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Análise da produção bibliográfica em livros sobre a infância e a juventude na América Latina

1. Introdução

Os campos da infância e da juventude têm sido compreendidos como eminentemente transdisciplinares (Alderson, 2013; Wyn, Cahill, 2015) para onde confluem e interagem perspectivas disciplinares distintas. Tomando como um campo integrado e conjunto, ou como campos disjuntos e específicos, eles têm sido responsáveis pelo surgimento de um número significativo de novos veículos para a divulgação da produção científica, muitos em língua inglesa, como por exemplo: ‘Childhood’, lançada em 1993, ‘Young’, em 1993, ‘Children, Youth and Environments’, em 1984, ‘Youth and Society’, em 1969, ‘Children and Society’, em 1987, e outros latino-americanos, como a ‘Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud’, iniciada em 2003, a revista chilena ‘Última Década’, especializada em estudos sobre juventude, lançada em 1993 e a revista colombiana ‘Infancias Imágenes’, iniciada em 2002. No Brasil, lançamos em dezembro de 2013 o periódico DESIDADES, com o objetivo de divulgar a produção científica latino-americana sobre infância e juventude no âmbito das Ciências Humanas e Sociais.

Este periódico apresenta, a cada edição, o levantamento de obras científicas publicadas sob a forma de livro, relativas ao trimestre anterior, nas áreas de Ciências Sociais e Humanas, no âmbito dos países latino-americanos. Essa produção é responsável por visibilizar discussões e experiências de pesquisa que, frequentemente, não se fazem circular tão mais fácil e amplamente que quando veiculadas em periódicos.

Em estudo que se propôs a divulgar a preferência dos diferentes canais de comunicação de pesquisadores, principalmente professores de cursos brasileiros de pós-graduação, Mueller (2005) revelou que a publicação de livros e capítulos de livros apresenta dados significativos nas áreas das Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes. As preferências dos pesquisadores das áreas das Ciências Humanas são, na ordem: periódicos nacionais, seguido dos capítulos de livros, anais de congressos nacionais, livros completos e periódicos estrangeiros; nisto se diferem dos pesquisadores das Ciências Exatas e da Terra, Biológicas e Engenharias que, segundo os dados obtidos, recorrem muito menos ao canal livro e capítulo de livro, preferindo publicar em periódicos.

Analisar a produção bibliográfica de uma área pode resultar em indicações valiosas para apreciar seu estado da arte e, sobretudo, aferir tendências e relações entre a produção científica e fatores críticos mais amplos, de ordem política e social. Um exemplo é a análise empreendida por Sposito e Colaboradores (2009), sobre teses e dissertações no Brasil, que enfocou especificamente a temática da juventude nas áreas das Ciências Sociais, Educação e Serviço Social. O balanço realizado aponta para os desafios relativos à estruturação desse campo cuja emergência recente mostra recorte pouco específico. Neste sentido, o estudo apontou que qualquer reflexão mais atenta sobre a condição juvenil requer a construção de uma transversalidade de questões e modos de investigá-las frente à diversidade das pesquisas deste campo.

Também Castro e Kominsky (2010) empreenderam uma análise do estado da arte dos estudos da infância a partir das publicações em artigos de 64 periódicos científicos no âmbito das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia, Comunicação, Ciência Política). A análise dos periódicos mostra a posição incipiente dos estudos sobre a infância no campo das Ciências Sociais no Brasil. Embora a promulgação de legislação nacional e internacional dos direitos da criança tenha alavancado o número de publicações, os tópicos que abarcam ainda estão restritos a temas na interface entre Educação e Sociologia. Nos grupos de trabalho institucionalizados dos Simpósios de Associações de Pós-graduação não foram encontradas discussões sobre estudos da infância, apenas da juventude.

Tais análises podem fazer ver lacunas importantes no conjunto da produção bibliográfica ao oferecerem um panorama amplo dos campos, utilizando-se de alguma mediação – artigos, teses, dissertações – publicadas ao longo de um determinado período de tempo. Neste artigo, debruçamo-nos sobre o trabalho empreendido pelo próprio periódico DESIDADES, acumulado ao longo do período de janeiro de 2014 a junho de 2015, para examinar e discutir algumas tendências na produção bibliográfica em livros sobre infância e juventude nos países latino-americanos.

Em primeiro lugar, nos damos conta de que, embora contando com a vantagem da proximidade geográfica, o intercâmbio científico entre países latino-americanos se faz com certa dificuldade, mesmo que o compartilhamento de discussões sobre problemas comuns da infância e da juventude seja cada vez mais relevante e premente. Urge aprofundar uma discussão que potencialize teorias mais afinadas com a singularidade histórica e política destes países. Parece importante evidenciar como se desenha o panorama da produção latino-americana, tanto nas suas ênfases temáticas, como também nas dificuldades práticas de ir além das fronteiras nacionais de cada país. Evidenciar este panorama favorece mobilizações e debates na direção de se construir uma rede regional de interações acadêmicas. Neste artigo, esperamos chamar a atenção para aspectos que possam contribuir para incrementar o debate latino-americano sobre a infância e a juventude, ao examinar o conjunto de publicações no sentido de ‘o que’, ‘como’ e ‘quanto’ está sendo produzido sob a forma de livro. Com bases nas análises feitas, almeja-se também fornecer elementos para instigar o interesse para a formação de redes de interação e pesquisa nos campos da infância e juventude e promover a reflexão acerca dos investimentos e do interesse do mercado editorial por estes campos.

2. Metodologia de busca das obras divulgadas nos Levantamentos Bibliográficos do periódico DESIDADES

A análise deste balanço baseou-se nos dados obtidos a partir dos levantamentos bibliográficos publicados pelo Periódico no período de janeiro de 2014 a junho de 2015. Tais levantamentos tiveram periodicidade trimestral, de acordo com o lançamento de cada edição da revista, e contaram com uma equipe de assistentes para a sua realização.

No levantamento publicado pela edição inicial do Periódico, de dezembro de 2013, foram coletados dados somente de obras brasileiras publicadas de janeiro a novembro do mesmo ano. A equipe1 consolidou uma lista de editoras brasileiras, divididas em universitárias e comerciais, pesquisadas através do site da ABEU (Associação Brasileira de Editoras Universitárias) e através de buscas virtuais e presenciais em livrarias. Essa primeira lista de editoras foi acrescida, ao longo das edições posteriores, de outras editoras brasileiras, assim como de editoras de outros países latino-americanos.

A inclusão de potenciais editoras na lista do Periódico foi feita a partir de um filtro que descartou aquelas editoras que possuíam endereços eletrônicos expirados ou desatualizados há mais de dois anos, ou aquelas que fossem destinadas a âmbitos do saber muito específicos sem qualquer conexão com os campos da infância e juventude. Foram excluídas também da lista editoras que continham exclusivamente obras religiosas, de literatura e de desenhos gráficos.

A partir da segunda edição, março de 2014, e ao longo das cinco edições subsequentes, que foram incluídas na presente análise, o número de editoras na lista de busca incluiu os seguintes países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Venezuela, Cuba, Bolívia, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, Peru, Paraguai e Uruguai. A lista passou a contar com 195 editoras brasileiras (106 comerciais e 89 universitárias), e 254 de países latino-americanos de língua espanhola, totalizando 449 editoras latino-americanas.

A lista consolidada tem servido como um banco onde a cada edição se buscam, nos respectivos sites eletrônicos das editoras, as publicações daquele trimestre nos campos da infância e juventude. Os levantamentos das obras são feitos através de termos-chave, tais como: “infância”; “juventude”; “crianças”; “jovens”; “escola”; “educação”; “adolescência”; “adolescentes”. A seção de “Lançamentos” de cada editora também é consultada, quando existente em seus sites.

Nem todas as obras encontradas através desses procedimentos são incluídas na lista a ser publicada trimestralmente. Além do fato de que para ser selecionado o livro deve tratar de temas relativos à infância e/ou juventude no campo das Ciências Sociais e Humanas, estas obras devem conter, primeiramente, informações editoriais, como o seu título, a autoria, o ISBN, o número de páginas, o ano e o mês de publicação, o seu resumo e a cidade de origem da editora. Sendo fornecidos esses dados e tendo seu mês de lançamento ocorrido no trimestre anterior ao número de edição do Periódico, a obra passa por outro filtro, que é o da leitura do conteúdo de seu resumo. A obra, cujo título se torna elegível para ser publicado no levantamento da revista, deve ser resultado de pesquisa científica, ou reflexão teórica ou metodológica, sendo excluídas aquelas enquadradas como manuais didáticos, manuais pedagógicos, obras de auto ajuda, literatura infantil ou juvenil, ou obras de cunho médico. Alguns exemplos de obras não incluídas a partir do filtro temático foram: “Educar sem violência: Criando filhos sem palmadas” ou “Embriologia humana integrada”.

Neste processo, a cada edição, apresentam-se diversas dificuldades, especialmente, no que diz respeito à disponibilidade de informações sobre as publicações. Em muitos sites de editoras, não há uma sessão de lançamentos ou, na maioria das vezes, essa se encontra desatualizada; alguns sites, por exemplo, têm seus últimos lançamentos anunciados com datas de três anos atrás. Além disso, informações técnicas sobre o livro, principalmente o mês e o ano de lançamento, frequentemente não são apresentadas. A equipe busca contornar tais dificuldades se valendo de outras ferramentas de pesquisa, como o site do Facebook, anúncios de lançamentos na própria busca do Google, busca em sites de redes/associações de editoras e/ou em blogs de eventos que anunciam a publicação dos livros. Mesmo se utilizando dessas alternativas, a busca pelas informações completas sobre uma obra não é sempre bem sucedida, e a mesma acaba não entrando no levantamento do Periódico por este motivo.

A aproximação direta com as editoras, como um recurso adicional para alimentar o levantamento de publicações, também tem se provado frequentemente infrutífera. No início de 2014, o Periódico enviou uma carta a todas as editoras da lista, encaminhada aos endereços eletrônicos divulgados nos seus respectivos sites, em que se solicitava que, ao publicarem livros sobre a temática da infância e/ou juventude, notificassem-no para uma possível inserção da obra no levantamento. O índice de resposta das editoras foi extremamente baixo, e muitas mensagens voltaram, o que aponta para a desatualização dos e-mails das editoras nos seus respectivos sites. Além disso, em outros casos, as editoras incluíram o e-mail da revista em sua própria ‘newsletter’, outras disseram não possuir obras com as temáticas em questão, algumas mostraram interesse de enviar exemplares de livros para o endereço do Periódico, e duas editoras associaram a solicitação com a área de literatura infanto-juvenil. Essa aproximação parece indicar certa desorganização administrativo-comercial das editoras ao responder de forma precária a solicitações que contribuem para a divulgação de suas próprias publicações. Também nos parece indicar um relativo desprestígio comercial das publicações científicas sobre infância e juventude que, do ponto de vista das editoras, não parecem ser muito lucrativas.

1 – Agradecemos à equipe de buscas: Arthur José Vianna Brito, Clara Marina Hedwig Willach Galliez, Isa Kaplan Vieira, Juliana Siqueira de Lara, Luciana Mestre, Marina Provençano Del Rei, Paula Pimentel Tumolo, Priscila Gomes, Suzana Santos Libardi e Yasmim Sampaio dos Santos.
Lucia Rabello de Castro lrcastro@infolink.com.br

Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Pesquisadora Senior do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Brasil. Editora Chefe da revista DESidades.

Isa Kaplan Vieira i.kaplanvieira@gmail.com

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação em Psicologia pela mesma Instituição. Integra o Núcleo de Pesquisa para Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Juliana Siqueira de Lara j.siq.lara@gmail.com

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação em Psicologia pela mesma Instituição. Integra o Núcleo de Pesquisa para Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Karima Oliva Bello koliva2009@gmail.com

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Psicologia pela Universidad de la Habana, Cuba (UH) e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Professora Assistente da Universidad de la Habana. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Sabrina Dal Ongaro Savegnago sabrinadsavegnago@gmail.com

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.