemprego, à desocupação e a vínculos de trabalho precários. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)10, 2014 fechou com decréscimo de 64% em relação ao ano anterior na criação de empregos formais. Deste modo, é possível afirmar que existe um desconforto sentido e expressado pelos jovens, e um contexto socioeconômico que o favorece e justifica.

Assim, encontrar meios para solucionar problemas que são comuns a essa faixa etária é o desafio que está posto para o poder público, mas também para os próprios jovens. Os discursos apresentados nas rodas de conversa mostraram uma aparente solidão. A angústia deriva de um sentimento de isolamento e ausência de horizontes. Nesse sentido, nos parece claro que o primeiro passo é a compreensão por parte dos jovens de se tratar de uma questão global, e o segundo é o reconhecimento do seu potencial enquanto agentes de mudança. Como evidenciou o estudo “O sonho brasileiro da política”, da agência Box 1824, há um grupo ainda minoritário, mas com grande potencial de mobilização, que vê na crise brechas para o encontro e a inovação. O levante de junho mostrou que a comunicação em rede é capaz de promover pequenos, mas significativos abalos nos consensos. A prática de reuniões, assembleias e atos indicou que, uma vez identificadas as demandas, os jovens são capazes de se reunir e mobilizar-se por causas que julgam importantes. Os movimentos globais têm demonstrado o papel central da juventude nesses processos. As acampadas desde Wall Street, passando por Madri, Istambul e, mais recentemente, Hong Kong, embora sem lideranças, têm em comum um forte protagonismo da juventude dessas cidades.  

Assim, se por um lado esses movimentos evidenciam uma crise de representatividade aguda, eles também lançam luz sobre outras formas de organização e novas possibilidades de atuação política. A autonomia dos participantes, a horizontalidade e as construções coletivas próprias das manifestações globais pró-democracia são evidências de uma nova forma de se organizar. Identificar as possibilidades de ressignificar a política é o desafio que está posto a esses jovens.

9 – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/34638-europa-mexe-na-lei-trabalhista-contra-crise.shtml
10 – http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/01/pais-criou-396993-vagas-de-emprego-formais-em-2014.html

Referências bibliográficas

BOX 1824. O sonho brasileiro da política. Disponível em: http://sonhobrasileirodapolitica.com.br/ Acesso em: 8 de outubro de 2014.

KORMAN DIB, S.; CASTRO, L. R. de. O trabalho é projeto de vida para os jovens? Cadernos de Psicologia Social do Trabalho (USP), vol. 13, n. 1, pp. 1-15, 2010.

FAMECOS/PUC-RS. Perfil do Jovem Brasileiro. Disponível em: http://portal.eusoufamecos.net/estudo-da-famecos-revela-comportamento-do-jovem-brasileiro/ Acesso em: 1 de setembro de 2014.

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Perfil da Juventude Brasileira. Disponível: http://www.fpabramo.org.br/uploads/perfil_juventude_brasileira.pdf Acesso em: 8 de outubro de 2014

SECRETARIA NACIONAL DE JUVENTUDE. Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião da Juventude Brasileira. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/participacao/pesquisa%20perfil%20da%20juventude%20snj.pdf Acesso em: 1 de setembro de 2014.

Resumo

A partir de uma experiência de pesquisa para o desenvolvimento de uma série dedicada ao público jovem, esse artigo destaca as expectativas desse grupo etário em relação ao futuro, trabalho e política. Convergindo dados estatísticos e depoimentos, percebemos que o futuro narrado pelos jovens é permeado por incertezas e o momento da inserção profissional é vivenciado entre tensões e dúvidas. Somado a isso, há um contexto sociopolítico que não inspira confiança e um sentimento difuso de descrença na política e nas instituições. Esse texto tem como objetivo descrever brevemente o processo da investigação – estratégias metodológicas e enfoques de análise – e apresentar algumas conclusões sobre o modo como os jovens manifestam as angústias geradas pelas temáticas do trabalho, política e futuro. Essa opção decorre da percepção da centralidade desses temas nos discursos dos jovens representada na forma de mal-estares e controvérsias ligados ao viver o presente e pensar o futuro.

Palavras- chave: juventude, futuro, trabalho, política.

Data de recebimento: 13/03/15
Data de aprovação: 02/07/15

Carolina Salomão Corrêa krolsalomao@gmail.com

Doutoranda em Psicologia Clínica na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. Possui graduação em Comunicação Social pela mesma instituição. É Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010). É membro-pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da Subjetividade – GIPS.

Solange Jobim e Souza soljobim@puc-rio.br

Doutora. Professora Associada do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio, Brasil. Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da Subjetividade – GIPS, no Departamento de Psicologia da PUC-Rio, Brasil.