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As principais violações de direitos de crianças e adolescentes em Heliópolis¹ – São Paulo/Brasil.

Introdução

Localizada no distrito de Sacomã, na Zona Sul da cidade de São Paulo (SP) – Brasil, a comunidade de Heliópolis, desde sua ocupação, em 1971, até os dias atuais, empreende uma luta pela transformação da situação inicial de favelização e pela conquista e garantia dos direitos sociais. Essa luta se iniciou quando os moradores foram retirados de suas ocupações nas áreas da Vila Prudente e Vergueiro (bairros circunvizinhos) e remanejados para um alojamento provisório no terreno do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS). A situação provisória só foi resolvida 20 anos depois, com a conquista da posse da terra e regularização das moradias. Atualmente, através de várias mobilizações da comunidade, a infraestrutura do bairro Heliópolis já passou e continua passando por grandes modificações, como o fornecimento de energia elétrica, água, transporte público, vias pavimentadas, saneamento básico e serviços socioassistenciais.

Instalada em uma área de 1 milhão de m² da capital paulista, a região possui moradias diversificadas, como barracos, palafitas, casas de alvenaria e prédios de habitação popular, formando uma das maiores favelas do Estado de São Paulo. Com uma parcela de 92% formada por moradores que migraram da região Nordeste do país, segundo dados do IBGE, Heliópolis possui um número significativo de famílias que vivem da economia informal e são lideradas por mulheres (Soares, 2010).

Neste artigo, analisamos as principais violações de direitos das crianças e adolescentes que vivem nessa região. O objetivo deste estudo foi compreender de que forma elas têm sido atingidas pelos processos de exclusão social e violação dos direitos sociais básicos. Enfatizamos, como objetivos específicos, as violações que se referem ao direito à saúde e à convivência comunitária e buscamos compreender as situações mais comuns em que são encaminhadas aos serviços da região, bem como os principais agentes violadores destes direitos.

Utilizamos como material de apoio o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei 8.069, em 13 de Julho de 1990, que regulamenta e detalha os direitos das crianças e dos adolescentes já previstos pela Constituição Federal de 1988. O ECA compreende a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e garante, por meio da concepção de proteção integral, suporte essencial para seu pleno desenvolvimento (Brasil, 1990). Essa proteção assegurada traduz-se em todas as oportunidades e facilidades oferecidas, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

A pesquisa centrou-se em dois grandes eixos: Direito à Vida e à Saúde e Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade, considerando-se que neles estão presentes os direitos básicos sine qua non as crianças e adolescentes dificilmente desfrutarão de um desenvolvimento humano e um convívio familiar e social adequados. No primeiro eixo, são descritos os direitos essenciais à manutenção da vida e compreendem todos os aspectos referentes à saúde da criança e do adolescente desde seu nascimento (Brasil, 1990). As principais violações desses direitos estão relacionadas às doenças, às necessidades especiais e aos óbitos causados por precariedades no atendimento pré e perinatal e no sistema de vacinação; aos portadores de necessidades especiais com atendimento de saúde deficiente; às doenças decorrentes de habitação e saneamento básico precários; à mortalidade e desnutrição infantil; ao alcoolismo e à drogadição; à mortalidade infanto-juvenil por causas externas; às doenças sexualmente transmissíveis e AIDS; à gravidez e paternidade precoces; e à mortalidade infanto-juvenil por causas externas (sobretudo homicídios) (Ribas Junior, 2011).

O segundo eixo do ECA prevê o direito à liberdade, respeito e dignidade à criança e ao adolescente por considerá-los pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos pela Constituição Federal (Brasil, 1990). As principais formas de violação desses direitos são: aliciamento de crianças e adolescentes para atividades ilícitas ou impróprias; submissão em instituições do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) a práticas incompatíveis com as determinações do ECA; abuso e exploração sexual; tráfico de crianças e adolescentes; violência doméstica; crianças e adolescentes autores de ato infracional; e utilização de crianças e adolescentes na mendicância (Ribas Junior, 2011).

Para a compreensão desses aspectos, adotamos a Psicologia Sócio-Histórica como base epistemológica da pesquisa, uma vez que ela propõe uma concepção de sujeito como ser ativo, social e histórico e utiliza-se do método dialético para a compreensão da relação do homem com a sociedade, de forma que esta seja reconhecida como produção histórica dos homens, os quais, através do trabalho, produzem a sua vida material. Ao contrário de outras perspectivas, para a Psicologia Sócio-Histórica, o fenômeno psicológico não pertence à Natureza Humana, tampouco é preexistente ao sujeito, mas reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem os homens. Dessa forma, o fenômeno psicológico é um fenômeno social, já que subjetividade e objetividade são instâncias intercambiáveis — são dois aspectos do mesmo movimento que se dirige ao processo no qual o sujeito atua e modifica a realidade, e esta, por sua vez, oferece as propriedades para a sua constituição psicológica (Bock, 2001). Essas postulações são favoráveis à análise da interação do homem com as instituições sociais e permitem uma ampla percepção de fenômenos como a exclusão, a vulnerabilidade social, os movimentos sociais e suas formas de resistências.

De acordo com Katzman (1999), as situações de vulnerabilidade social devem ser analisadas a partir da existência, por parte dos indivíduos ou das famílias, de dispositivos capazes de enfrentar determinadas situações de risco. Logo, a vulnerabilidade refere-se à capacidade de controle das forças que afetam o bem-estar de determinado indivíduo ou grupo. Os aspectos que produzem a condição de vulnerabilidade são, no entanto, socialmente construídos e, quando são interiorizados pelo indivíduo, geram muito sofrimento. Esse sofrimento, de acordo com Sawaia (2001), nasce frente às injustiças sociais e se estende além da preocupação com a sobrevivência. É o sofrimento ético-político que surge à medida que, com a negação da emoção e da afetividade, a pessoa é privada de sua condição humana.

A comunidade de Heliópolis, por meio de suas lutas sociais, busca minimizar esses impactos, desconstruindo preconceitos e estereótipos, promovendo discussões, realizando projetos e programas sociais. No entanto, mesmo com a consolidação de políticas públicas voltadas para diferentes áreas sociais, a comunidade ainda hoje convive com a ausência de políticas efetivas para a melhoria das condições de vida das crianças e adolescentes que ali vivem. Esta pesquisa não só dá visibilidade às situações de exclusão social que produzem violações de direitos, mas também aos desafios enfrentados pelos profissionais que atuam na garantia desses mesmos direitos.

1 – A elaboração deste artigo contou com a colaboração de Carolina Barbosa Gobetti, Fernanda Hermes da Fonseca, Flávia Puorto de Freitas, Gabriela Schroeder Ribeiro, Juliana Guilherme Leonel e Letícia Lima de Araújo Biscioni.
Adriana rodrigues domingues adriana.domingues@mackenzie.br

Graduada em Psicologia pela Unesp e doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, é docente no curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.

Adriana Fernandes Lellis Pereira adriana.lellis@outlook.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente, atua no Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), em Jacareí, e realiza oficinas de redução de danos nas cenas de uso de drogas em São Paulo, Brasil.

Ana Carolina de Oliveira anacaa.oliveira@gmail.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Psicologia Hospitalar e da Saúde pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil.

Cristina Gonçalves De Abrantes cristinadeabrantes@gmail.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.. Atua como psicoterapeuta e neuroeducadora, com pesquisas voltadas à clínica contemporânea e psicologia social.

Tiago Henrique Cardoso cardosotiagohenrique@gmail.com

Graduado em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.

Vanessa Alice De Moura vanessa.alice.moura@outlook.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil..