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A influência da iluminação nas emoções de jovens no contexto da pandemia de COVID-19

A Arquitetura e a influência do lugar nas emoções dos usuários

Relacionando o tema à área de Arquitetura e Urbanismo, uma vez que os lares se transformaram em verdadeiras ambiências múltiplas, cabe a nós, arquitetos, observarmos como a qualidade do lugar influencia no cotidiano e no estado de espírito do usuário na situação vigente de confinamento.

Uma vez que as emoções positivas contribuem de modo favorável à criatividade, saúde e resiliência do ser humano (Fredrickson; Tugade; Waugh, 2003), tem-se a arquitetura e os espaços livres interferindo de modo significativo na felicidade ou infelicidade das pessoas, oferecendo dificuldades ou facilidades tais como segurança, conforto e agradabilidade estética (Souza, 2003). Com relação às diversas sensações que o lugar é capaz de oferecer ao usuário, Botton (2007) afirma que a arquitetura é capaz de nos transmitir felicidade inconscientemente, trazendo-nos uma alegria repentina e muitas vezes inexplicável.

De acordo com Vasconcelos (2004), seis fatores influenciam o bem-estar físico e emocional do ser humano. São eles: luz, cor, som, aroma, textura e forma. Ainda de acordo com o autor, esses elementos aliados à acessibilidade, ergonomia, integração com espaços verdes e ao conforto térmico são imprescindíveis em projetos de arquitetura que buscam a máxima satisfação dos usuários. Em pesquisa recente com universitários, Detanico et al. (2019) associaram a avaliação do ambiente construído com as emoções positivas geradas aos usuários. Dentre os pontos que causaram encantamento, satisfação, alegria e relaxamento nos entrevistados destacam-se: os materiais naturais da edificação, os espaços ao ar livre, as vistas para a paisagem e a luz natural.

A luz – seja ela natural ou artificial – está relacionada com algumas exigências humanas, tais como: auxílio em mecanismos visuais; controle de processos fisiológicos e psicológicos; influência nos sistemas visual, perceptivo e circadiano; influência no sono, na cura de doenças, no estado de ânimo e no rendimento das atividades das pessoas (Boyce, 2014; Nazzal, 2005; Kim et al, 2010; Costa, 2013; Carlucci et al., 2015).

A influência da iluminação nos diversos tipos de comportamento dos usuários é abordado por Martau (2009) em sua tese de doutorado. Segundo a autora, a ausência prolongada de estímulos de luz natural diurna está diretamente associada a transtornos de humor sazonais e transtornos psiquiátricos (mentais) ou de humor, enquanto a ausência de iluminação diurna de pequena duração tem sido associada a níveis alterados de fadiga, desorientação e sono (Ancoli-Israel, Moore e Jones, 2001 citados por Martau, 2009). Além disso, a melatonina produzida pelo corpo humano ao longo do dia pode ser falha e estar diretamente relacionada ao mecanismo de depressão, caso o interior de uma edificação não tenha condições de luz natural ou artificial adequadas (Wurtman, Baum e Potts, 1985). O estresse é outra reação no organismo humano que está associado às condições de iluminação, uma vez que muda ritmicamente com a regulação diurna, bem como a regulação cardíaca e as respostas neuroendócrinas (Monk, 1983).

Em webinar recente, Martau (2020) relaciona os três principais aspectos com relação aos estudos de iluminação e o desempenho humano, são eles: visual (estudos sobre desempenho de luminárias, iluminação em áreas de tarefa, conforto visual, normatizações, etc); emocional (estudos sobre o impacto emocional causado pela iluminação, percepção visual, etc) e biológico (fisiologia da luz e sua relação com o corpo humano, estudos do ciclo do claro e escuro e sua influência na saúde dos usuários).


Figura 1: Iluminação e Desempenho Humano. Fonte: Martau (2020).

Martau (2020) enfatiza a importância de projetos de Arquitetura com iluminação integrativa, que consiste na iluminação centrada no ser humano e no ciclo circadiano2, buscando a melhoria da qualidade de vida do usuário no espaço construído. O termointegrative lighting foi definido pela International Comission on Illumination (CIE) em 2016, caracterizado como o tipo de iluminação que tem como objetivo específico integrar efeitos visuais (desempenho e demais características quantitativas da luz) e não visuais (sensações e demais características qualitativas da luz), produzindo efeitos fisiológicos e psicológicos em humanos que se refletem em evidências científicas.

A observância das condições de iluminação de residências e locais de trabalho em época de confinamento devido à pandemia foi o alvo desta pesquisa, cujos relatos associaram, de modo indireto, a relação entre a luz, a qualidade do lugar e as emoções dos usuários nesses recintos. A pesquisa é parte integrante de pré-teste de tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, cujo objetivo está em avaliar a influência da luz na percepção e qualificação de espaços livres.

Metodologia

Uma vez mencionada a importância da avaliação das emoções para a construção da identidade juvenil e considerando a proposta interdisciplinar desta pesquisa, o recorte metodológico consistiu na avaliação de jovens estudantes (com idades entre 21 a 29 anos) do curso de Arquitetura e Urbanismo de uma faculdade particular da cidade de Juiz de Fora – MG com aulas no período noturno. A pesquisa com os discentes ocorreu ao longo da pandemia de COVID-19, entre o período de 12 de maio a 12 de junho de 2020 e no dia 20 de setembro de 2020, após 3 meses do último contato.

Ao longo de um mês, os jovens puderam se expressar com relação aos seus sentimentos e registraram seu cotidiano alterado devido ao regime de quarentena observado na cidade e região. Após três meses, os mesmos foram convidados a expor seus anseios com relação ao futuro e como estavam se sentindo mediante o ano turbulento de 2020.

Com foco na qualidade do lugar onde estavam situados ao longo do confinamento e nos diversos tipos de emoções que toda a nova rotina proporciona, a pesquisa utilizou a observação incorporada, registros cotidianos e croquis de campo para obter as informações pertinentes ao estudo de percepção.

A observação incorporada consiste em levar em consideração o que o observador está sentindo no momento da avaliação e o modo como ele interage com o ambiente ou com as pessoas ao seu redor. Segundo Rheingantz et al. (2009), tal processo de observação mais atenta torna o pesquisador mais sensível ao que vê e ao que avalia de fato.

De acordo com Alarcão (1996), entende-se por diário de bordo (log), diário íntimo (diary) e registro cotidiano (journal) as narrativas que relatam os fatos para uma consulta posterior. O diário de bordo é caracterizado pela objetividade do texto; já o diário íntimo consiste na mesma objetividade acrescido do afastamento do autor – ocasionando um diálogo do autor com ele próprio e com suas ações; por fim, o registro cotidiano inclui as características das narrativas anteriores, além da vantagem de reconstrução da experiência vivida em termos de fatos e sentimentos – o que possibilita a tomada de consciência daquilo que foi objetivo e subjetivo.

O método croquis de campo consiste em um produto gráfico da observação, formado por desenhos arquitetônicos, croquis e esquemas que descrevem espacialmente os eventos observados, podendo se tornar uma posterior ferramenta de análise. É utilizado para uma melhor compreensão do que está sendo observado ou até mesmo para fins comparativos entre uma situação e outra (Brasileiro, 2020).

Dentre os itens a serem observados no dia a dia por cada participante da pesquisa, estavam presentes informações relacionadas com o tipo de iluminação do ambiente no qual passaram a maior parte do dia: condição de céu, se possuía vista para o exterior, se claro ou escuro, tipo de iluminação artificial (fria ou quente), dentre outros disponíveis no Roteiro da Pesquisa. Todos os questionamentos sugeridos estavam relacionados com as emoções do participante e com a rotina de confinamento causada pelo COVID- 19.


Figura 2: Roteiro da Pesquisa. Fonte: Autores

Os participantes da pesquisa tiveram o livre arbítrio de realizarem seus registros apenas quando achassem conveniente, ou quando seus sentimentos mudassem de forma repentina. Tal decisão favoreceu para que os relatos não tivessem tom de obrigatoriedade para com o prazo da pesquisa, tornando-os bastante espontâneos.

As variáveis da pesquisa foram agrupadas de acordo com os respectivos objetivos de análise, baseado no conceito de Atmosfera Percebida (Vogels, 2008). Trata-se de um método qualitativo que classifica semanticamente diversos tipos de atmosferas do lugar e termos objetivos. Em seu trabalho, Vogels (2008) analisa a atmosfera de ambientes sob o olhar de 43 usuários por meio de questionários e experimentos. Ao longo da pesquisa, os participantes descreveram tais lugares com o máximo de palavras possíveis, que foram classificadas e agrupadas em quatro grandes grupos: aconchego; ânimo; tensão; distanciamento. A partir dessa metodologia, pesquisas subsequentes passaram a avaliar ambientes de forma subjetiva (Custers et al. 2010; Casciani, 2014 citados por Fernandes, 2017).

Para a presente pesquisa, foram criados três grupos de análises envolvendo condições de luminosidade e características gerais do lugar. São eles:

• condição de céu (claro, parcialmente encoberto, encoberto ou noite);
• tipo de luz artificial predominante (luz fria, luz quente ou não mencionado/ ausente);
• Tipo de ambiente (confortável/ desconfortável).

As emoções relatadas ao longo do experimento foram agrupadas em emoções positivas e negativas para a análise de resultados:


Quadro 1: Emoções relatadas baseadas no método de atmosfera percebida de Vogels (2008). Fonte: Autores.

Após três meses, os participantes da primeira fase da pesquisa foram convidados a relatar sobre seus sentimentos ao longo de todo o período que tiveram suas rotinas alteradas pela pandemia.

2 – Ciclo ou Ritmo Circadiano é o período em torno de 24 horas sobre o qual o ciclo biológico de quase todos seres vivos se baseia. Ele sofre influência direta com a variação da maré, temperatura e iluminação, liberando o hormônio melatonina através da glândula pineal.
Juliana Mara Batista Menezes Hybiner julianamara.arq@gmail.com

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Doutoranda PROARQ-FAU-UFRJ e Professora do Centro Universitário do Sudeste Mineiro (Unicsum), Universidade Vale do Rio Verde (Unincor), Três Corações – MG, Brasil e Centro Universitário Governador Ozanam Coelho (Fagoc), Ubá – MG, Brasil.

Giselle Arteiro Nielsen Azevedo gisellearteiro15@gmail.com

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Brasil. Doutora (PROARQ-FAU-UFRJ) e Professora Associada FAU-UFRJ e PROARQ-FAU-UFRJ; Coordenadora do Grupo Ambiente-Educação (GAE) - PROARQ-FAU-UFRJ; Coordenadora Adjunta de Ensino Programa de Pós-Graduação em Arquitetura (PROARQ-FAU-UFRJ).